A tendência de municípios assumirem a educação tem crescido e no ABC ganhou maior impulso após Santo André anunciar, em junho, que vai municipalizar todas as escolas públicas de ensino fundamental I e II. A dúvida é se o modelo vai melhorar a qualidade do ensino. A professora Elisabete Ferreira Campos, docente do Programa de Mestrado-Doutorado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, avalia que sim, municipalização pode ser um avanço para a educação no País, mas precisa estar focada nas questões regionais e culturais de cada município e não pode sofrer descontinuidade a cada mudança de prefeito.
Para Elisabete, a municipalização do ensino fundamental pode trazer ganhos para a estrutura das escolas. Explica que a municipalização permite maior autonomia para os gestores elaborarem um diagnóstico da rede, ao dialogar com os envolvidos e estabelecer prioridades. O uso da verba pública, diz, pode atender melhor às necessidades das escolas que compõem a rede de ensino e, consequentemente, melhor atendimento à comunidade local.
A especialista em educação considera que, sob a gestão municipal, o ensino pode ter mais autonomia para projetos pedagógicos que considerem a realidade local. Afirma que é possível constituir uma equipe local que coordene os debates sobre o Projeto de Educação Municipal a partir da própria história da rede de ensino, suas peculiaridades e necessidades. É possível, ainda, dialogar com os profissionais e comunidade sobre as finalidades da educação, os princípios e concepções que permitam construir um projeto político-pedagógico, em cada unidade escolar, comprometido com a formação crítica-transformadora. “Não significa, porém, que essa seja uma tarefa simples, uma vez que implica em elaborar um planejamento participativo para levantamento de dados, estudos teóricos, fóruns de debates e acompanhamento desse contínuo processo de elaboração do projeto”, pondera a professora.
Municipalizar a educação e colocar todas as escolas num mesmo patamar, ao padronizar o atendimento, pode ser o primeiro erro do processo, aponta Elisabete Ferreira Campos. Há uma questão a ser considerada que é a desigualdade entre os municípios. A desigualdade no financiamento da educação é real e esse aspecto certamente prejudica muitas cidades. Por isso, diz, o envolvimento da sociedade no debate sobre o financiamento da educação continua importante. É preciso compreender o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento e Valorização da Educação Básica) como instrumento de redução de desigualdades e não atribuir a responsabilidade às equipes escolares e famílias. Destinar mais verbas para quem atingiu melhor resultado em avaliações padronizadas mantém as distorções. A questão da diversidade social e cultural é outro fator importante. “Padronizações em termos de currículos e avaliações desconsideram as especificidades de cada município. Municipalizar não pode significar homogeneizar”, alerta.
Santo André
De acordo com o planejamento, Santo André irá municipalizar o ensino fundamental I e II até 2024, a partir de 17 escolas estaduais já em 2022, exclusivas de anos iniciais, em processo que atingirá 8 mil alunos. Segundo a Prefeitura, a municipalização irá trazer vantagens, como oferta de vagas desde a pré-escola, nos bairros onde tiver demanda, melhor redistribuição dos alunos, permitindo que, gradativamente, tenha classes com modelo pedagógico mais adequado em número de alunos, oferta de todos os programas municipais de educação para a maioria da população de anos iniciais do ensino fundamental da cidade.
Ainda de acordo com a Prefeitura, funcionários e professores poderão optar por mudarem para a rede municipal ou não. Os prédios serão transferidos para o município, que fica com a manutenção corretiva e preventiva, reforma e limpeza. O orçamento é garantido pelo Fundeb.
São Caetano
No ABC, São Caetano foi pioneira com a municipalização das escolas do ensino fundamental, em 2007. Todo o fundamental I é sob gestão da Prefeitura e, das 20 escolas municipais, 12 também atendem ao fundamental II (há outras 10 escolas estaduais de fundamental II). Atualmente, a rede municipal de ensino conta com 63 escolas e mais de 20 mil alunos. “Graças à municipalização, a cidade ganhou autonomia para fazer reformas e revitalizar as escolas, com um trabalho pedagógico mais focado na realidade do município.
Em 2020, São Caetano lançou o Currículo Municipal de Educação, elaborado pelos próprios educadores e alinhado à Base Nacional Comum Curricular. É um documento que atende a educação do berçário ao 9° ano do ensino fundamental, que mais de 470 profissionais e está disponível no link https://sites.google.com/scseduca.com.br/curriculoscs.
São Bernardo
São Bernardo mantém o foco na educação básica e no ensino fundamental I (da primeira à quinta séries). Meados de setembro causou movimentação na comunidade escolar sobre o destino da Escola Estadual Pedra de Carvalho. Rumores davam conta que o município tomaria de volta o prédio cedido ao Estado e a escola seria fechada. A Prefeitura, porém, explicou que a unidade passará para o município e continuará com o fundamental I e em período integral. A Diretoria de Ensino de São Bernardo informou que a demanda para o fundamental II caiu e a escola estava subutilizada. Os alunos do 6° ao 9° ano serão atendidos em escolas que ficam nas proximidades e terão transporte fretado.
A Secretaria da Educação de São Bernardo informou, em nota, que a rede municipal permanece com alunos entre a educação infantil e o primeiro ciclo do ensino fundamental (1º ao 5º ano). A rede conta com 82 mil alunos e 217 unidades de ensino, sendo 179 EMEBs próprias e 38 creches parceiras.
Mauá não planeja municipalizar o ensino fundamental I e II. Possui 44 escolas municipais (e mais 4 conveniadas), sendo que em apenas uma delas conta com alunos com até 14 anos. Hoje, Mauá conta com mais de 18 mil alunos na rede municipal. Diadema e Ribeirão Pires informaram que não há projeto de municipalização de escolas. Rio Grande da Serra não respondeu.
Incentivo
Na opinião da professora da Metodista, a municipalização deve ser incentivada e pode ser uma solução para as carências do ensino público, porém as soluções devem ter continuidade, sem rompimento a cada gestão municipal. A municipalização pode ser incentivada, desde que contemple os elementos que mencionei, especialmente no que se refere ao financiamento da educação, condições adequadas de trabalho docente, prédios escolares bem construídos e equipados, além de respeitar as especificidades do município, seu território, sua história, sua cultura etc. “No entanto, a solução para as carências do ensino público passa pela formulação de outras políticas. Há muitas pesquisas evidenciando a fragilidade das licenciaturas, especialmente oferecidas por instituições privadas de qualidade duvidosa; é histórica a ausência dos docentes nos debates sobre políticas educacionais, bem como a descontinuidade das políticas quando há mudança do partido na administração. Se queremos oferecer educação com qualidade social para todos os brasileiros, é preciso promover amplo debate sobre políticas educacionais”, finaliza Elisabete Ferreira Campos.