ABC - segunda-feira , 29 de abril de 2024

‘Encontros’, ou a banalidade como crítica do cotidiano

Encontros, de Hong Sang-soo, é um filme de duração breve (pouco mais de uma hora) e título lacônico. Faz jus à fama de discrição desse cineasta coreano, muitas vezes comparado a um dos mestres da nouvelle vague francesa, Éric Rohmer. De fato, um como outro fazem um cinema baseado na conversação. Ambos buscam uma simplicidade superior que, como se sabe, é uma qualidade bastante complicada de alcançar.

Também à maneira de Rohmer, Encontros foi dividido em capítulos, números que aparecem de forma discreta na tela, separando as partes e articulando-as em seu conjunto. Na primeira, o jovem Young-ho (Shin Seok-ho) pede à namorada Ju-won (Park Mi-so) que o espere enquanto visita seu pai, um médico, mas este está ocupado com um cliente, um ator famoso. Na segunda, Ju-won encontra-se em Berlim, onde vai estudar moda, quando é surpreendida pela chegada do namorado. Na terceira, Ju-won, de volta à Coreia, vai à procura da mãe e a encontra em companhia do ator do primeiro segmento.

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São histórias entrelaçadas de maneira orgânica e muito natural, num texto bem construído, que valeu ao filme, em Berlim, o Urso de Prata de melhor roteiro.

Não se trata apenas de roteiro, mas da maneira como tudo é colocado em cena. Filmando em preto e branco, Hong Sang-soo parece buscar o despojamento completo, tanto no desenho visual quanto nas interpretações do elenco. É como se, despido de qualquer artifício, o espectador pudesse testemunhar essas fatias de vida se desenvolvendo “in natura”, sem qualquer intervenção artística. Claro, esse é o efeito de um artifício superior, operante, mas que não se deixa ver enquanto tal.

A invisibilidade da construção cinematográfica aguça a nossa atenção para a aparente banalidade do enredo. Este revela apenas nas entrelinhas uma sutileza crítica do cotidiano e dos impasses amorosos e de relacionamento. É um cinema que desafia a épica e não transmite qualquer pedagogia explícita sobre o modo moderno de se relacionar e estar em sociedade. No entanto, quem souber ver e ouvir vai sentir aqui e ali as pequenas epifanias desses encontros e desencontros, sem nada que, em aparência, os torne notáveis.

São esses pontos de brilho, raros porém decisivos na produção, que podem iluminar por instantes o mistério escondido atrás da enganosa banalidade da vida cotidiana. Encontros é um filme de revelações sutis.

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