
Nos dois últimos anos, com a pandemia da covid-19, campanhas antivacina e o acirramento político, que mostrou como a emergência de saúde foi tratada nos três níveis de governo, trouxeram à tona medos e notícias falsas que afastaram uma parcela da população das vacinas. Esse afastamento pode ser um dos indicadores da volta de doenças antes erradicadas, como sarampo, poliomielite e meningite meningocócica. Infectologistas admitem que o baixo comparecimento aos postos de vacinação pode ser uma das explicações para o retorno destas doenças. A campanha de vacinação contra poliomielite, iniciada em agosto, tem adesão de apenas 60%, em média no ABC. A meta do Ministério da Saúde é vacinar 95% do público alvo.
Para o médico e professor de infectologia do Centro Universitário da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Juvencio José Duailibe Furtado, a poliomielite e o sarampo estão presentes e um dos fatores é a falta de imunização da população. “Nessas doenças sim, o movimento antivacina pode ter tido alguma influência. E esse movimento nem é tão forte no Brasil como é na Europa. A poliomielite parece que quer voltar e por isso são importantes as campanhas para não termos uma surpresa lá na frente”, diz.
Sobre a meningite meningocócica, novamente o professor da FMABC aponta que a falta de vacinação pode vir a causar surtos da doença, como já ocorre em bairros da Capital. Para Furtado a pandemia colaborou para afastar até quem estava habituado a ter a carteira de vacinação atualizada. “Na pandemia muitas mães não levaram os filhos no posto com medo da doença, de pegar alguma coisa, mas também questões políticas podem ter alguma influência. Quem não tomou a vacina da covid-19 não tomou outra também”, acredita.
A infectologista Elaine Matsuda também concorda que movimentos políticos e governos que não reconhecem a proteção das vacinas podem influenciar parte da população a não se vacinar, o que traria novamente o risco de surtos de doenças já erradicadas. “São doenças graves que não precisavam estar de volta como consequência de uma onda global antivacina”, comenta. A médica culpa o governo federal e o presidente candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) por influenciar a população. Elaine também avalia que os governos já deveriam estar alarmados com a situação atual. “Num mínimo racional já era para estarem todos preocupados, mas com um governante que considerou a pandemia uma gripezinha, que disse: morreu quem tinha de morrer, não sou coveiro ou vai pedir vacina para a sua mãe, e ainda não admite a responsabilidade por 700 mil mortos (vítimas da covid-19), acredito que não vai se preocupar com mortes por sarampo ou com os aleijados pela poliomielite”, critica.
A médica faz um apelo para que a população atualize a carteira de vacinação. Diz que a saúde pública nunca esteve tão ameaçada. “A vacina é um grande exemplo de ação pelo coletivo, pois eu me protejo para proteger você”, destaca. Juvencio Furtado também reforça o pedido. “Levem seus filhos para atualizar as vacinas, não apenas as crianças, mas os adultos e os idosos têm também suas vacinas específicas. As vacinas são seguras, alguns efeitos adversos podem ocorrer, mas são muito raros, que em geral são dor no local da aplicação e febre”, completa.
Vacinação contra a poliomielite tem adesão média de 60% na região
Os números da vacinação contra a poliomielite no ABC, mesmo com campanhas nacional veiculada na tv, ainda não decolaram. A média, passados dois meses da campanha de vacinação contra a doença, não passa de 60%. A campanha de multivacinação segue até 31 de outubro.
Os melhores números da região estão em São Caetano. De acordo com os números apresentados pela Prefeitura do público-alvo de vacinação contra a poliomielite (crianças de 1 a 4 anos), são 4.227 crianças imunizadas, um percentual de 72% do total. Quanto à vacinação contra a meningite meningocócica C, cujo público tem de 0 a 12 anos de idade, o percentual sobre para 78,89%. A prefeitura diz que faz busca ativa pelas Unidas Básicas de Saúde e campanhas permanentes nas redes sociais e em seus canais de comunicação.
Depois de São Caetano vem um grupo de cidades onde a vacina contra a poliomielite está mais perto de 60%. Em Mauá, a imunização está em 61,6%, enquanto a adesão à vacina contra meningite está em 82,7%. Em Santo André, a imunização contra a poliomielite está em 61% e contra a meningite em 65%. Rio Grande da Serra informa que a vacinação está em 59,4% contra a poliomielite, mas não relata a situação da meningite.
Um terceiro grupo de cidades tem os níveis mais baixos de vacinação, pouco mais da metade do público-alvo da poliomielite foi alcançado. Diadema tem apenas 55% de cobertura vacinal contra a pólio e 56% contra a meningite; enquanto São Bernardo possui 50,7% e 77%, respectivamente. Ribeirão Pires não passou informações.
Diadema informa que, além de fazer busca ativa, realiza vacinação extramuros, vacinação em escolas e Dia D com abertura das unidades em alguns finais de semana, além de sensibilização sobre a importância da vacinação nos eventos e nas mídias sociais da Prefeitura. Outro ponto que tem trabalhado é discutir nas reuniões do Conselho Municipal de Saúde o risco da reintrodução das doenças para que, junto com a participação da população, a gestão consiga levar a sensibilização para espaços, como igrejas, escolas e associações de moradores ou de bairros.
São Bernardo também fez menção à busca ativa e diz que faz visitas em domicílio para conscientizar sobre a importância da vacinação. “Para o aumento da cobertura vacinal, a rede de Atenção Básica faz busca ativa, por meio das visitas casa a casa dos agentes comunitários de saúde para atualização carteira de vacinação. Além disso, utiliza os canais oficiais de divulgação de todas as campanhas do Plano Nacional de Imunização, inclusive das duas doenças citadas, adesão aos dias D de vacinação, acompanhamento mensal dos Sistemas de Imunização para correção dos erros de registro e integração entre os sistemas”, informa a Prefeitura.