Sem investimentos, teatros se tornam elefantes brancos no ABC

Teatro Municipal de Santo André foi fechado para reforma durante a pandemia e desde então segue sem previsão para reabertura (Foto: Alex Cavanha/PSA)

A cada ano são emitidos pelo menos 700 registros profissionais para atores, atrizes e técnicos no Estado de São Paulo. No entanto, a formação básica, que leva quase três anos para ser concluída, não é o único obstáculo enfrentado para quem decidiu embarcar na área. A falta de espaços adequados, teatros tradicionais com portas fechadas, paredes sem pintura, iluminação falha e banners sem grandes produções, tem desmotivado, cada vez mais, quem trabalha com arte no ABC.

“Almir Satter ‘batia cartão’ no Teatro Municipal de Santo André. Ele gostava da cidade e era só mais um dos tantos artistas que vinham para a cidade nos tempos em que dava pra fazer cultura aqui”, desabafa um produtor cultural da região, que prefere não ser identificado. Embora seja um dos teatros mais caros da região (cerca de R$ 1,5 mil o dia), o espaço era chamariz para grandes produções, em razão da boa estrutura e localização. Hoje, sucateado, o local está fechado e sem previsão de reabertura.

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“Fecharam as portas em 2019, quando a pandemia começou, e a reforma sequer começou. Quem precisa de espaço para fazer teatro em Santo André, simplesmente não acha”, comenta. Oferecido pela Prefeitura, o espaço alternativo, Cine Theatro Carlos Gomes, reaberto no final de 2022, não é indicado para espetáculos teatrais. “O que não entendem é que ali não é um teatro caixa-preta. Não temos um palco marcado pela boca de cena, cortina, coxias e iluminação necessária para fazer teatro”, afirma.

Resposta da Prefeitura

A Prefeitura de Santo André esclarece que, ao contrário do que afirma a reportagem, o Teatro Municipal não está sucateado. O equipamento passa por processo de modernização. Entre as obras já finalizadas estão a troca completa da cobertura do teatro e o restauro das cadeiras. A modernização em andamento inclui ainda troca da instalação elétrica, substituição de piso, processos de impermeabilização, pintura e revestimento, reforma nos banheiros, e ações voltadas à parte de acessibilidade que contemplam ainda saguão, salão de exposições e bilheteria.

Importante lembrar que, como já anunciado no lançamento da programação de aniversário da cidade, Santo André vai entregar no próximo sábado (8/4) a revitalização do Teatro Conchita de Moraes, um dos principais equipamentos culturais da cidade, que poderá voltar a receber espetáculos depois de passar por obras de modernização e recuperação.

Em relação ao apontamentos sobre o Cine Theatro Carlos Gomes, o conceito proposto na revitalização do equipamento é o da utilização do edifício como uma praça coberta. Seguindo os princípios contemporâneos de intervenção em patrimônio histórico, o projeto contempla a transformação em um equipamento multifuncional e flexível, voltado às diversas formas de manifestações artísticas e atividades culturais, além da convivência social.

Sem opções

Em razão da proximidade com a cidade, o Teatro Lauro Gomes, em São Bernardo, também seria alternativa para os produtores, acontece que o espaço tem dado lugar, predominantemente, a espetáculos de stand-up comedy, assim como o Teatro Municipal de Mauá. “Não vemos outra coisa em cartaz a não ser shows de stand-up nesses dois teatros. É triste não enxergar grandes produções como antigamente”, relata o produtor.

A pauta em São Bernardo custa em torno de R$ 2,3 mil o dia, o que também ajuda a inviabilizar grandes produções. “Como pagamos três dias de montagem se cada dia custa R$ 2,3 mil? Não há produtor que aguente bancar quase R$ 7 mil só pra montagem”, reclama. Outra dificuldade  é encontrar equipes técnicas nestes espaços culturais. “A maioria dos técnicos já se aposentou e, desde então, não tivemos renovação desse pessoal”, diz.

Os prefeitos, que na opinião dos produtores, deveriam investir fortemente no setor, sequer aparecem nos espaços se não houver uma grande produção em cartaz, com participação de um artista renomado. “Não se importam com quem está no setor. Na verdade sequer vão ao teatro, só aparecem pra pedir ingresso quando temos algum ator da Globo envolvido ou quando enxergam oportunidade para pedir votos”, afirma.

Retomada do Ministério da Cultura

O Ministério da Cultura foi refundado este ano, por meio de decreto presidencial, com a cantora Margareth Menezes à frente. Desde 2019, a Pasta havia sido transformado em Secretaria Especial do Governo Federal. A esperança dos produtores é que, com a retomada, a classe artística da região ganhe notoriedade. “Várias instalações e espaços que poderiam estar mais cuidados foram deixados de lado, como o Teatro Municipal de Santo André, fechado para reforma e nunca mais foi visto. Esperamos que com a retomada do Ministério as coisas mudem e o poder público volte a enxergar os produtores novamente”, diz Wil Lanzillo, produtor da C.A Produções.

De acordo com Lanzillo, o único teatro possível de realizar apresentações é o Santos Dumont, em São Caetano, que segue com estrutura viável. “O Municipal de Mauá, embora bem arrumado, não tem ar condicionado. Como colocamos o público para assistir um espetáculo em um local que sofre com o mínimo em suas instalações?”, questiona. A esperança é que, ainda no segundo semestre deste ano, o cenário mude no ABC. “Como produtor e empresário, torço para que as coisas mudem, o quanto antes. Só assim a população vai deixar de sair da região para buscar cultura em São Paulo”, afirma.

Ambos os produtores afirmam que, em plena semana que se celebrou o Dia Mundial do Teatro (27 de março), não há o que comemorar no setor. Entre as demandas estão mais investimentos, editais, reestruturação dos teatros e contratação de profissionais para voltar a fazer a cultura acontecer no ABC.

Na contramão

Na contramão da falta de investimentos por parte do poder público, o Sesc, com unidades em São Caetano e Santo André, investe para trazer referências externas e valorizar artistas da região, com agenda repleta de opções e apresentações a preços populares. A política de ingresso é subsidiada, com ingressos populares e até gratuitos, para garantir acesso a todos os públicos.

Somente neste fim de semana, a programação do Sesc Santo André contemplou os amantes da cultura com show da sambista Leci Brandão, no sábado (01/4) e recebeu a Cia Artesãos do Corpo para uma intervenção de dança, no mesmo dia. E está programado para o dia 6, o show da cantora sulsancaetanense Denise D’Paula, que canta pagode 90, uma de suas múltiplas influências musicais. A entrada é gratuita.

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