Osesp e Municipal abrem temporadas com Mahler

O compositor Gustav Mahler dizia que uma sinfonia devia ser como um mundo, abarcando todas as coisas. E dois desses mundos vão abrir nesta semana as temporadas da Osesp e da Orquestra Sinfônica Municipal: as Sinfonias nº 3 e nº 6, que trazem duas facetas de uma obra diversa que segue desafiando ouvintes e artistas.

A Sinfonia nº 3 será apresentada pela Osesp quinta, sexta (com transmissão pelo canal da orquestra no YouTube) e sábado, na Sala São Paulo. A regência é do maestro Thierry Fischer e os concertos contam ainda com o Coro da Osesp, o Coro Infantil da Osesp, o Coral Paulistano e o Coro Acadêmico da Osesp. A obra trata de temas como vida, morte e a natureza. E, em seus movimentos finais, reproduz trechos de Assim Falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche.

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A solista das apresentações é a mezzo-soprano sueca Anna Larsson, especialista na obra do compositor, de quem já gravou, além de sinfonias, os principais ciclos de canções.

PROFUNDO E SUPERFICIAL

“Mahler consegue ser extremamente profundo e superficial”, diz ela ao Estadão. “Há essa grande reflexão sobre o que é a vida, o que é o humano, que ele faz a partir de Nietzsche. É algo que soa muito pessoal. Mas há charadas espalhadas pela partitura, como a nos dizer que, no fundo, a resposta a todos esses questionamentos é muito simples: sofrimento e amor, é isso que define o ser humano. A vida pode ser simples, não a leve tão a sério.”

Para Larsson, a natureza é o elemento-chave na sinfonia. “Vida e morte são temas que fascinaram Mahler. Mas a questão religiosa não era central. A única religião possível é a natureza, pois a ela voltamos após a morte. É na mistura do que resta do corpo com a natureza que existe alguma possibilidade de permanência.”

Não é uma mensagem necessariamente otimista, diz a cantora. Mas, quase dez anos depois, em 1903, Mahler começaria a escrever aquela tida como a mais sombria de suas sinfonias, a nº 6, que ganhou com o tempo o subtítulo Trágica – ainda que tenha sido escrita em um momento mais tranquilo da vida do autor. Ou nem tanto assim, como explica o maestro Roberto Minczuk, que rege a obra no Teatro Municipal em concertos na sexta e no sábado, à frente da Orquestra Sinfônica Municipal.

“Mahler era apaixonado por Alma, sua mulher, uma das figuras mais fascinantes daquele início de século, talentosa, inteligente, também compositora, que abandonou a carreira após o casamento. Mas ele sabia que a música estava sempre em primeiro plano e a sinfonia, de alguma forma, carrega um remorso. O primeiro movimento começa de forma quase militar, mas de repente um segundo tema musical se revela, apaixonante, apaixonado, o tema de Alma, uma declaração de amor para a esposa.”

É a própria Alma que reproduz, em seus diários, a interpretação – que lhe teria sido confidenciada pelo marido. Mesmo assim, um sentido de tragédia se coloca ainda maior ao longo da peça, que em seu último movimento prevê três batidas de um martelo, que, segundo Alma, Mahler via como os “três golpes do destino”.

Eles de fato viriam, mas após a estreia da sinfonia, quando Marie, a filha do compositor, morre aos 4 anos de idade; ele descobre sofrer de um problema grave no coração; e perde o emprego na Ópera de Viena, após uma longa campanha de difamação.

Premonição do compositor? Alma veria as coisas de modo diferente: Mahler, ao escrever a Sinfonia nº 6 e, no mesmo período, o ciclo de canções Kindertotenlieder (Canções para Crianças Mortas, a partir de textos do poeta Friedrich Rückert), havia brincado com o destino. E isso não se faz.

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