Médica reclama do descaso de Mauá e Santo André sobre tireoidite na população

Até 2002 pouco ou nada se sabia sobre a relação entre as doenças tireoidianas e a poluição industrial. A chamada tireoidite crônica autoimune é a maior causadora do hipotireoidismo primário, doença que atinge milhares de pessoas. Essa relação veio à tona após a divulgação de pesquisas realizadas e publicadas em revistas científicas internacionais, por Maria Ângela Zaccarelli Marino, professora de Endocrinologia do Centro Universitário Faculdade de Medicina ABC e doutora em Endocrinologia pela USP (Universidade de São Paulo). A médica está indignada com o descaso das secretarias de Saúde de Santo André e Mauá, e da Faculdade onde ministra aulas em relação à pesquisa sobre o avanço dos casos da doença na região.

Maria Ângela tem registrado forte ligação entre as concentrações de poluentes e a ocorrência de hipotireoidismo primário em pacientes residentes na área de influência do Complexo Petroquímico, situado na divisa entre São Paulo, Santo André e Mauá. “Até hoje, nunca tive qualquer apoio ou atenção com esse problema. O número de casos tem aumentado muito e já observamos na região associações da poluição industrial com outras doenças também graves”, afirma a pesquisadora, que aguarda o trabalho epidemiológico nas unidades de saúde da Prefeitura de São Paulo e participa de uma CPI na Câmara. “Já temos resultados preliminares do Centro de Vigilância Epidemiológica de que eram 9,3% os casos de anticorpos e agora temos 18,5% dos sinais e sintomas, portanto podemos dizer que os casos naquela região são muito mais, é realmente preocupante”, diz.

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As pesquisas encabeçadas, desde 1989, pela médica estão na fase de mapeamento dos poluentes e testes de experimentação com animais. “Estamos observando alterações preocupantes não só na tireoide dos animais, mas em outros órgãos”, diz. O ambiente de estudo ocorreu em um raio de 500 metros, a partir das indústrias do Parque Capuava, em Santo André; raio de 1 km, no Jardim Silvia Maria e Sônia Maria, em Mauá; e no Parque São Rafael, em São Paulo, em um raio de um 1,5 km. “Porém já detectamos que até 6,5 km a população pode ser prejudicada pela poluição”, afirma Maria Ângela em entrevista ao RDtv.

A professora relata indiferença também do governo do Estado. “Os secretários de Saúde do Estado que passaram nunca quiseram saber a respeito da doença da qual falamos há 34 anos. A Cetesb também nunca nos procurou para saber o que estamos fazendo”, reclama.
Ainda assim, a médica mantém esperança. “Agora espero conseguir falar com o secretário municipal de Saúde de São Paulo e com o secretário estadual para que possamos cumprir nosso dever profissional de cuidar do ser humano”, completa.

Foto: reprodução RDtv

A pesquisadora relata que a tireoidite crônica autoimune apresenta sintomas inespecíficos, fato que levou as vítimas ficarem doentes durante muito tempo sem saber. O paciente pode sentir desde cansaço, queda de cabelo, depressão e unhas quebradiças, até evoluir para o hipotireoidismo que gera problemas nas funções cognitivas, como perda de memória, atenção, concentração e inchaço. Já crianças podem apresentar problemas de aprendizado e crescimento.

Segundo a endocrinologista, nem as grávidas escapam, uma vez que há risco de aborto e os bebês podem nascer com baixo peso. “Essa doença é crônica, portanto as pessoas que foram acometidas pelo hipotereoidismo não têm mais possibilidade de reversão, e se não forem tratadas podem chegar a óbito”, explica.

Outros problemas, como artrite reumatóide, hepatite, esclerose múltipla e infertilidade estão sendo observados como doenças associadas à tireoidite crônica autoimune, segundo a pesquisadora da USP.

Diante dessa realidade, que afeta diretamente a população dos municípios de Santo André, Mauá e São Paulo, a pesquisadora se diz surpresa por nunca ter recebido apoio de nenhum governo municipal ou estadual. “Muito me intriga porque as secretarias de Saúde de Santo André e Mauá nunca me apoiaram, nem a Faculdade de Medicina onde dou aula”, afirma.

Semasa

Em nota, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) alega ter conhecimento das pesquisas realizadas por Maria Angela Zaccarelli, mas que a autarquia não tem propriedade para atestar ou não a procedência dos fatos. “O Semasa não recebeu nenhum tipo de reclamação sobre falta de ar, cansaço, alteração na tireóide ou outros sintomas. Chegaram chamados sobre odor ou fuligem emitida pelo Polo Petroquímico. Vale salientar que a fiscalização ambiental é de responsabilidade da Cetesb, porém, o Semasa, ao receber algum chamado, notifica imediatamente a Cetesb. O Semasa já notificou a Braskem (única empresa do Polo em Santo André) após chamados sobre odor e/ou fuligem”.

Já o Cofip (Comitê de Fomento Industrial do Polo do ABC), que representa cerca de 10 empresas do Polo, diz que as associadas têm conhecimento dos estudos da pesquisadora e acompanha o tema. “As empresas associadas são licenciadas e monitoradas constantemente pelos órgãos competentes e operam dentro dos padrões recomendados e exigidos”. Afirma que promove fóruns de diálogo social e que mantém com as associadas o canal de atendimento 0800 770 0108 para receber manifestações dos moradores do entorno.

 

CPI
Em maio de 2022, foi instalada na Câmara de São Paulo, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Poluição Petroquímica. A comissão é presidida pelo vereador Alessandro Guedes (PT). “Estou muito animada com essa CPI, porque por meio dela conseguiremos conversar com os secretários de Saúde de SP e do Estado”, relata a médica, que participa da comissão.

O vereador e presidente da CPI, Alessandro Guedes, diz que a previsão para a conclusão do inquérito epidemiológico é maio. “O resultado será determinante para saber se aquele canto da cidade tem anomalia com relação ao restante da Capital, afirma. O parlamentar diz, ainda que a Cetesb já esteve na CPI,e tem colaborado com envio de todos os documentos solicitados”, afirma.

 

Cetesb

Informamos que o Polo Petroquímico de Capuava recebe um atendimento prioritário da Cetesb. São vistorias, amostragens em chaminés, rondas e contatos com a comunidade, programadas e realizadas independentemente das reclamações ou denúncias recebidas. Só em 2023, até o momento houve 16 vistorias em empresas, 26 rondas efetuadas em ruas do entorno do Polo, nos bairros de Parque São Rafael, Jardim Sonia Maria, Jardim Silvia Maria, Jardim Ana Maria e Jardim Santo Alberto, localizados em São Paulo, Mauá e Santo André.

Informamos, também, que, como resultado das ações da agência ambiental, empresas do Polo foram autuadas, em 2021, em R$ 2,3 milhões; e em 2022, em R$ 675 mil.

Reiteramos que a Cetesb destacou um empregado, com formação superior em química, para cuidar do caso ininterruptamente, além de um grupo de sociólogas para manter contato com a sociedade. Quando necessário, equipes da Companhia, como a de Atendimento a Emergências, são deslocadas para área.

 

Saúde do Estado

Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo informa que ações de fiscalização no Polo Petroquímico Capuava são de responsabilidade dos municípios citados pela reportagem. No entanto, o Centro de Vigilância Sanitária estadual, quando acionado, apoia o trabalho das prefeituras, acompanhando as ações e dando todo o suporte necessário.

Procuradas pelo RD, a Faculdade de Medicina do ABC e a Prefeitura de Mauá  não se manifestaram.

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