Moradores do bairro Fundação ainda vivem sob abandono nas enchentes em S.Caetano

Às margens do abandono, os moradores do Bairro Fundação, em São Caetano, ainda perdem o sono, quando as nuvens escuras surgem aos céus. Praticamente todo ano, há ocorrências de enchentes vindas do rio Tamanduateí, na avenida do Estado. Alguns até já perderam as contas dos prejuízos financeiros que acumularam nos últimos anos. Por sua vez, o governo do prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) afirma prestar auxílio à população e projeta as obras do piscinão neste próximo segundo semestre.

Ainda sob as lembranças da tragédia de 2019, que resultou em três mortes, os residentes do Fundação tentam se cuidar por conta própria. Várias casas têm comportas para impedir a entrada de água, porém, sem alguma ação mais efetiva, nem isso pode ser o suficiente. Segundo relatos de moradores, no último dia 11 de março, mais uma vez as ruas do bairro ficaram inundadas, com algumas localidades chegando à cintura de uma pessoa adulta.

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Moradora do Fundação há 17 anos, a arquiteta Rosemeire Sales tem no muro de sua casa as marcas da tragédia. A sua comporta tem a altura de 1,8 metro, que está ao lado da linha em vermelho feita em seu muro, em alusão ao nível da água em 2008. Onze anos depois, a inundação chegou a 2,4 metros. As perdas materiais foram totais, porém, a maior preocupação naquele momento era salvar nove animais de estimação (oito cachorros e uma gata), precisando subir ao sobrado da casa vizinha e resgatar um por um.

No dia seguinte à tragédia de 2019, Rosemeire teve uma lembrança de que nenhum dinheiro será capaz de apagar de sua cabeça. “Eu achei que o mundo estava acabando. Às 6h da manhã daquele dia, a água começou a descer e tive que abrir a comporta para a água (retida no meu quintal) sair junto. Quando cheguei aqui nessa árvore (frente à residência), tive que amarrar um corpo para a água não levar, um morador de rua que chamávamos de Trem”, recorda-se.

Geralmente nesta época do ano, a população do Fundação olha para o céu nublado e começa a se preocupar. Muitos reclamam que não têm direito a sair de suas casas, viajar neste período ou convidar amigos e familiares. Afinal, como se afastar de sua residência sem a certeza de que tudo ficará bem e que episódios como a história de quatro anos atrás não se repetirão? Esse é o pensamento de quem vive no bairro.

Rosemeire tem em seu muro a marca da tragédia de 2019, quando a água chegou a 2,4 metros / Foto: Bruno Coelho

Presidente do grupo Fundação Viva, criado após as enchentes de 2019, Rogério Bregaida reclama do que considera inércia da Prefeitura de São Caetano, que, de acordo com seu relato, não ajudou nos custos dos prejuízos.  “A chuva vai acontecer todo ano, sempre vai ter enchente, mas perder vidas, animais e bens materiais, é negligência da Prefeitura. Eu já paguei R$ 15 mil pelas reformas da minha casa. Só que há coisas que não têm valor real”, conta.

No entanto, nem toda perda pode ser preenchida por meio de dinheiro e as águas podem levar lembranças de uma vida inteira. “Na época, morava com meu tio-avô, com Alzheimer, e minha avó. Tudo que eles tinham foi perdido. A minha avó perdeu o álbum de casamento dela, com fotos da década de 1940. Isso acabou. A foto do filho dela, que morreu em 1987, quando não havia câmera (digital e celulares), perdeu também. São essas coisas sentimentais que se vão”, diz Bregaida.

O assistente comercial Valter Soares conta que até hoje precisa comprar o que perdeu há quatro anos. “Moro em casa térrea e tivemos problemas sérios. Em 2019, a enchente entrou na minha casa por volta de dois metros de altura e perdemos todos os aparelhos domésticos, colchões e móveis. E passaram quatro anos e ainda estamos comprando essas coisas. Ninguém lembra de nós aqui, mas em época de eleição, estão todos aqui”, explica.

Moradores fazem ‘vaquinha’ para compra de sirene

Como se não bastasse ter prejuízos que podem superar o orçamento anual de uma família, os moradores do Fundação precisam fazer “vaquinha” para comprar sirenes de alerta, em situações de cheias do rio Tamanduateí. Tal instrumento é necessário, visto que há localidades do bairro, que o nível das casas e vias públicas estão abaixo da Avenida do Estado, portanto, se a água sai do córrego, desce até aos imóveis ao lado.

“Cada nuvem que aparece no céu, avisamos aos amigos, vamos em grupos de WhatsApp para troca de informações para tirar os carros e fechar comportas. Sempre pedimos para a Prefeitura que instalasse as sirenes para avisar quando o rio está na iminência de transbordar, mas não tivemos retorno. Daí fizemos uma vaquinha na Fundação Viva e instalamos uma sirene aqui na rua”, conta Rosemeire.

Prefeitura prevê licitação do piscinão para abril

Em nota, o governo do prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), afirma que investe em sirenes pela cidade e o piscinão no Bairro Fundação será licitado em abril e as obras iniciadas no segundo semestre deste ano. A futura estrutura terá capacidade para armazenar até 165 mil metros quadrados de água. Embora questionado sobre a previsão de entrega das obras, não houve tal esclarecimento.

A administração também garante que serão realizadas intervenções de manutenção e ampliação de 13 quilômetros de galerias para aumentar a vazão das águas pluviais, beneficiando os moradores dos Bairros Prosperidade, Fundação, Centro, Santo Antônio, Cerâmica, São José, Mauá, Jardim São Caetano e Nova Gerty. Também integram o projeto Refundação, no eixo de combate às enchentes, o alteamento viário da Avenida do Estado e a construção de muro de contenção de 4 km em toda a extensão via.

Coincidentemente no mesmo dia que o RD questionou o Paço sobre sirenes e o Bairro Fundação, Auricchio publicou um vídeo em suas redes sociais anunciando o sistema de vídeo monitoramento dos rios que percorrem a cidade. “A Prefeitura lança por meio da Defesa Civil um sistema de vídeo monitoramento dos rios para acompanharmos as possibilidades de enchentes e também sistema de sirenes com alertas e áudios que vão fazer a comunicação com a população dos bairros ribeirinhos”, diz o prefeito.

A respeito de 2019, o governo garante que prestou auxílio financeiro, que variou de meio a um salário-mínimo por família em um período de seis meses, além de isenção de impostos e outros benefícios aos atingidos pela cheia, além da distribuição de água, colchões e materiais de limpeza e de higiene.

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