ABC - quinta-feira , 2 de maio de 2024

Endometriose impacta vida da mulher e atinge 7 milhões de brasileiras

Cerca de 10% das mulheres brasileiras que menstruam sofrem com endometriose (Foto: Divulgação)

Segundo estimativa do Ministério da Saúde, uma a cada 10 mulheres sofrem com os sintomas da endometriose, no Brasil. Somente no SUS (Sistema Único de Saúde), foram registrados em 2021 mais de 26,4 mil atendimentos e 8 mil internações pela doença. A endometriose atinge entre sete e oito milhões de brasileiras e cerca de 200 milhões de mulheres em todo mundo, e impacta diretamente a qualidade de vida das pacientes, como afirma o ginecologista e obstetra Marcos Tcherniakovsky, chefe do setor de vídeo-endoscopia ginecológica e endometriose do Centro Universitário FMABC (Faculdade de Medicina do ABC).

A doença pode acometer mulheres de diversas faixas etárias, da primeira menstruação até a menopausa. Segundo Tcherniakovsky, a endometriose tem um impacto importantíssimo na vida das vítimas em termos de custos e ausências, como no trabalho. “A porcentagem de mulheres com a doença que sofrem de cólicas intestinais intensas é de 62%, dor pélvica crônica (que ultrapassa seis meses) chega a 57%, outras 55% sentem dor ao ter relação sexual, queixas intestinais são 50%, infertilidade é de 30% a 50%”, aponta.

Newsletter RD

A endometriose afeta a vida social, trabalho e vida escolar, bem como a vida familiar e os relacionamentos afetivos. “Há a repercussão do ponto de vista marital, já que há pacientes que reclamam de desconforto e dores durante a relação sexual. Quando se fala em qualidade de vida, a doença tem uma repercussão muito grande”, afirma o ginecologista.

O acompanhamento ginecológico deve ser rotina na vida de todas as mulheres. O diagnóstico de endometriose pode ser confirmado por exames laboratoriais e de imagem. O tratamento é indicado pelo ginecologista e varia de acordo com cada paciente. Pode ser cirúrgico, com retirada de lesões; ou medicamentoso, com uso de hormônios para cessar a menstruação e controle dos sintomas.

O que é a doença?

É uma doença inflamatória provocada quando células do endométrio (tecido que reveste o útero), não são expelidas durante a menstruação e seguem para trompas, ovários ou cavidade abdominal. De acordo com Tcherniakovsky, cada paciente apresenta um quadro, um sintoma da doença, mas há um grupo de mulheres que podem ser assintomáticas, ou seja não apresentam sintomas, mas as lesões são encontradas em exames. “Estamos falando de uma doença que acomete cerca de 10% das mulheres que menstruam. É muita coisa”, afirma.

A designer Paula Casarini, 35 anos, moradora de Santo André, foi um caso assintomático. Descobriu a doença aos 25 anos, com uma gravidez ectópica, quando o óvulo fertilizado se acomoda em algum lugar fora do útero que, no caso de Paula, ocorreu na trompa. “Descobri na remoção da gravidez, na cirurgia. Eu não tinha cólicas menstruais fortes. Mas a doença já tinha afetado as minhas trompas”, conta. “Achei o tratamento muito pesado. Aguentei um dos remédios por quatro meses, porque ele me deixou com depressão, esse era um dos efeitos colaterais do medicamento. Pedi para tentar tratamentos alternativos”, relata.

Por cerca de um ano e meio, Paula fez uso de anticoncepcional para interromper o ciclo menstrual, tratamento indicado pelo ginecologista. “Depois de um tempo, mesmo com o uso contínuo comecei a ter escape. Decidi dar uma pausa no tratamento e foi nesse período que engravidei. Depois do nascimento do George, hoje com cinco anos, não tive mais dores até então”, afirma e relata que há cerca de dois meses voltou a sentir cólicas menstruais. “Estou com pedidos de exames para ver como está, se a doença voltou”, diz.

