Quando, no final de Toy Story 3 (2010), o personagem Andy deixa seus brinquedos queridos com Bonnie, uma garotinha da vizinhança, e parte para a faculdade, é justo dizer que a maior parte dos fãs da franquia pensou que esse seria o fim. Um final glorioso, como apontam as cinco indicações para o Oscar, duas estatuetas, e um Globo de Ouro, entre outros diversos prêmios. Mas, nove anos depois, a Pixar e a Disney levam às salas de cinema – na próxima quinta-feira, 20 – Toy Story 4, uma nova história com Woody, Buzz Lightyear, Bonnie e vários novos personagens.
“Há sempre riscos em todo filme que fazemos, mas nesse especialmente, porque as pessoas amam tanto essa história”, conta o diretor Josh Cooley (essa é sua estreia na direção de longas-metragens da Pixar, embora ele trabalhe no estúdio desde 2003). “Nós gostamos muito do fim de Toy Story 3. Mas havia alguns anos, falando sobre Woody e sua jornada, entendemos que aquele não era o fim da história dele. Houve o fim do tempo dele com Andy, mas não o fim da sua trajetória. Encontramos então uma história que merecia ser contada e com valor suficiente para levar o título de Toy Story 4. Muitos anos de trabalho duro, suor e lágrimas foram condensados nessas minhas frases”, diz também.
No novo filme, Woody (dublado, como sempre, por Tom Hanks) está em uma situação inédita para ele: Bonnie, sua nova dona, está prestes a começar o jardim de infância, e o caubói quer garantir que a insegurança da garotinha não resulte em nenhum problema. Com seu jeito conhecidamente estabanado – e com um pingo de superproteção – ele se esconde na mochila dela e a acompanha até a escolinha. Ali, no primeiro dia, ainda tímida, Bonnie constrói um novo brinquedo, um personagem que é um sopro de ar fresco na franquia: o Garfinho.
Por não ser exatamente um brinquedo, o personagem sustenta uma ingenuidade (e uma crise existencial) que rende os momentos mais engraçados do filme – mas também a reflexão mais contínua da obra.
“Estávamos sentados na sala de criação, imaginando sobre o que significa ser um brinquedo de fato”, lembra Cooley. “Falamos sobre como as crianças, às vezes, quando ganham um presente brincam mais com a caixa do que com o objeto em si. Será que a caixa está viva? O que dá vida a um brinquedo? Essa questão nunca apareceu em nenhum dos filmes de Toy Story. A ideia foi crescendo e se tornou esse personagem, o Garfinho, que não sabe quais são as regras ou como o mundo funciona.”
Outro personagem que retorna com destaque é Betty, a boneca de porcelana que tem papel secundário nos dois primeiros filmes da série. Na busca por um perdido Garfinho, Woody a encontra “na rua”: ela deixou a vida de brinquedo caseiro para se aventurar no mundo, e essa nova perspectiva pega o caubói de surpresa. É um novo jeito de encarar a vida.
“Uma das coisas que frisamos durante a produção da nova história é que Woody não é um personagem exatamente simpático de cara, porque quase sempre ele é guiado por medo, raiva, insegurança ou ansiedade. No primeiro filme, ele é um canalha (risos)”, diz Cooley. “Mas tem algo tão real sobre isso, tão humano. E Tom Hanks transforma tudo em algo palatável, divertido. Ele tem a habilidade natural de interpretar todas essas coisas e fazer você entender. Ele é o Tom Hanks da atuação (risos).”
O diretor está ciente também de que a audiência do filme provavelmente cresceu – o primeiro Toy Story é de 1995. “Há aspectos da história com os quais uma audiência mais velha vai se identificar”, promete. “Os brinquedos sempre tiveram uma atitude paterna em relação às crianças, tanto que o terceiro filme é sobre sair de casa, ir para a faculdade. Agora, Woody está numa situação completamente nova, numa nova casa, novos companheiros. É uma situação de ‘ninho vazio’. O que ele faz agora? Isso é algo que conversamos. Um dos nossos roteiristas passou por isso recentemente, e tem várias falas de Woody em que é perceptível a voz de alguém que sente falta dos seus filhos. É de partir o coração.”
