Competição dá chance a estudantes e constrói elo entre skatistas e universidades

Uma manobra bem executada em um dos corrimãos do Centro de Esportes Radicais do Bom Retiro, em São Paulo, deu ao skatista Cadu Silva, de 19 anos, a oportunidade de cursar uma faculdade com bolsa integral. O acesso ao ensino superior foi o prêmio recebido pelo jovem paulistano no último final de semana por ter vencido a categoria Best Trick Vestibulando, novidade da 2ª etapa do Circuito Universitário de Skate, série de competições que chamou a atenção de um programa de bolsas do governo americano após mais de uma década conectando skatistas e universidades.

Cadu é aluno da escola estadual Francisco de Paula Conceição Júnior, localizada no Jardim Mitsutani, bairro do Campo Limpo, distrito da zona sul de São Paulo, e estava desanimado com as consequências que a pandemia trouxe ao ensino público. Por isso, embora sempre tenha cultivado planos de cursar uma universidade, não se viu motivado a prestar os vestibulares das principais instituições do país.

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“Diante do cenário pandêmico que passamos, houve uma queda significativa na qualidade de ensino das escolas públicas da minha região. Com isso, me senti desamparado para competir por vagas que geralmente são ocupadas por alunos do ensino particular”, disse o estudante, que também se dedica a um pequeno empreendimento de acessórios de skate, a reportagem

Para o skatista, ter ensino superior é algo complementar ao seu sonho de viver profissionalmente do esporte que ama, pois considera importante ter outra opção. Quando viu que poderia ingressar em uma faculdade por meio do Circuito Universitário, animou-se com a possibilidade e inscreveu-se no evento, que é gratuito.

O dia da disputa chegou e Cadu acertou um “varial flip to FS boardslide” para se tornar campeão da primeira edição do Best Trick Vestibulando. Além do troféu, recebeu da organização um vale bolsa estudantil da UniSantana, parceira do evento nesta e em outras edições. Ainda precisa prestar o vestibular da instituição para validar a bolsa, mas já pensa sobre qual curso escolher.

“A educação superior não era algo de fácil acesso diante das minhas condições e realidade, e foi de muita importância para mim poder ganhar uma bolsa praticando o que eu amo, que é o skate”, disse. “Eu não poderia deixar de usar essa oportunidade que me foi dada. Estou avaliando estudar Psicologia, Gestão Financeira e Processos Gerenciais”, completou.

RETRIBUIÇÃO
A 2ª etapa deste ano foi a primeira que teve uma categoria dedicada a estudantes do Ensino Médio, mas o Circuito Universitário de Skate, homologado pela Confederação Brasileira de Skate (CBSk) e organizado pela Associação de Skate Universitário (ASU), é disputado há 13 anos e distribui bolsas desde 2010. O evento conta, ainda, com realização da Secretaria de Esportes e Lazer da Prefeitura de São Paulo.

Até então, eram oferecidas apenas bolsas para universitários completarem seus estudos ou para aqueles que buscam pós-graduação. Ao longo dos anos, o Circuito ajudou no ensino de mais de 50 pessoas, com bolsistas como Roger Mancha, técnico da seleção brasileira de skate street, e Marcos Hiroshi, árbitro da World Skate. Também já foram feitas outras parcerias. No ano passado, por exemplo, a premiação foi de R$ 6 mil em crédito estudantil distribuídos pela Caixa Econômica Federal.

“Essas pessoas retornam para o cenário de skate mais capacitadas”, explicou Marco Ferragina, vice-presidente da ASU. “A gente tem fotógrafos, jornalistas, administradores, engenheiros de pista de skate, arquitetos, profissionais de audiovisual, uma infinidade de profissionais que contribuem com o desenvolvimento do skate e que alçaram essa posição por meio do ensino superior fomentado pelo Circuito”.

EDUCAÇÃO GERA EDUCAÇÃO
Promover a educação teve impacto na própria formação de Ferragina. Em razão de seu trabalho na ASU, ele foi um dos 18 brasileiros selecionados para participar da edição deste ano do The Young Leaders of the Americas Initiative (YLAI), programa de bolsas do governo americano voltado à capacitação de empreendedores latino-americanos, caribenhos e canadenses que atuam em ações de impacto social. “O pessoal achou formidável, inovador. Consegui passar essa mensagem lá nos Estados Unidos”, contou.

Antes dos passos maiores e do reconhecimento internacional, o início da empreitada foi desafiador, pois havia certa resistência dentro das universidades. “Foi trabalho de formiguinha, conversando com atléticas, com reitores. A gente conseguiu imputar a visão que o skatista merece ser bolsista, porque ele também é um esportista. Outra coisa que ajudou foi sempre ter trabalhado como case de marketing. O skate acaba dando mais divulgação para a faculdade do que muitos esportes tidos como tradicionais”.

Com o tempo, o Circuito se adaptou ao meio e colocou o skate nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs). No atual formato, realiza etapas com disputas masculinas e femininas de street e park, as duas categorias que fazem parte do programa olímpico. Também há a divisão master, para competidores com mais de 35 anos.

No Bom Retiro, os campeões do street foram Joabe Moises Nascimento Silva (masculino), da Unicsul, Carina de Almeida (feminino), do Unicep, e Fábio Martins de Carvalho (master), da Metodista. No park, os vencedores foram: João Victor Pinhas (masculino), da São Camilo; Maria Eduarda Nocera (feminino), do FSA; e Marcelo de Pontes (master), da Uniítalo.

FUTURO
O Best Trick Vestibulando entrou apenas neste ano, após algum tempo de planejamento para ser viabilizado. Agora, o objetivo da ASU é expandir a ideia e atrair novas universidades. “É uma coisa que a gente vem tentando trabalhar há muito tempo e se tornou realidade. É muito gratificante”, comentou Ferragina “A ideia é que a gente fomente isso cada vez mais e consiga mais estudantes do Ensino Médio dispostos a participar”.

A combinação entre skate e ensino superior promove um intercâmbio potente, pois o esporte em si também tem muito a ensinar. O senso de comunidade e a cultura de rua bastante particular, que mistura esporte e arte, fazem do skate uma escola, à qual o campeão Cadu é muito grato. “O skate me abriu portas para muitos conhecimentos, entre eles o inglês, edição de vídeo, fotografia, empreendimento, sociologia e filosofia. Quando se fala de skate, precisamos falar sobre a resiliência que ele nos traz e sobre a abertura da mente para coisas novas”.

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