Uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, com juros de 1,99%, e sem burocracia, o penhor sempre foi visto por muitos brasileiros como alternativa para enfrentar imprevistos na administração do orçamento doméstico. Mas nos últimos meses isso deixou de ser verdade para pelo menos parte dos usuários do sistema.
Na semana passada, a reportagem entrou em contato com várias agências na capital paulista da Caixa – que detém o monopólio no setor – e foi informado que o serviço estava suspenso para novas operações. Segundo a reportagem apurou, em meio à pandemia o penhor foi considerado como serviço não essencial em comunicado emitido pela instituição em março do ano passado e, portanto, foi interrompido para novas operações.
O penhor é uma linha de crédito na qual a pessoa deixa objetos de valor, como joias, relógios e pratarias como garantia em troca de dinheiro vivo. O interessado pode estar na lista de inadimplentes, até da própria Caixa, que não encontra obstáculos.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Caixa, porém, não confirma que o serviço tenha sido suspenso para novas contratações. Em comunicado, informa que, “em virtude da pandemia, algumas dessas unidades (465) estão ofertando somente o serviço de renovação”. Ainda de acordo com a instituição, em março foram realizados 22,6 mil novos contratos de penhor e 441,1 mil renovações. Em abril, até o dia 23, tinham sido fechados 13 mil novos contratos e 295,4 mil renovações.
Questionada pela reportagem, a Caixa não informa o saldo das operações de penhor. Na apresentação mais recente de resultados do banco, relativa ao último trimestre de 2020, também não há uma rubrica específica para o penhor. Mas a reportagem apurou que o penhor é o terceiro produto em rentabilidade.
Dom Pedro
Fonte de recursos imediatos a custos mais baixos, o penhor também é uma das linhas de crédito mais antigas na praça e está ligada às origens da Caixa. Criada pelo decreto 2.723, assinado por Dom Pedro II em 1861, a instituição tinha a função de guardar “as pequenas economias das classes menos abastadas” e “emprestar, por módico juro e sob penhor, as somas necessárias para socorrer as urgentes necessidades das classes menos favorecidas”, como consta na história da instituição.
Entre abril e setembro do ano passado, a publicitária “A”, que conversou sob condição de anonimato, foi várias vezes à agência da Caixa perto da sua casa na capital paulista, mas perdeu todas as viagens. Desempregada e inadimplente, ela ficou sem alternativa. Em setembro último, acabou tendo de vender as joias de família para conseguir pagar as despesas do dia a dia. “Eu não queria vender, agora vendi, acabou”, contou a publicitária.
Com a venda de um solitário de brilhante, um par de brincos de argola de ouro e um escapulário de ouro branco no mercado informal, ela conseguiu arrecadar R$ 4 mil. Foram R$ 500 a mais do que o oferecido por lojas especializadas na compra de joias de segunda mão e R$ 1 mil acima do crédito que ela calcula que conseguiria na Caixa.
De toda forma, a publicitária lamenta a venda e a falta de opção, no momento, por não conseguir fechar novos contratos de penhora.
Assídua do penhor, a publicitária lembra das cenas de alegria que presenciou no passado, de outras pessoas e dela própria, quando conseguiam recuperar os bens penhorados. “Fico triste porque, quando você vende uma joia de família, que tem uma ligação emocional, é sinônimo de fracasso. Já no penhor, a situação é transitória e há a chance de se reaver o bem.”
Comércio de segunda mão cresce nas joalherias
Diante da falta de opção de penhora, empresas que comercializam joias de segunda mão registraram crescimento na procura de interessados em vender esses itens para conseguir alguma renda.
Tradicional no setor de joias de segunda mão desde 1958, a Orit, por exemplo, registrou no primeiro trimestre deste ano crescimento de dois dígitos em número de transações e também em valor, em comparação com o mesmo período de 2020. “Notamos uma quantidade bastante razoável de clientes que nos procuraram para vender joias porque não conseguiram ter acesso a crédito ou quiseram gerar receita”, diz o CEO da empresa, Maurício Trad. Inclusive no ano passado, no primeiro fechamento do comércio por causa da pandemia, o executivo conta que houve um pico no volume de atendimentos para venda de joias quando a sua loja reabriu as portas.
Também a concorrente, a Vecchio Joalheiros, há 30 anos no mercado de segunda mão, constatou aumento entre 10% e 15% no número de avaliações de joias para venda desde agosto de 2020. De acordo com a joalheria, o ritmo de pessoas querendo se desfazer de joias hoje está mais acelerado comparado ao das que querem comprar.
Dólar
Além da necessidade de dinheiro por causa da crise, a valorização do dólar e do ouro no mercado em momentos de turbulência como o atual leva muitos a passar para frente suas joias. Em julho de 2020, a cotação da onça-troy (31,10 gramas) do ouro beirou US$ 2 mil. Na última sexta-feira, o contrato futuro de ouro para junho na Bolsa de Nova York fechou cotado a US$ 1.767,70. “Hoje, é um bom momento para vender porque, não só o dólar está em alta, mas o ouro também”, diz Trad.
Na compra de joias de segunda mão, é avaliada a pureza do ouro e normalmente é pago um valor inferior à cotação do mercado. Joias de grife são mais valorizadas e os compradores checam a idoneidade do vendedor da peça. Para evitar complicações, o vendedor tem de assinar um termo de responsabilidade declarando que é dono da joia. Com isso, é emitida a nota de compra pela loja. Assim como no penhor, o dinheiro sai na hora.