Autoapelidado de o lugar mais feliz do mundo, o parque de diversões mais famoso de São Paulo, o Hopi Hari, se aproxima dos 18 anos de existência à beira da pane seca. Está atolado em uma dívida de R$ 700 milhões, com a luz cortada, sem seguro e “aviso prévio” para fechar as portas. Os quase 300 funcionários não recebem salários desde o dia 5 de fevereiro.
Em abril, o parque teve o fornecimento de energia cancelado por causa de uma conta de R$ 580 mil em aberto com a CPFL. Se não levantar R$ 100 mil nesta semana, o novo proprietário José Luiz Abdalla terá de devolver na segunda-feira os geradores alugados justamente para evitar o fechamento das portas.
Para piorar, desde 25 de março o Hopi Hari opera sem cobertura de seguro para acidentes com frequentadores ou eventuais danos aos equipamentos. Abdalla vem batendo na porta das seguradoras, mas não encontra uma única empresa que encare o risco do negócio, tanto do ponto de vista da segurança dos brinquedos como da capacidade de pagamento da apólice. “A gente não tem crédito na praça”, reconhece o empresário.
A situação é tão crítica que até o processo de recuperação judicial, solicitado em 24 de agosto de 2016, está praticamente paralisado, já que o parque não conta com um profissional que saiba lidar com esse tipo de processo – segundo Abdalla, o último especializado, o advogado tributarista Julio Mandel, retirou-se por falta de pagamento.
Aviso
Com tantos problemas, o público sumiu e o parque – que chegou a receber 24 mil pessoas em um único dia, no segundo semestre de 2011 – tinha 160 visitantes no sábado. No dia anterior, uma sexta-feira, foram 20 pessoas.
Alvo de uma investigação do Ministério Público, que apura relatos de que o parque, em diversos dias, conta com poucos brinquedos funcionando, apesar de vender os passaportes normalmente e sem nenhum tipo de aviso aos visitantes, a direção do Hopi Hari redobrou os avisos. Já no estacionamento, que cobra R$ 55 por carro, o funcionário de uma empresa terceirizada recomenda a atenção do cliente. “Eu peço que todo mundo vá até a placa lá fora e veja quais os brinquedos que estão parados. Uns 20% vão embora direto”, diz.
Na bilheteria, que foi aberta exclusivamente para atender a reportagem, mais um aviso. “Você quer mesmo entrar? A gente está só com esses brinquedos aqui”, alerta a funcionária, indicando um papel colado no balcão com 12 atrações abertas em quase 60 possíveis – 3 para o público adulto. O passaporte custa R$ 99.
No sábado, ao entrar no parque, o Estado se deparou à primeira vista com uma cidade fantasma do velho oeste americano. Somente depois de caminhar por alguns minutos encontrou um grupo com cinco visitantes, vindos de São Paulo. “É triste de ver o estado do parque”, lamentou o visitante Ricardo Cipriano. Um pouco mais à frente, Luiz Antonio Corol reclamava em frente a uma fonte de água adornada por personagens da Warner Bross. “Só para estar aqui com a minha família eu gastei mais de R$ 600.”
Fora do ar
Dois dias antes, a direção do parque estava decidida a não abrir as portas. Segundo relatos de pessoas ligadas à gestão, o dono do parque chegou a retirar o site do Hopi Hari do ar para evitar compras. Após uma reunião na noite de quinta-feira, contudo, a direção recuou. “O Abdalla não pode abrir, mas também sabe que, se fechar, corre o risco de não abrir mais”, diz uma pessoa que pediu para não ser identificada.
“O que é que eu vou fazer?”, indaga Abdalla. “Sei do risco que é operar o parque sem seguro, mas o meu compromisso é não fechá-lo”, conta o empresário, egresso do mercado imobiliário e de uma família de banqueiros (o pai, Anésio Abdalla, foi sócio do BCN).
Ele comprou 80% do Hopi Hari de Luciano Correa, seu amigo de infância, por R$ 0,01, assumindo todo o histórico de passivo de R$ 700 milhões na pessoa física, uma operação inédita e que deixou representantes do mercado com o queixo caído. “Eu não sei como esse Abdalla consegue dormir a noite”, diz um operador do mercado. “É dívida para a vida inteira e para muitas outras gerações.”
Após paraplegia em montanha russa, jovem briga na Justiça
Além dos 300 funcionários, dos fornecedores e do proprietário, outro personagem tem perdido o sono, sobre o futuro incerto do Hopi Hari. O assistente administrativo Marcio Machado, 38 anos, é protagonista de uma história até agora abafada pelo parque. Ele acusa um incidente em uma das atrações mais famosas do parque, a Montezum, a montanha russa de madeira, como causa de sua tetraplegia.
No dia 30 de novembro de 2014, ele chegou andando ao parque. Pagou R$ 16 a mais por um ingresso que dava direito a furar a fila de quase três horas da Montezum, entrando pela saída do brinquedo, e na primeira descida, conta que perdeu os sentidos. “Escutei um estalo alto e não me lembro de mais nada”, conta. Segundo o laudo médico, ele sofreu uma lesão na C5, vértebra logo abaixo da nuca, comprimindo a medula e tirando dele a sensibilidade do peito para baixo.
“Preciso de uma série de profissionais para não ficar na cama e virar alface. O último orçamento que fiz com os meus advogados girava em torno de R$ 10 mil por mês”, conta Machado, que move um processo que corre em segredo de Justiça na Vara Cível da Comarca de Taboão da Serra. Na ação, ele solicita que o parque arque com o tratamento.
Oficialmente, o Hopi Hari não se manifesta sobre o assunto, alegando sigilo do processo. Extraoficialmente, a alegação é de Machado tinha o histórico de uma doença anterior e assumiu os riscos ao entrar na montanha russa. Ele é portador de espondilite anquilosante, uma doença inflamatória crônica, que ainda não tem cura e afeta as articulações do esqueleto.
Localizada pela reportagem, umas das enfermeiras de plantão no parque relata que atendeu Machado. “Ele disse que sabia que não poderia ir”, conta. Ele nega e afirma não se lembrar do que aconteceu depois de perder os sentidos. “Só tenho lembranças um mês depois, quando voltei do coma.”
Perícia
O resultado de uma perícia solicitada pela Justiça e anexado ao processo no dia 3 de março aponta que o motivo da tetraplegia de Marcio Machado vem do efeito chicote do brinquedo e não tem relação com a doença preexistente.
Procurado, o reumatologista Percival Sampaio-Barros, da Universidade de São Paulo (USP) e do Hospital Sírio-Libanês, diz que em mais de mil casos de espondilite nunca encontrou caso parecido. “A paraplegia não é uma evolução da espondilite. É preciso avaliar as condições clínicas do paciente”, diz ele, ressalvando não poder opinar com profundidade por não conhecer o caso.