A queda mais forte da inflação em 2017 deve beneficiar os consumidores no momento de negociar o reajuste de preços de contratos de serviços, como aluguel e mensalidades escolares. No caso dos investimentos que têm parte de sua rentabilidade atrelada à inflação, as taxas prefixadas que compõem a rentabilidade prometida devem compensar o recuo do índice.
No caso dos contratos, o efeito não deve ser sentido imediatamente, uma vez que consideram o comportamento dos índices em um período de 12 meses para o reajuste. Especialistas veem espaço, porém, para o consumidor barganhar descontos, principalmente nos contratos de aluguel. “A deflação esperada para junho pode ajudar a reduzir o tamanho do reajuste desse contrato no futuro”, explica a economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim. “Se num período de 12 meses houver variação negativa do índice em um deles, o avanço acumulado será menor”, afirma.
No acumulado dos últimos 12 meses até maio, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, aumentou 3,60%. Já o Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e usado em boa parte dos contratos de aluguel, o avanço em igual período foi de 1,57%, apesar da deflação vista em maio e abril.
A economista do Idec explica que a natureza desses tipos de contrato, de prestação contínua de um serviço, não prevê o reajuste “para baixo”. Se o resultado acumulado em 12 meses fosse negativo, por exemplo, os preços ficariam estáveis, em teoria.
No caso dos aluguéis, no entanto, a possibilidade de barganhar um preço mais baixo não se dá exatamente por causa da trégua da inflação, mas pela crise no mercado imobiliário. Economista da FGV, Fábio Gallo explica que o momento favorece o consumidor, pois os proprietários de imóveis estão mais dispostos a negociar para não ficarem com os imóveis vazios.
Dados da plataforma VivaReal, que reúne imóveis para locação e venda, apontam que, em maio, o preço nominal médio do metro quadrado para aluguel na capital paulista atingiu R$ 35,34, valorização nominal de 0,1% em comparação com o mesmo período de 2016 (R$ 35,29). Em relação a abril deste ano (R$ 35,09), o incremento foi de 0,7%.
Em contratos como telefone, internet e TV por assinatura, os reajustes consideram indicadores diferentes, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que teve variação de 3,35% nos últimos 12 meses até maio. Já no segmento dos planos de saúde, que vêm registrando reajustes na casa dos dois dígitos, o custo de itens setoriais, como medicamentos, acabam sendo a referência para estabelecer os preços dos contratos.
Investimentos
O recuo da inflação provoca dúvidas também em relação a investimentos. “Para um investidor sem muito conhecimento, a primeira intuição é que, se a inflação dá negativa, o título também pode render negativo ou muito baixo”, afirma Sandro Baroni, gerente de Preços e Índices da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Um estudo feito pela associação, no entanto, mostrou que, em 2006, quando houve o último registro de deflação no mês de junho, a rentabilidade de títulos do Tesouro Direto indexados ao IPCA ficou positiva.
Isso ocorreu em razão da composição das taxas desses papéis – em parte prefixadas, em parte corrigidos pela inflação. Assim como a parte prefixada acabou compensando o resultado negativo da inflação no passado, o mesmo deve ocorrer neste mês, explica Baroni. Ele ressalta porém, que o investidor que resgata um título público antes do prazo pode ter rentabilidade menor pela oscilação do índice.
Preços dos serviços sucumbem à crise
Rossano Iaconelli nem consegue se lembrar da última vez em que usou a placa de “Não há vagas” no estacionamento que administra desde 1996 na Avenida Paulista, região nobre e cercada por escritórios em São Paulo. “Muitas empresas fecharam, quem tinha trocado a sala comercial por um endereço compartilhado, para cortar custos, também não aguentou. Dois concorrentes fecharam recentemente e nem assim meu movimento cresceu. Está bem difícil, não é hora de mexer no preço.”
Na mesma avenida, o estacionamento de Danilo Scatolini teve de transformar o preço da primeira hora no total cobrado pelo dia inteiro. “Mesmo com todo o esforço, a frequência caiu 50%, no mínimo. A gente nem consegue ganhar o suficiente para pagar o aluguel e os custos trabalhistas, estamos no vermelho. Este estacionamento existe há mais de 40 anos, mas, se continuar assim, não vamos durar muito mais tempo.”
Nos últimos meses, os preços dos serviços deram, enfim, sinais de que também sucumbiram à recessão. Em maio, o IPCA registrou alta de apenas 0,05% nos serviços e, em 12 meses, essa inflação foi recuando de 6,05% em março para 5,96% em abril e 5,62% em maio. Para o IBGE, esse índice é mais resistente porque parte dele vem da indexação de contratos, que tende a perder força de alta à medida que a inflação arrefece.
“Os preços continuaram subindo, não dá para esperar uma deflação nessa categoria, mas o ritmo de alta dos serviços perdeu mesmo fôlego”, diz o economista Fabio Romão, da LCA Consultores. “No ano passado, o IPCA para os serviços subiu 6,5% e já comemoramos. Agora, nossa previsão é de alta de 4,9%, a menor desde o ano 2000.”
Margem
Para compensar a baixa demanda do consumidor, reflexo da crise, o comerciante muitas vezes prefere ver sua margem de lucro reduzida a cobrar mais dos clientes, e a falta de reajuste nos preços já pode ser sentida pelo brasileiro.
Quando a cabeleireira Maria Gorete de Oliveira abriu seu salão de beleza na zona sul de São Paulo, em julho de 1993, um exemplar do Estado custava Cr$ 30 mil (cruzeiros) em uma banca de São Paulo – o dobro do que era cobrado três meses antes. “Eu tinha de mexer nos preços o tempo todo. Qualquer descuido, acabaria no prejuízo. Olhando para trás, parece até outro mundo.”
Da época em que a alta da inflação era uma conversa recorrente entre as clientes do salão, só ficou a memória. “Não consigo aumentar os valores desde o começo do ano, não quero correr o risco de perder movimento. Fiz pacotes promocionais, dei desconto no corte, no alisamento, mas nem assim deixei de perder clientes”, diz Maria.
Para o professor da PUC-Rio José Marcio Camargo, a inflação de serviços é resistente porque as empresas só conseguem reduzir o salário nominal dos funcionários em uma negociação coletiva. “O custo é reduzido quando o funcionário é demitido e outro é colocado no lugar por um salário menor, mas esse impacto demora para chegar até o consumidor.”