Um road movie urbano que usa a tradição para entender o mundo

Annemarie Jacir fez história como primeira mulher e dirigir um filme na Palestina. Foi em 2008, com Salt from This Sea. Nove anos mais tarde, em Locarno, foi premiada por Wajib, que recebeu o Leopardo de Ouro de melhor filme – vencendo, entre outros, o brasileiro As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra. Wajib, que estreou na quinta, 24, está ganhando mais uma semana em cartaz. É belíssimo. O título pode ser definido como obrigação, ou dever social. No caso, o de pai e filho que precisam distribuir pessoalmente os convites de casamento da filha e irmã. O filho mora em Roma e volta a Nazaré, maior cidade da Palestina e a única dentro das fronteiras de Israel, para participar da obrigação. Afloram velhos conflitos.

Nas redes sociais e no material de divulgação de seu filme, Annemarie diz que se inspirou na própria família. “Vi meu pai e meu irmão no exercício do wajib e pensei que poderia render um filme interessante. Um road movie urbano, dois homens, de diferentes gerações. Sou, por natureza, observadora. Em casa, sempre gostei de me sentar um pouco atrás para apreciar melhor o teatro da família, as interações entre as pessoas.”

Newsletter RD

Pai e filho são interpretados por Mohammad Bakri e Saleh Bakri, também pai e filho na realidade. Annemarie iniciou o casting pelo filho, Mohammad, e conversando com ele chegaram à conclusão de que seria um desafio se ele contracenasse com seu pai.

“Mohammad dizia que, no imaginário das pessoas, poderia ser estimulante, porém perigoso, porque elas poderiam tomar a ficção ao pé da letra e pensar que ele tinha aquela relação litigiosas com o pai.” Na trama de Wajib, o conceito de dever social fica explícito na primeira visita quando pai e filho entregam o primeiro convite para uma viúva recente, que eles sabem que não poderá ir à festa de casamento porque ainda está observando o decoro do período de luto, mas como eles dizem é wajib. É dever de ambos entregar o convite, como é dever da viúva declinar.

Curiosas tradições, fundamentadas em valores religiosos e sociais. O pai foi abandonado pela mulher, que o deixou sozinho com a tarefa de cuidar dos filhos. Ela foi viver seu sonho amoroso, enquanto o pai permaneceu na Palestina, como um modesto professor, sob o jugo israelense. O filho foi para a Itália e se uniu à filha de um antigo dirigente palestino (da OLP). E agora ele recrimina o pai por seu conformismo. O pai, por sua vez, retruca que é fácil viver, no exterior, uma Palestina idealizada, enquanto a real, no dia a dia, é feita de dificuldade e sofrimento. Essa tensão permeia o filme, o mesmo podendo-se dizer da presença/ausência da mãe. Ela não aparece, mas é citada o tempo todo. Virá para o casamento da filha? Cada um tem seus problemas, que Annemarie busca entender, e expressar. Como ela diz, é tão difícil ser mulher e palestina que, como cineasta, ela só quer ser boa no que faz, e tolerante com os desejos dos outros.

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes