O Ministério Público de São Paulo instaurou 29 inquéritos civis e desarquivou outros dez como desdobramentos diretos da delação da Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. As investigações envolvem estatais paulistas como Metrô, agentes públicos e ao menos 24 políticos citados por executivos da empreiteira, a maioria por suposto recebimento de propina ou caixa dois em campanha eleitoral.
Mais da metade dos procedimentos (21) se refere a supostos pagamentos de vantagem indevida a pretexto de campanha delatados pelos executivos e ex-executivos da Odebrecht em eleições que vão de 1994 a 2012.
Os inquéritos foram distribuídos entre um grupo de dez promotores do Patrimônio Público e Social. A maior parte das investigações vai apurar se os recursos tinham como origem dinheiro desviado de alguma obra pública. Os inquéritos podem resultar em abertura de ação civil por improbidade administrativa.
Ao todo, oito delatores da Odebrecht afirmaram nos depoimentos do acordo de colaboração firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) que fizeram pagamentos ilícitos envolvendo obras em São Paulo. Em seis casos, os executivos da empreiteira detalham o esquema e apontam quem teriam sido os operadores e destinatários finais dos recursos, todos oriundos do Setor de Operações Estruturadas da empresa, conhecido como “departamento de propina”.
A lista de políticos citados reúne nomes como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador José Serra e do ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, todos do PSDB; além do ex-prefeito da capital Fernando Haddad (PT), do ex-presidente do PT José Genoino; do ministro das Comunicações, Gilberto Kassab (PSD); dos deputados federais Celso Russomanno (PRB-SP) e Paulo Pereira da Silva (SDD-SP) e do ex-deputado Gabriel Chalita (PDT-SP), além de outros. Todos negam irregularidades ou afirmam desconhecer os supostos ilícitos.
Atualmente, os promotores aguardam o envio, pela PGR e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da documentação relativa às pessoas físicas e jurídicas representadas nos inquéritos.
Além de averiguar supostas fraudes em concorrências abertas pelo governo do Estado, as investigações têm como foco também apurar formação de cartel e contas não declaradas fora do País. Os depoimentos e os documentos apresentados pela Odebrecht como prova dos crimes foram divulgados em abril pelo ministro Edson Fachin – relator da Lava Jato no Supremo -, mas até agora não chegaram oficialmente ao MP paulista.
Entre as obras que estão na mira dos promotores por suspeita de desvio de recursos para agentes públicos e políticos estão o Trecho Sul do Rodoanel e a Rodovia Carvalho Pinto, da Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), e as linhas 2-Verde, 4-Amarela, 5-Lilás e 6-Laranja, da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô).
Como algumas delas foram executadas nas décadas de 1990 e 2000, a Promotoria decidiu desarquivar inquéritos que já haviam sido abertos no passado para apurar suspeita de irregularidades.
Com os inquéritos em fase inicial, os citados ainda não foram ouvidos pela Promotoria. O promotor Marcelo Milani afirma que um dos principais objetivos deste tipo de procedimento é a proteção ao erário. Ações de ressarcimento são imprescritíveis e não há foro privilegiado na área cível.
“Por esse mesmo motivo, os envolvidos, se implicados em uma ação civil, serão julgados pelas instâncias inferiores. Os casos podem até chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas na fase dos recursos”, disse o advogado Floriano Azevedo Marques, especialista em Direito Público.
Citados negam ilícitos e competência para medidas é questionada
Os políticos alvos de investigação do Ministério Público de São Paulo negaram irregularidades envolvendo suas campanhas e ressaltaram que as contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. Alguns dos citados, como o ministro Aloysio Nunes (Relações Exteriores) e o ex-deputado federal Gabriel Chalita (PDT), decidiram recorrer contra a abertura dos inquéritos ao Conselho Superior do Ministério Público porque consideram que não é de competência do Patrimônio Público investigar os supostos crimes delatados pela Odebrecht.
“A respeito da acusação de suposto ato de improbidade, em nenhum momento a Odebrecht imputa pagamento de propina a Aloysio Nunes, mas pagamento de recurso não contabilizado à campanha de 2010 para o Senado, que o ministro nega veementemente ter recebido”, disse o ministro, em nota. O recurso de Chalita deve ser analisado amanhã pelo conselho.
Ex-prefeito da capital e atual ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab afirmou que “sempre pautou sua atuação pela ética” e que as doações foram recebidas em acordo com a lei e registradas junto à Justiça Eleitoral.
Fernando Haddad afirmou que todas as receitas e despesas da campanha de 2012 foram registradas e homologadas pela Justiça Eleitoral e que se coloca à disposição do Ministério Público paulista.
Os deputados federais Celso Russomanno (PRB-SP) e Paulinho da Força (SDD-SP) também negaram irregularidades e defendem as investigações. “Toda doação que recebi da Odebrecht foi legal e declarada à Justiça”, disse Paulinho.
O senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também negaram envolvimento em fatos ilícitos e não quiseram se manifestar sobre os inquéritos. O Metrô e a Dersa afirmaram que são as maiores interessadas na resolução dos processos, se colocaram à disposição das investigações e defendem punição aos culpados.
O ex-presidente do PT José Genoino (PT) e o ex-deputado Gabriel Chalita não foram localizados.