“É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Esse é o artigo 1º da Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea. Assim, todos os negros no país estavam livres, mas isso não significou uma real inclusão econômica e social deste grupo que forma a maior parte da população. Tal fato é apontado pelo coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação e Conjuntura da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição, como um dos problemas dos pretos e pardos no mercado de trabalho. 133 anos depois, as consequências desse triste histórico ainda são sentidos. E para que tal fato mude, o especialista aponta três desafios: o incentivo a escolarização; a inclusão digital; e o combate ao racismo.
Jefferson aponta que por quatro séculos o Brasil teve um negro como uma “mercadoria” e não como um trabalhador, fato que ficou mais evidente com a falta de inclusão dos ex-escravos na sociedade e na economia após o fim da escravidão.
“O problema inicial com a abolição, no final do século XIX, é que não se constituiu nenhuma política de Estado, de apoio aos ex-escravos entrarem como homens livres no mercado de trabalho. Você não teve redistribuição de terras, você não teve estabelecimento de incentivos, você não teve cotas, você não teve nada. Esses escravos passaram a ser homens livres, mas em uma condição do racismo, em primeiro lugar, evidentemente. Você tem ex-proprietários de escravos ou famílias desses proprietários que sempre viram os negros como ex-escravos e não como homens livres. O racismo é um problema permanente, principalmente no final do século XIX”, explicou ao RD.
Em artigo escrito em conjunto com Vânia Viana, graduada em Ciências do Trabalho pela Escola Dieese e assessora da CUT (Central Única dos Trabalhadores) entre 2007 e 2018, denominado “Trabalho e raça: os desafios históricos contemporâneos da inclusão e igualdade”, publicado no site Teoria em Debate, apontam que ações de incentivo para os negros só passaram a ser feitas no século XX, mais de 100 anos após o fim da escravidão.
Primeiro no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com a criação de grupos de trabalho para valorização da população negra e o Programa Nacional de Direitos Humanos, e na sequência nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) com a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, o Prouni (Programa Universidade para Todos) e as cotas raciais nas universidades públicas, entre outras ações que envolveram as áreas da saúde e de políticas sociais.
Para os especialistas, a extinção e redução de programas geraram um problema para os negros. “Não é uma questão de política partidária ou ideológica, é uma questão de falta de políticas para acabar com essas desigualdades, basta ver o que ocorre na Fundação Palmares”, alerta Jefferson.
Entre os problemas apontados está a falta de escolaridade e de inclusão da comunidade negra no mercado tecnológico. Segundo dados da pesquisa feita pela Pretalab com consultoria da Thoughtworks, em 2019, o percentual de pessoas negras, pretas e pardas em equipes de tecnologia estava era de 36,9%. Em empresas desta área, apenas 4,2% contavam com equipes com pelo menos 50% de afrodescendentes.
Contextualização
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Continua, em relação ao 2º trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado, a ocupação de vagas entre pardos cresceu de 45,1% para 47,7%, e entre pretos subiu de 47,9% para 51,5%. Entre os brancos os dados ficaram estáveis saindo de 50,8% e passando para 50,9%.
Jefferson alerta que tal número acontece, pois um dos primeiros setores que abriram vagas na retomada da economia é o setor de Serviços e que boa parte dos empregos gerados não contam com um grande valor salarial, ou seja, apesar da alta, tal cenário não apresenta mudanças nos valores ganhos.
O PNAD Continua de 2018 apontou que o rendimento médio real das pessoas brancas mensalmente era de R$ 2.796, enquanto dos pretos e pardos era de R$ 1.608. A pesquisa apontou também que apenas 29,9% dos cargos de gerenciamento eram ocupados por pretos e pardos, e entre os brancos era de 68,6%. Em relação a subutilização da mão de obra, a comunidade negra era responsável por 29% enquanto os brancos representavam 18,8%.