Sintomas fortes atrapalham o cotidiano

No caso de Cristiane de Cassia Russo Ferrao, de 48 anos, também de Santo André, a doença se manifestou de forma mais intensa. Desde a primeira menstruação já sofria com cólicas, mas aos 27 anos, Cristiane sentiu sintomas diferentes. “Comecei a ter uma dor que não era somente uterina. Sentia dor nas pernas, na lombar e a minha pele do rosto tinha como se fossem espinhas, que coçavam bastante. Nenhum exame mostrava que poderia ser endometriose, descobri somente aos 34 anos”, conta.

Foram sete anos em convívio com as dores, a descoberta veio somente quando foi realizada uma laparoscopia. “Na minha época não era comum. A gente ouvia falar em ovário policístico, mas endometriose não, ouço sobre a doença de uns 10 anos pra cá”, afirma. Cristiane elenca diversas situações em que os sintomas da doença atrapalharam o cotidiano. “Tive muitas vezes que sair do trabalho, porque tinha ânsia de vômito por conta da dor. Faltei em diversos compromissos. O fluxo menstrual era abundante, me causava anemia. Eu tinha inchaço na barriga e dores durante e após o período, eram pelo menos 10 dias. Eu tinha muito desconforto intestinal”, lembra.

Entre os sintomas, também sentia dores durante a relação sexual. “Foram muitas situações difíceis e embaraçosas. Eu tentei diversos tratamentos, inclusive anticoncepcionais, mas me fazia muito mal, ficava com uma TPM constante. A cirurgia foi a melhor opção, minha vida melhorou em 70%. Foi a melhor coisa que fiz. A endometriose surra a gente, você sente muita dor, tem olheiras, aparência de cansaço, falta de apetite. É horrível”, relata e afirma que agora está no climatério e os sintomas diminuíram ainda mais.

Segundo Tcherniakovsky, a média de tempo entre os primeiros sintomas e o diagnóstico gira fica em torno de 7 e 8 anos, em todo o mundo. “Isso se deve à várias situações. Ainda é uma doença subestimada e muitas pessoas não compreendem os sintomas, assim como muitos médicos não estudam a doença. Ainda é uma situação estigmatizada, muitas mulheres não gostam de falar sobre esse tipo de desconforto relacionado à menstruação”, afirma o ginecologista.

Superação

Após complicações da endometriose, há nove anos Raquel adotou Ester e realizou o sonho de mãe (Foto Reprodução)

Raquel Gradela Casarini, de 47 anos, moradora de Santo André, relata a saga para descobrir e tratar a endometriose. “Descobri aos 27 anos, em 2002, e era um mistério na época. Não havia uma resposta efetiva.Fiz tratamento por seis meses até 2003, nesse ano descobri que era uma endometriose agressiva. Tive dificuldade para engravidar e fiz tratamento, o que piorou minha situação. Entre 2005 e 2006, retomei o tratamento por 9 meses”, conta.

Aos 25 anos, Raquel decidiu colocar o dispositivo DIU, um tipo de anticoncepcional, mas ainda sentia dores e tinha escapes menstruais. “Na época a médica indicou que poderia ser endometriose, fui investigar, e já fui avisada que poderia ficar infértil”, conta. Mesmo com bloqueio hormonal, a doença seguia severa. Quando decidiu engravidar, durante o tratamento hormonal, Raquel sentia muitas dores, que pioravam a cada mês. Os sintomas evoluíram para incômodos intestinais, o que fez com que buscasse diversos especialistas.

Por sete anos, Raquel desistiu do tratamento. “Quando retomei, complicou muito. Tive que fazer cirurgia, retirei a trompa e o ovário do lado esquerdo. Também retirei 31 cm do meu intestino. Acabei entrando na menopausa muito cedo e ainda tenho hipotireoidismo, acredito que por conta dos tratamentos hormonais”, afirma.

A doença a impediu de conseguir engravidar, mas não impediu que Raquel se tornasse mãe. Há nove anos, adotou a pequena Ester Casarini Bueno, quando a menina tinha sete meses e meio. “Foi via fórum. Amadureci a questão da adoção e adotei a minha filha. Foi assim que me tornei mãe. Eu acredito que o amor se constrói de várias maneiras. Criamos família com amigos, amores com parceiros e eu entendo que o amor com os filhos se constrói a cada dia. A Ester é minha filha, nasceu para mim”, celebra Raquel.

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes