O ouro emocionante de Hebert Conceição no boxe, de Isaquias Queiroz na canoagem, a prata de Rayssa Leal no skate, o bronze – mais um – de Mayra Aguiar no judô e todas as outras medalhas conquistadas pelos brasileiros na Olimpíada de Tóquio, além das que ainda estarão no peito dos atletas paralímpicos do País, serão tema de exposições 3D do Museu Virtual do Esporte em outubro.
Criado em 2020, o projeto do eMuseu aumentou o número de galerias e exposições em 3D neste ano. A galeria virtual da Confederação Brasileira de Atletismo (CbAt) se juntou às da CBB, CBTM, CBCa, COB, CPB, Esporte Militar, entre outras, e em outubro serão retratadas as histórias por trás das medalhas dos brasileiros na Olimpíada e na Paralimpíada de Tóquio. As mostras são imersivas e a tecnologia utilizada permite que o visitante seja livre para navegar por onde quiser.
“Todos os 21 medalhistas vão contar os bastidores, as emoções, dificuldades de treinar na pandemia. Vamos mostrar as medalhas em 3D e deixar a chama acesa”, conta ao Estadão a pesquisadora Bianca Gama Pena, idealizadora do eMuseu junto com o professor Lamartine da Costa. O projeto é colaborativo, tem mais de dez galerias permanentes, além das exposições, e nasceu com o objetivo de difundir o esporte como potencial e agente de transformação e inclusão social.
No início deste mês a plataforma inaugurou a que considera uma de suas principais iniciativas. Em parceria com a ONU e o Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin (CBPC), foi lançada a exposição Reflexões Olímpicas e Dignidade Humana, que usa os Jogos Olímpicos como cenário para tratar de temas sociais, humanos e esportivos a partir de quatro tópicos: liberdade de expressão, intersexualidade, atletas refugiados e os valores do esporte.
“Conseguimos trazer historiadores, entidades e profissionais do mundo inteiro que representam essas temáticas. E no virtual é muito mais fácil levar essa discussão para mais lugares”, diz Bianca. “O esporte imita a vida, assim como as crises sociais também ecoam no ambiente Olímpico, em atletas e seu entorno. A partir dessa ideia, podemos refletir o quanto o esporte demanda valores que norteiem, por assim dizer, aquela conduta desejável socialmente”, opina Nelson Todt, um dos curadores da mostra e professor da PUC do Rio Grande do Sul.
Mais de 20 temas são aprofundados por especialistas de nove países nessa exposição virtual multimídia por meio de fotos, áudios e vídeos. Ricardo Brandão, coordenador de pós-graduação em Ciência do Exercício e do Esporte da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) discute a liberdade de expressão em tempos de autoritarismo.
“Os governos têm a obrigação de proteger o direito à liberdade de expressão, incluindo o direito de buscar, receber e transmitir informações de todos os tipos independentemente de fronteiras. Esses valores ganham ainda mais importância em um mundo assolado pela pior crise sanitária da história e pela crescente onda de autoritarismo e negacionismo vivida em diversos países do mundo”, elucida o pesquisador, que alerta para a necessidade de flexibilizar punições a atletas que se manifestem nos Jogos Olímpicos.
O COI determinou que protestos estariam vetados durante as premiações da Olimpíada de Tóquio, mas flexibilizou em partes a Regra 50 da Carta Olímpica ao permitir as manifestações nas coletivas de imprensa e competições.
A americana Raven Saunders, mulher, negra e lésbica, foi uma das poucas a protestar em Tóquio. Quando subiu ao pódio para receber a medalha de prata do arremesso de peso, ela ergueu os braços e cruzou os punhos sobre a cabeça formando um “X” em apoio aos oprimidos que lutam contra a discriminação dentro e fora do esporte, como ela. O gesto esteve sob análise junto ao órgão internacional que comanda o Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos, mas o COI decidiu suspender as investigações.
“Há diante do COI e dos seguidores do olimpismo, doutrina com base fundamental na dignidade humana, o desafio de criar uma maior convivência possível entre princípios organizacionais da carta olímpica e os valores que lhe deram sustentação ao longo da existência do COI”, analisa Brandão.
Professor e pesquisador nas áreas de Sociologia, Antropologia, Esportes e Estudos de Gênero da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Wagner de Camargo reflete sobre a intersexualidade no esporte. Tóquio-2020 entrou para a história como a primeira Olimpíada em que houve a participação de atletas trans, casos da halterofilista neozelandesa Laurel Hubbard, e de Quinn, jogadora da seleção canadense feminina de futebol que eliminou o Brasil nas quartas e levou a prata no Japão. Ela foi a primeira atleta trans a ganhar uma medalha olímpica.
Por outro lado, a velocista sul-africana Caster Semenya, bicampeã olímpica dos 800 metros, foi afetada por regulamentos sobre diferenças no desenvolvimento sexual depois que a World Athletics, órgão que comanda o atletismo mundialmente, exigiu que mulheres com altos níveis de testosterona tomassem medicamentos para reduzir seus índices deste hormônio. Semenya compete em provas femininas, mas para a World Athletic, mulheres com atributos masculinos, como a sul-africana, tem uma “vantagem desleal” sobre as adversárias. Ela não correu em Tóquio.
“A história olímpica moderna não se preocupou em problematizar as questões de gênero em espaços esportivos institucionalizados. A suposta igualdade de chances das categorias masculina e feminina escamoteia um controle de corpos sobre quem pode e quem não pode, de fato, competir”, explica o professor. “As entidades esportivas não abriram mão de seu controle binário sobre os corpos de atletas”.
PLATAFORMA COLABORATIVA – A ideia do eMuseu é, segundo os seus responsáveis, registrar e divulgar a importância do esporte por meio de histórias inspiradoras, educação inclusiva, crescimento econômico, inovação e infraestrutura, consumo e produção responsáveis e parcerias e meios de implementação, estando alinhado aos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU.
A plataforma de preservação do patrimônio esportivo nacional é colaborativa e nasceu no ano passado, idealizado pelos professores Lamartine DaCosta e Bianca Gama, com apoio da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), que ofereceu a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Sociais e Cooperativas Sociais para abrigar o projeto.
A princípio, o museu seria físico, no Velódromo do Parque Olímpico da Barra, mas os diretores mudaram de ideia ao optar por “investir em inovação” e foram aos Estados Unidos e países da Europa a fim de conhecer o conceito de museus olímpicos e desenvolver uma plataforma colaborativa, “para que todas as modalidades tivessem voz”.
Bianca ressalta que há planos para que o museu tenha uma sede física, mas, por ora, o foco está em finalizar o projeto de carretas itinerantes que levarão exposições tecnológicas em cidades do Rio de Janeiro.
“Eu acredito que o museu tem de ir até as pessoas. Esse é nosso conceito. Mudamos nossa perspectiva porque queríamos conscientizar a população de que não somos mais um museu. Somos um museu que reúne as iniciativas de todas as entidades esportivas brasileiras”, salienta Bianca.
O futebol também tem espaço na plataforma, que homenageou os 80 anos de Pelé os 70 do Maracanã, esta que foi a mostra com o maior alcance do eMuseu até o momento. E também há um convênio com Chapecoense, Coritiba, Grêmio, Fortaleza e Vasco, clubes que vão ganhar destaques na plataforma. “Ampliamos o leque e queremos mostrar que o museu é de todos, para todos e com todos”, resume a pesquisadora.
PROJETOS FUTUROS – Nos próximos meses, a fim de criar uma alternativa para pessoas que têm dificuldade em navegar pelas galerias e exposições 3D, o eMuseu vai implementar a visitação guiada, com um “avatar de interação”. “Vivemos no passado a experiência da imersividade e percebemos que algumas pessoas teme dificuldade, principalmente os idosos”, explica.
Segundo Bianca, a premissa do eMuseu é “transcender o caráter esportivo”, dando atenção “aos pilares de educação, cultura, assistência social e turismo”. A acessibilidade e a sustentabilidade também estão nos planos do Museu Virtual do Esporte, com cartilhas audiodescritas para os deficientes visuais e o ensino de uso de material reciclado pra desenvolver as bolas, raquetes e outros objetos.