Na semana que se comemora o Dia do Professor (15 de outubro), os casos de afastamentos por motivos de saúde, entre os principais motivos a depressão, têm aumentado, segundo avaliação da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo). Em um intervalo de apenas cinco dias o ABC teve dois casos de professores que cometeram suicídio. Os dois trabalhavam em escolas estaduais em Diadema.
No dia 29 de setembro, o professor G.L. cometeu suicídio em sua residência. Cinco dias depois D.F. fez o mesmo. O primeiro trabalhava na Escola Estadual Vila Socialista, no bairro Serraria, e o segundo no colégio Anecondes Alves Ferreira, no Jardim Casa Grande. Ambas escolas ficam em áreas de periferia e de maior vulnerabilidade social.
Pesquisa realizada pela Apeoesp em 2010 já demonstrava que as doenças que afetam a parte psicológica estavam entre as maiores causas de afastamento do trabalho. A pesquisa foi feita com 936 professores de diferentes regiões do Estado. Quando questionados sobre afastamento do trabalho por motivo de saúde, 27% informaram que se afastaram no último ano.
As principais doenças diagnosticadas são rinite / alergia (33%), hipertensão arterial (30%), tendinite, bursite ou dor muscular no último ano (29%), transtorno de ansiedade ou pânico no último ano (23%), laringite / rouquidão (21%), depressão no último ano (18%), artrose (14%), diabetes (10%), asma / bronquite / enfisema / Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) (7%) e Acidente Vascular Encefálico (AVE) (2%).
Falta de estrutura
Para o presidente em exercício da Apeoesp, Roberto Guido, a situação piorou muito desde a realização desta pesquisa. Diz que é o resultado de uma estrutura que deprime. “Escolas sem funcionários, sem equipamentos, com salas de aulas superlotadas e em que o professor é muito cobrado por resultados. Hoje as doenças psíquico emocionais já superam outras que eram comuns como LER (Lesões por Esforços Repetitivos), bursite e problemas com a voz. Hoje temos mais casos de depressão, ansiedade e síndrome de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional)”, explica.
Segundo Guido, além dos dois casos de professores que atentaram contra a própria vida, houve outro, ocorrido em uma região vizinha à Diadema, no bairro do Jardim Míriam, já nos limites da Capital, em que uma professora abandonou seu carro na rua e desapareceu. Ela foi encontrada no dia seguinte confusa e falando sobre a escola. “Isso nos deixa claro que o gatilho para o surto foi algo que ocorreu no ambiente de trabalho”, afirma.
Apesar dos dois casos de suicídio terem ocorrido na área da mesma Diretoria de Ensino, o presidente em exercício da Apeoesp, considera que isso não é algo que acontece mais em um lugar ou em outro. “É uma situação sistêmica da rede, do stress que vive a categoria. Acredito que foi uma coincidência terem ocorrido dois casos perto um do outro, mas os dois professores trabalhavam em locais de grande vulnerabilidade social”, comenta
Para Roberto Guido, os problemas ocorrem por falta de condições adequadas de trabalho. “Pelo não cumprimento da jornada do piso em que um terço da carga horária deve ser para preparo das aulas e do cuidado com a sua formação, mas ao contrário o professor tem de dar aula em duas ou três escolas. Outro fator são as salas superlotadas, faltam funcionários de apoio, como orientadores e inspetores e tem escola em que falta até pessoal para limpeza, além disso, não tem um programa de saúde mental, mas se cobra resultados dos professores, aí a parte mais visível deste problema é quando alguém se mata”, completa.
A Secretaria de Educação do Estado não se manifestou especificamente sobre os casos de suicídio. Em nota, diz apenas que mantém programa de atendimento psicológico. “A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por meio do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva SP), promove ações voltadas à saúde mental nas escolas, com toda a comunidade escolar, sobretudo, docentes e estudantes. Dentro do Programa também há o Psicólogos na Educação, disponível para professores e alunos”, informa a Pasta em nota.
Pandemia agravou mais a situação
Para a professora do curso de psicologia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Fabiana Cristina de Souza, há uma sobrecarga de trabalho do professor, que se agravou durante a pandemia da covid-19. “Eu percebo que nesse momento o que acontece é consequência da falta de apoio durante e pós-pandemia. O professor precisou lidar com muita coisa durante o período de isolamento social: adaptação para o mundo online, sobrecarga de trabalho, acompanhamento dos alunos à distância, seus medos e aflições pessoais com relação a si mesmo e seus familiares e, ainda, todo o contexto social, econômico e sanitário extremamente incerto. Penso que essa consequência tenha potencializado um cenário que já não era favorável, visto a condição de vulnerabilidade que o professor já se encontrava: falta de reconhecimento social, baixos salários, jornada duplas de trabalho, exposição à violência, atividades burocratizadas etc”, diz a professora ao comentar que a mulher sofreu ainda mais com a jornada dobrada ao cuidar também dos filhos.
“Podemos dizer que uma situação que, já não era simples, se tornou mais complexa, uma panela prestes a explodir”, aponta a professora da USCS. Afirma que pode acompanhar ações importantes de acolhimento aos professores e aos alunos. Inclusive muitas ações desenvolvidas nos estágios dos alunos do curso de Psicologia. “Também vi muitos colegas psicólogos desenvolverem atendimentos acessíveis e direcionados aos professores. O ponto é que tal apoio acabando tendo um caráter mais pontual e pode variar de região para região. Não tem a perspectiva de um programa permanente, de longo prazo ou de política pública”, afirma.
Sobre os casos de suicídio, a professora diz que é necessária uma avaliação. “Ainda que estatisticamente sejam dados como casos ‘isolados’, qualitativamente, mostra uma situação delicada e que merece muita atenção e cuidado. Penso que (o Estado) falha quando não considera o professor como um ser humano que merece atenção e cuidado. O trabalho em educação passa por relações sociais, dessa forma, não há como automatizar o trabalho do professor. Também vejo que uma falha significativa do Estado é de não incluir o professor nas tomadas de decisão. O professor está na linha de frente, porém na grande parte das vezes, não é convidado a participar das decisões. É apenas é informado dos desdobramentos, mas não é ouvido para tomada de decisão e isso acaba por contribuir com a desmotivação e o adoecimento”, continua.
Sintomas
A professora Fabiana Cristina de Souza elenca alguns sintomas que devem ser observados, que indicam que o professor precisa de ajuda. “Tristeza profunda, perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, oscilações entre sentimento de culpa e baixa auto-estima, distúrbios do sono ou do apetite, sensação de cansaço extremo e falta de concentração, sensação de aperto no peito, crises de choro, são alguns dos sintomas que podem indicar um quadro de sofrimento psíquico. Esse sofrimento pode ser classificado como depressão, ansiedade ou ainda Burnout”, completa.