O temporal que atingiu o ABC nesta terça-feira (28/12) causou estragos em todas as cidades da região, com paralisação na circulação de trens da Linha 10 – Turquesa da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que liga a região à Capital, além de oito desmoronamentos (Santo André e Mauá) e alagamento dos terminais de ônibus nas regiões centrais e de diversas vias. Os estragos estão diretamente ligados à urbanização e ao planejamento das cidades, bem como a intervenção do homem na natureza. Esses foram alguns dos apontamentos feitos pela arquiteta e urbanista, Luciana Travassos, professora de Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC, em entrevista ao RDtv, nesta quarta-feira (29/12).
Um dos pontos defendidos pela arquiteta é o desenvolvimento de políticas públicas integradas de habitação, drenagem, áreas verdes e políticas municipais de mudanças climáticas, junto ao planejamento da requalificação desses espaços. O desenho urbano pode colaborar para a diminuição desse problema com estruturas de drenagem e infraestrutura verde. “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as inundações vão acontecer em determinados períodos e locais, dessa maneira é necessário pensar a longo prazo na reconfiguração desses pontos de alagamentos”, afirma Luciana.
Para a arquiteta, o alto investimento feito na construção dos famosos piscinões, locais que aumentam a capacidade de armazenamento de água em um local específico, possuem eficiência limitada por concentrarem a solução (e a água) em uma região específica. “Desde meados de 1850, é realizado processo de intervenção de rios, por conta da urbanização, para solucionar o problema dos esgotos e depois de drenagem. As intervenções seguem na atualidade, como é o caso do córrego da Cassaquera, em Santo André”, explica a arquiteta. A canalização do córrego Cassaquera, localizado entre a Avenida Giovanni Battista Pirelli e a Rua Fernando Costa, no Parque Gerassi, possui 1,7 km de extensão.
Há outras ações que podem ser aplicadas para minimizar os impactos das chuvas nas cidades. Travasso cita alternativas mais baratas como espaços de reservatórios menores e distribuídos ao longo das bacias e nos espaços urbanos, sem prejudicar a paisagem, bem como outras opções de pavimentação, arborização e ações de tratamento e realocação dos fundos de vale.
A sociedade civil também tem papel importante para a diminuição das enchentes, com ações como sistemas de captação de água nas residências e não colocar o lixo na rua fora dos horários de coleta. “Uma opção é colocar reservatórios para captar a água de calhas verticais, por exemplo. Quanto ao lixo disposto fora do horário de coleta, ele pode entupir as microdrenagens e aumentar as chances de um alagamento na via”, completa a professora.
Apesar das fortes chuvas, represas operam com 30% da capacidade
Mesmo com as fortes chuvas que assolaram as cidades do ABC nesta terça-feira (28/12), os reservatórios Rio Grande, Guarapiranga e Cantareira ainda estão com volume de armazenamento baixos, cerca de 30% da capacidade total. Para ser considerado normal, o volume de um reservatório tem de estar com pelo menos 60% de sua capacidade.
Nesta terça-feira (28/12), o ABC registrou cerca de 109 mm de precipitação, muito acima dos registros nos reservatórios, na mesma data – o braço do Rio Grande recebeu precipitação de 15 mm, a Cantareira registrou 7 mm e não houve chuvas na represa Guarapiranga. “Um dos fatores para que as chuvas não cheguem aos reservatórios está ligado ao processo de urbanização, em que as áreas urbanas formam ilhas de calor, que fazem com as nuvens de chuva precipitem fora dos locais de mananciais”, explica a arquiteta.