As ruas, avenidas e rodovias não estão aptas para receber o crescente público ciclista que divide espaço com carros e caminhões. O número de acidentes na região metropolitana de São Paulo aumentou, no ABC, no entanto, esse número caiu em 2021, mas não é por isso que a preocupação é menor. 2022 já começou com tragédia; no dia 6/02 Victor Hugo Ribeiro, de 23 anos, morreu na rodovia Índio Tibiriçá, ao ser atingido por um veículo que estaria, segundo testemunhas, acima da velocidade. O ocorrido trouxe grande comoção e um ato no domingo (13/02) homenageou o jovem que cursava engenharia de produção, trabalhava como estagiário na Pirelli e pretendia se casar.
Segundo o Infosiga, sistema de análise de dados estatísticos sobre o trânsito no Estado, foram 63 mortes de ciclistas no ABC desde 2015 quando foi iniciado o estudo. Os picos foram registrados em 2016, com 13 casos, e em 2020, com 12 ciclistas mortos. Em 2021 o número teve queda, foram quatro casos, igual ao registrado em 2018, os menores números da série histórica.
A queda, no entanto, não é alento para as famílias que perderam parentes. O ato realizado no Paço de São Bernardo no domingo (13/02) seria seguido de uma pedalada até o local do acidente, porém uma ação movida pela Ecovias, com base na segurança do trânsito, impediu que manifestantes usassem a rodovia. O juiz Carlo Mazza Brito Melfi, da Quinta Vara Cível de São Bernardo, concedeu liminar à concessionária e determinou multa de R$ 200 mil em caso de descumprimento. A decisão não impediu, porém, que o ato ocorresse na esplanada do paço reunindo centenas de ciclistas e soltura de balões brancos. Uma bicicleta na cor branca, com o nome de Victor e datas de nascimento e falecimento estava no manifesto e foi instalada no local do acidente.
Um homem de 29 anos, que estaria ao volante do veículo que se envolveu no acidente, foi preso. Um segundo ciclista também ficou ferido, mas já se recupera. Segundo a noiva de Victor, Vitória Fernandes, o acusado foi solto após pagar fiança de R$ 5 mil para responder em liberdade. “Dele cobraram R$ 5 mil e de nós queriam cobrar R$ 200 mil”, criticou a jovem.
Para o professor de Arquitetura e Urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Enio Moro Júnior, a popularização do uso da bicicleta como meio de transporte e não apenas de lazer, não segue o mesmo ritmo dos investimentos que são feitos no sistema viário das cidades. “Se percebe nos últimos cinco anos uma sensibilização maior para o transporte sustentável e a bicicleta se encaixa bem nisso, mas investir nesse modal vai muito além de apenas pintar uma faixa azul ou vermelha no chão e o investimento que precisa ser feito é muito barato. O ideal seria a criação de mais ciclovias, que são segregadas do trânsito e, onde não for possível, completar com ciclofaixas, nunca as ciclorotas, que são apenas indicativos de que ali podem ter bicicletas em determinado horário do dia”, sugere.
Para o professor, a bicicleta tem que ser encarada como um meio de transporte como os demais e por isso as vias específicas para elas não podem ser pensadas isoladamente, elas têm que se integrar a outros modais de transporte e até entre as cidades. “As prefeituras pensam na bicicleta só para o lazer, que é bacana, mas ela tem que ser vista como um modal fundamental de transporte também. Hoje só se pensa na lógica do carro, as ciclovias não se conectam e fica o convite ao risco. É uma covardia pensar nessa luta tão desigual entre um carro com uma tonelada e meia e uma bicicleta de 10 quilos. É triste a gente tem que esperar mais uma pessoa falecer para mudar esse modelo”, critica o especialista da USCS.
Apesar dos apontamentos, Enio Moro Júnior acredita que cidades já começaram um trabalho, mas há muito que crescer. A região tem dois exemplos de ciclovias, que são as das avenidas Kennedy, em São Caetano, e Pery Ronchetti, em São Bernardo, as demais são ciclofaixas e ciclorotas. “Já está bem melhor do que há 10 anos, mas ainda tem muito a ser feito, por exemplo interligando locais de interesse como escolas, áreas de lazer e regiões com maior concentração de trabalho”, comenta o professor que avalia ser possível uma rede interconectada de ciclovias no ABC que poderia chegar entre 70km e 100 km de extensão.
Em referência caso do ciclista que morreu na rodovia Índio Tibiriçá, Moro Júnior disse que a Alemanha acaba de inaugurar uma ciclovia de cerca de 100 quilômetros feita ao lado de uma rodovia. “No ABC as rodovias Anchieta, Imigrantes e Rodoanel são como avenidas regionais que os motoristas usam para evitar o trânsito de dentro das cidades então acho que é o papel das concessionárias de rodovias pensar em alternativas para a bicicleta também”, conclui.