Em tempos bíblicos, nada mais adequado que recordar a história do profeta que, de acordo as Escrituras, ao desobedecer a Deus, foi punido pela tempestade que afundou seu barco e engolido “por um grande peixe”. Jonas, da diretora Lô Politi, do personagem da Bíblia, guarda apenas o nome, pelo menos em princípio. Vivido por Jesuíta Barbosa, Jonas é filho da empregada da casa e sua devoção é profana: está apaixonado pela filha da patroa, Branca (Laura Neiva).
O filme, em cartaz, tem um pouco do tom dos amores impossíveis, tanto pela diferença de classes como de temperamentos. Branca é rica, Jonas é pobre. Ele é tímido, ela, esperta e sedutora. Não fazem lá um par muito harmônico. E, no entanto, o amor, como se sabe, pode trilhar caminhos bem avessos à normalidade e ao bom senso.
Desse modo, Jonas vai se decidir por um ato extremo ao sequestrar a garota. O cativeiro será no insólito ventre de uma baleia – na verdade, um carro alegórico de escola de samba estacionado num desses terrenos em volta do Sambódromo que acumulam os restos dos desfiles, depois de terminado o carnaval. Para quem passa por lá, compõem uma paisagem fantasmagórica. Restos de carros alegóricos, carcaças expostas ao sol e à chuva, frutos da criatividade popular já despidos da efêmera magia usufruída durante o tempo cronometrado dos desfiles. Deles se desprende a melancolia que têm as coisas quando perdem sua função.
De modo que passa a ser natural que esse ventre de baleia de madeira e matéria plástica passe a abrigar um amor desesperado da cidade, sem um improvável final feliz.
A situação, em si, parece um tanto inverossímil, mas melhora quando nela pensamos como uma certa alegoria. Na aspereza de uma cidade cinza, o ventre da baleia de plástico pode ser até um espaço mais acolhedor, mais cálido, pelo menos.
O filme procura também sua ambientação nas ruas da cidade, infla-se de certo conteúdo social e põe em cena tipos populares. O rapper Criolo, por exemplo, interpreta um traficante da Vila Madalena. A escola do bairro, aquela na qual se insere a baleia cenográfica, é a muito amada Pérola Negra. A diretora trabalha com a câmera ora nervosa, em tom documental, ora com a placidez de um comercial de produtos matinais. Tudo prepara para um grand finale, que não convém antecipar.
Tudo isso para dizer que o filme possui qualidades, mas, às vezes, hesita no rumo a tomar pela história. Oscila entre um naturalismo, às vezes, consciente e uma opção alegórica que também não se completa. Jesuíta, conhecido por trabalhos como Tatuagem e Praia do Futuro, é o ator que se conhece, carismático e sem ostentações interpretativas. Empresta verdade ao personagem, mesmo que este corra risco de naufrágio várias vezes ao longo do filme.
‘Jesuíta me impressionou. Era muito Jonas’
Jonas trilhou um longo caminho por festivais, nacionais e internacionais, até finalmente estrear na semana passada no circuito comercial. E a diretora Lô Politi aguardava ansiosamente por esse momento. Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, ela falou sobre esse primeiro longa de sua carreira.
Qual foi sua inspiração para Jonas?
Tem esse cenário que é o carnaval de São Paulo, que é meio engraçado, meio lado B. E o sambódromo fica no meio da Marginal Tietê, que é o lugar mais cinza de São Paulo, e, ao lado dele, tem um estacionamento de carros alegóricos. É uma loucura de cor. Toda vez que eu via aquele lugar, pensava: que lugar maravilhoso, alguém tem de filmar aqui. Aí, eu estava saindo no feriado para a praia, fiquei pensando em uma história que pudesse se passar ali e acabou saindo esse filme.
Como Criolo e Jesuíta Barbosa entraram no filme?
(Na época) o Jesuíta nunca tinha feito um filme que tivesse saído no cinema. Ele já tinha filmado Tatuagem e Praia do Futuro, e o fotógrafo e o produtor do elenco do filme tinham visto ele e, no mesmo dia, me falaram do Jesuíta coincidentemente. Fui conhecê-lo e fiquei impressionada, porque ele era muito Jonas. Ele era tanto Jonas que me deu uma agonia. Precisei ver outros atores para voltar para ele. E a minha referência do tipo físico que eu queria para o Dandão era o Criolo. Chegou uma hora e falamos: por que não perguntamos para ele se quer fazer?. Ele quis e foi bem bom.