A nova produção é, sem dúvida, a mais ambiciosa da franquia. Parte da ação se desenvolve dentro de uma loja de antiguidades: foram mais de 10 mil itens gráficos colocados um por um no set virtual (e Cooley garante que todas as cenas que se passam ali têm um ‘easter egg’, referências visuais a outros filmes da história do cinema). Um parque de diversões é outro ambiente do filme, bem como o interior de uma máquina de pinball. O diretor explica que Toy Story 4 foi filmado com um aspect ratio (proporção de tela) maior do que o comumente usado em animações. “Woody vai para um mundo maior, fora do quarto. Foi uma escolha artística. O nível de detalhe é insano.”
‘Toy Story 1’ foi marcante como 1ª animação toda produzida em computador
Vale viajar no tempo – em 1991, e de forma pioneira, a Disney se utilizou de ferramentas digitais para criar, na animação A Bela e a Fera, de Gary Trousdale e Kirk Wise, a famosa cena em que o casal de protagonistas dança no salão. A cena foi criada no computador, e abriu um mundo de possibilidades em termos de realismo e perspectiva. Algo se passou ali, e com certeza os rumos da animação foram ultrapassados, quatro anos mais tarde, quando John Lasseter, numa nova empresa – a Pixar -, associada à Disney, criou o primeiro filme, em toda a história do cinema, inteiramente realizado com as ferramentas da computação gráfica.
Recapitulando – foi um feito notável, mas não tão isolado assim. A ideia da computação estava no ar e o britânico Peter Greenaway fazia experimentos de tecnologia digital em live action. Pelos anos seguintes, e no começo dos anos 2000, o neozelandês Peter Jackson criaria o Gollum, de sua trilogia O Senhor dos Anéis, utilizando a técnica chamada de motion capture. Tudo isso é verdade, a importância histórica de Toy Story estaria assegurada, mas o filme com certeza não teria feito tanto sucesso, se não possuísse (outras) qualidades excepcionais, além da técnica.
Lasseter sempre afirmou que, na Pixar, a técnica não era um fim, mas uma ferramenta indispensável para o que ele realmente queria fazer – contar grandes histórias. E a de Toy Story era realmente muito criativa, e até original, misturando animação, aventura e comédia. Passa-se num mundo em que os brinquedos se disfarçam de inanimados quando os humanos estão por perto, mas têm vida e vontade próprias. A trama centra-se na relação entre dois desses bonecos, e metaforizando o conceito do próprio filme, eles fazem a ponte entre a tradição e a modernidade, ou melhor, o futuro. Um boneco caubói acorda, Woody, que fala, no original, com a voz de Tom Hanks, e o astronauta Buzz Lightyear, dublado por Tim Allen. Entre os produtores, estava ninguém menos que… Steve Jobs!
Cinco anos mais tarde – e, no intervalo, a Pixar produziu outro megassucesso, Procurando Nemo -, surgiu Toy Story 2, de novo com direção de Lasseter, e agora Woody é roubado de casa por um comerciante de brinquedos. Os amigos, Buzz Lightyear à frente, mobilizam-se para resgatá-lo, mas Woody, ao descobrir que é um item de colecionador por causa de um antigo programa de TV, cria o impasse ao desistir de ir embora. A Disney, que não colocava muita fé no projeto, imaginava lançar diretamente Toy 2 no mercado de home vídeo, mas Lasseter, confiando no próprio trabalho, forçou a ida para os cinemas, onde o sucesso, de novo, foi estrondoso.
Passaram-se mais 11 anos e surgiu o 3, desta vez com outro diretor, Lee Unkrich, substituindo Lasseter. E, aí, houve uma mudança e tanto. Andy, o dono dos bonecos, não era mais aquele menino. Cresceu e vai para a universidade, mas antes doa seus brinquedos para uma creche, onde as crianças, nem um pouco cuidadosas, começam a destruir seus brinquedos. Woody e Light, sempre eles, planejam uma fuga em massa. A história, linda, é sobre o rito de passagem. Tornar-se adulto. Do 1 ao 3, não houve passo em falso. A expectativa pelo 4 é enorme.