Os quatro CDPs (centros de detenção provisória) da região estão superlotados. Ao todo, a população carcerária hoje no ABC é de 5.411 pessoas, sendo que a capacidade dos quatro presídios não passa de 2.617, ou seja, foi superada em 106%. Para o advogado e membro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo), Ariel de Castro Alves, a superlotação traz diversos riscos aos próprios presos e à comunidade do entorno.
No início dos anos 2000 o governo do Estado passou a desativar as antigas cadeias, administradas pela Secretaria de Segurança Pública e cuidadas pelas polícias Civil e Militar, e criar os CDPs. A ideia inicial era tirar o policial da função de carcereiro e melhorar as condições de trabalho nas delegacias. Quase 20 anos depois, a superlotação continua “Trocaram 6 por meia dúzia, pois os CDPs são verdadeiros barris de pólvora, se as cadeias eram problema, agora ele mudou de endereço. A situação degradante a que é submetido o preso; dormindo no chão, com banheiros sujos e entupidos, celas cheias de baratas e falta de atendimento a questões de saúde, tudo isso aliado à falta de atividades, só dificulta a ressocialização e aumenta o clima tenso que pode gerar rebeliões”, desabafa o advogado.
Alves chama atenção para a questão do efetivo de agentes em cada CDP destinado de acordo com a capacidade e não conforme a população carcerária. “Há queixas por parte dos agentes de falta de pessoal, há presídios onde as celas sequer são fechadas, os presos têm acesso livre ao pátio. Certamente esses presídios não têm sua plenitude de segurança. A superlotação também causa problemas de saúde; recentemente tivemos um surto de sarampo no CDP de Mauá, que interrompeu as visitas. Esses locais são incubadores de doenças”, alerta.
Condições degradantes
A professora mestre em Direito Penal, da Faculdade de Direito de São Bernardo, Priscila Cristina Silva da Silveira, diz que a superlotação é causada pelo aumento do número de prisões, a demora dos julgamentos e a não utilização de penas alternativas. Afirma que há casos em que o acusado faz jus a liberdade provisória e aguarda preso. Em várias situações os presos depois de julgados estariam cumprindo a pena em regime semiaberto ou aberto, mas aguardaram o julgamento presos, isso acarreta na superlotação, que por sua vez resulta em condições degradantes para o preso. “Em Santo André, presenciei o caso de um detento baleado no dedo, com a ferida infeccionada e não tinha médico no presídio para cuidar”, relata Priscila, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Santo André.
Segundo Priscila, a superlotação, deterioração das instalações e falta de pessoal e de atendimento médico, entre outros problemas nos CDPs da região ferem a legislação, que diz que o preso não pode ter a sua integridade física violada. “Parece que o preso tem de ser maltratado como forma de vingança pelo que é acusado, mas se o objetivo é reeducar o caminho está errado”, diz. A especialista comenta que muitos preferem continuar nos CDPs, mesmo condenados porque estão perto da família, e as penitenciárias – para onde seguem os condenados – ficam longe. “Uma das formas de ressocialização é o contato com a família, mas muitas não têm condições de ir longe, aí o preso fica desamparado e acaba amparado vezes por organizações criminosas, que oferecem ajuda e até ônibus para os familiares”, diz.
CDP em Santo André ultrapassa 136% lotação
Por meio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) são realizados mutirões carcerários para orientar os presos sobre suas penas e dar andamento a processos, como os de progressão de regime. De acordo com Priscila, em Santo André o último foi feito há dois meses e com resultados. Por coincidência o CDP na cidade, proporcionalmente, é o mais lotado. O prédio construído para 534 detentos abriga 1.262, ou seja, sua capacidade foi extrapolada em 136%. Em segundo lugar vem o de Mauá feito para abrigar 626 e tem 1331 internos, estourou a capacidade máxima em 112%, depois vem Diadema, com 108% além da capacidade total e São Bernardo, com 82% a mais do que comportaria e é a única cidade que ainda não alcançou o dobro da capacidade.
Para Ariel Alves, parte dos internos nos CDPs da região já poderia ter sido transferida, pois já estaria sentenciada e deveria cumprir a pena em penitenciárias. “A legislação prevê penas alternativas, mas isso ainda é pouco usado pelo Judiciário; poderia ser feito investimento maior no regime semiaberto (aquele em que o preso sai para trabalhar e retorna para o presídio) e nas Centrais de Penas Alternativas, afirma.
Em nota a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) informa que pequena parcela dos detentos já foi sentenciada. “Informamos que atualmente, nos CDPs de Santo André, São Bernardo, Mauá e Diadema, menos de 10% da população prisional aguarda remoção para unidade de regime fechado, pois é condenada com trânsito em julgado. Salientamos que todos os meses a coordenadoria regional solicita às unidades os nomes dos presos aptos para transferências e os colocam numa lista por ordem cronológica. Assim que as vagas são disponibilizadas, são transferidos às unidades voltadas para o regime de suas condenações”.
A SAP informa, ainda, que tem investido na ampliação do programa de Centrais de Penas e Medidas Alternativas. “Hoje existem 80 CPMAs, que oferecem vagas para prestação de serviço à comunidade (que substitui a pena de prisão) para mais de 19 mil pessoas. Desde o início do programa, em 1997, já passaram cerca de 192 mil presos. A SAP também apoia a realização de audiências de custódia, que tem colaborado para reduzir o número de prisões em flagrante.