Os dedos ágeis dão conta de um tapetinho de crochê em poucos minutos, enquanto o olhar está fixo na tela – não a da televisão, como as vovós que povoam nosso imaginário, mas a do celular. Junior Silva (foto), de 12 anos, é youtuber, como muitos de sua idade, e “crocheteiro”, como poucos.
O menino tomou gosto pela atividade depois de observar a avó e a tia. “Eu tinha 11 anos, pegava a agulha e fingia que estava fazendo. Aí pedi para me ensinarem.” A vontade de compartilhar o gosto pela costura veio depois de publicar em um grupo no Facebook uma foto de um tapete colorido que ele mesmo fez. “Bastante gente gostou. Depois, comecei a fazer lives (vídeo ao vivo) e, assim, foi crescendo meu público”, conta ele, orgulhoso dos 21 mil seguidores que já conquistou.
Nos vídeos, Junior dá dicas de pontos e linhas enquanto costura. “Crochê é uma arte bem bonita. Faço muitas coisas diferentes”, diz o menino. Embora tenha os seus fãs, há também quem o critique por acreditar que crochê não é coisa de criança, muito menos de menino. “No começo, eu ficava chateado, mas agora levo na esportiva.”
Crochê entra na rotina de detentos
Anderson Figueredo se lembra bem de quando, há um ano e meio, um professor chegou à cadeia com a sacola recheada de linhas e agulhas. Naquela época, ele não poderia imaginar como as suas mãos, que colaboraram com o tráfico de drogas, pudessem servir à arte. “Foi muito esquisito”, conta o ex-preso, de 34 anos, sobre a primeira experiência com o crochê, quando ainda estava na prisão, em Guarulhos, na Grande São Paulo.
O professor era Gustavo Silvestre, um designer e artesão de 39 anos que teve a ideia de ensinar a técnica a uma turma de presos – todos homens. “Com o crochê, você vê seu tempo se materializar e virar alguma coisa. Pensei: isso é muito legal para os caras que estão no presídio e têm tempo disponível. “A ideia ganhou corpo no Projeto Ponto Firme, que, em dois anos de existência, já formou cerca de cem alunos na cadeia. E continua. Todas as quartas-feiras, Silvestre vai à penitenciária, onde passa três horas ensinando a costura aos detentos.
No fim de cada módulo, os presos recebem certificado e, a cada 12 horas de aula, têm um dia de redução da pena. “É muito legal ver essa força masculina em algo que foi tachado como feminino”, diz o artesão. O gosto dos presos pela arte nem sempre é instantâneo. “Vou falar a verdade. Quando começaram as aulas, eu não tinha interesse nenhum. Não sabia nem por onde começar”, conta Figueredo. Mas a prática construiu, aos poucos, a intimidade com as agulhas.
“O Gustavo foi mostrando algumas coisas que se pode fazer e fui me interessando e até gostando.” No início, segundo Figueredo, os colegas de prisão achavam graça da atividade. “Depois o pessoal começou a ver que estava ajudando a cadeia toda, porque mostrou que tinha gente ali que queria se regenerar de verdade.”
Para Silvestre, a arte tem ainda o potencial de integrá-los. “Uma coisa linda do processo é que eles vão ensinando os outros, vão se organizando.” Fora das aulas, os presos também podem exercitar a técnica, com kits deixados pelo professor. Recomeço. Pai de dois filhos – um de 11 anos e uma de 9 -, Figueredo conta que o crochê o ajudou a passar pelo encarceramento. “Mostrou outros rumos, que a gente pode ter chance de recomeço. Percebi o quanto estava perdendo.”
Após ser solto, há quatro meses, Figueredo procurou Silvestre – dessa vez para uma parceria: o ex-preso ajuda o “professor” em um trabalho artístico de cobrir pedras com os tecidos. O designer quer agora garantir, por novos projetos, que os presos que deixam a cadeia tenham chance de reinserção.
Reconquistar a confiança dos outros é um dos desafios de Figueredo, que, além do crochê, faz “bicos” e sonha em ter seu negócio no artesanato. O duplo preconceito – com o seu passado, na penitenciária, e o presente, em meios às agulhas – não o intimida. “Não ligo para nada. O mais importante eu tenho: a minha liberdade.”