
A volta às aulas de forma presencial é um dos assuntos mais discutidos dos últimos dois meses, principalmente porque o Governo do Estado, inicialmente divulgou uma data indicativa para o retorno em setembro, mais recentemente jogou para outubro, mas isso se os indicadores de saúde, e número de leitos hospitalares permitirem. No dia 11/08 os prefeitos, após reunião no Consórcio Intermunicipal decidiram que as aulas nas escolas particulares só voltam quando as municipais também forem autorizadas a abrir suas portas. No mesmo comunicado os prefeitos de Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, afirmaram que as aulas presenciais só voltam em 2021. No meio desse impasse o Sieesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), ameaça acionar a Justiça caso a decisão dos prefeitos não seja revista.
Para os médicos ouvidos pelo RD, a retomada das aulas presenciais pode acontecer, mas devem ser observados vários critérios, e feitos vários estudos antes que isso possa ocorrer. Para o infectologista pediátrico da Fiocruz e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, Márcio Nehab, não há certeza de que haverá um impacto maior ou menor nos números da covid-19 com a volta às aulas. Para ele alguns fatores devem ser verificados antes decidir pela aula presencial. “Primeiro tem que saber como anda a transmissão pelo número de casos confirmados, mas se sabe que só se faz o diagnóstico dos casos graves, que são internados, os casos leves e moderados, que são maioria, não se tem notícia. A segunda coisa é verificar se os números de óbitos vem caindo entre as duas últimas semanas e um mês; depois verificar a disponibilidade de forma abundante de leitos hospitalares em enfermaria e UTI para covid. O quarto fator é que tem que ser estabelecido um rastreamento de contactante, ou seja, se aparecer um caso na escola um trabalho tem que ser feito com todos, alunos ou não, que tiveram contato com a aquele indivíduo e o quinto fator é implementar todas as medidas que integram o protocolo; não podemos mais ter salas com 30 alunos, será só 30% com distanciamento de 2 metros entre as carteiras, uso de máscara de três camadas, entre outras exigências”, listou.
Para Nehab, os problemas causados à criança em isolamento devem ser considerados. “A escola é a coisa mais importante na vida da criança depois da família. Elas estão todo o dia na telinha e isso pode ser prejudicial, há um efeito devastador na socialização e no aprendizado pois o ensino online não é igual ao presencial. Esse isolamento favorece o sedentarismo, a obesidade, problemas oculares e o uso da internet abre porta para o ciberbullying, mas tem também o aumento da violência doméstica e um monte de outros fatores, portanto a criança precisa de escola”, completa.
Para o pneumologista e pesquisador do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Elie Fiss, que também é professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC, é muito difícil avaliar o risco. Ele lembrou do inquérito sorológico que a prefeitura de São Paulo fez e que apontou que 16,1% dos alunos dos colégios municipais tiveram a covid-19 e que mais de 80% deles não apresentaram sintoma algum. Além disso 25,9% destes estudantes convivem com pessoas maiores de 60 anos. “Esse seria mais um motivo para não liberar as aulas presenciais neste momento, porque a população jovem acaba não apresentando sintomas e transmitindo para os mais velhos. Hoje o índice de transmissibilidade do vírus está em 0,98, o que aponta para um certo controle do tratamento e não do vírus, mas colocar todos num ambiente faz com que a possibilidade de transmissão entre eles seja grande e deles para os outros também”, analisa.

Para Fiss, antes de decidir pelo retorno às aulas presenciais, as escolas devem fazer um questionamento sobre quantos são os alunos que moram com pessoas que são parte dos grupos de risco. “Isso pode ser feito por um questionário simples. Essa decisão dos prefeitos de só voltar com as aulas no ano que vem, demonstra a incerteza que todos nós temos. O retorno às aulas pode potencialmente aumentar o número de casos, mas isso só vamos saber na hora que abrir. Esse retorno, deve ser paulatino, aos poucos, respeitando as medidas de higiene, com alternância e salas ventiladas”, conclui o professor da FMABC.