*Por Solange Massari*
Conforme preconiza Paulo Freire, não existe educação neutra, toda neutralidade afirmada é uma opção escondida. A escola é um lugar fora do ambiente familiar, onde as crianças e os jovens têm acesso ao convívio com as diferenças e a necessidade de respeitar. Podemos dizer como sendo o espaço que a formação humana tem em seus objetivos desenvolver os valores da liberdade, da vivência democrática, da partilha, do respeito, dos direitos e dos deveres.
O ambiente escolar é um dos que possibilita desencadear o potencial que cada ser social possui, bem como compreender que a sociedade é uma elaboração coletiva. Para tanto, a prática pedagógica está em possibilitar aos educandos condições de problematizar a sociedade, ter acesso à diversidade do conhecimento e das áreas do saber e assim elevar a consciência crítica nesse processo dialético com respeito às opiniões individuais. E é exatamente isso que Projeto “Escola Sem Partido” deseja destruir. Destruir a capacidade e o significado do saber e do conhecimento, impondo a neutralidade numa sociedade que não é neutra.
O Projeto Escola Sem Partido tem sido divulgado desde 2004, com uso de uma linguagem de senso comum e apresentação de assuntos complexos com as falsas possibilidades extremamente rasa e simples. Os ferrenhos apoiadores deste padrão escolar se apresentam sempre com soberba, sem ética e sem apreço com os professores e com a sociedade. As alegações se dão sempre no âmbito da neutralidade, no entanto resguardam a verdade, ou seja, a ideologia do opressor e do violento. Incentivam a acusação para com aqueles que divergem desta ideologia.
Nesse sentido, é possível o elo com a linguagem fascista pelo viés da desumanização do professor, que passam a ser tratados como aproveitadores da inocência dos educandos e de doutrinadores, como se estes fossem folhas em branco, sem história e sem referência da vida familiar e comunitária.
A proposta velada do projeto está além do aniquilar a função do professor, mas mantê-lo como um simples instrutor dos manuais e das apostilas e em hipótese alguma dar condições aos estudantes de se tornarem pensantes críticos, mas apenas consumidores da mercadoria Educação.
Destarte a necessidade de se manter a atenção à severidade deste discurso que são sinais da violência e do ódio aos professores. A PL nº 867/2015 deixa claro que os professores perderão suas atribuições, pois o artigo 2º impede as atividades pedagógicas plenas do professor, devido limitar o exercício da sua profissão em sala de aula, haja vista a vigilância constante no que tange à liberdade de ensinar e de debater temas que não atendem os valores morais da completude dos estudantes.
É válida a observação da palavra ‘liberdade’, pois esta aparece por 13 vezes no projeto de lei supra citado, porém liberdade aos estudantes e o cerceamento ao professor, pois a liberdade é aos interesses dos “inventores” deste modelo de escola.
A alusão ao projeto com a ênfase no “Sem Partido”, atua no imaginário coletivo como se as escolas tivessem partido. Essa referência retira do professor o caráter de educador e o transforma em apenas transmissor, como ocorre no ensino a distância (EAD), que afasta a possibilidade do debate coletivo, o diálogo e a troca do conhecimento e da vivência. Exige que a “neutralidade” se faça presente, numa sociedade que não é neutra. O Projeto Escola Sem Partido é uma armadilha da classe dominante sob a luz da bandeira do respeito às famílias, seus valores e suas crenças. Coloca o professor como o inimigo da mesma.
Na prática, o referido projeto tem como premissa o desmantelar da escola, o desprestígio do professor e sua desvalorização profissional e o esvaziamento do ensinar, aprender e educar num movimento da troca entre professor e estudante.
O processo da construção do conhecimento pelas ideias preconizadas pelo iluminismo, marxismo, liberalismo, nazismo, anarquismo, positivismo, entre outras são vertentes ideológicas e não doutrinação política. Cada qual no seu tempo propiciou influências no processo cultural, social, filosófico e político. As diferentes correntes do pensamento humano atravessam o tempo e permitem conhecer a construção da sociedade e suas contradições. Não ter liberdade para tal debate é retornar o arcaico sistema pedagógico do ler, escrever e contar.
Defender uma escola sem ideologia já é uma ideologia e doutrinação. Quem se preza a tal papel de delator se transforma num dos piores doutrinadores político partidário.
*Solange Massari é mestre em Serviço Social, com especialização em Psicopedagogia, e bacharel em Serviço Social*