ABC - quarta-feira , 15 de maio de 2024

Ator se inspirou no pai para criar o personagem de ‘O Valor de Um Homem’

Ao receber sua segunda Palma de Ouro em Cannes, no domingo, 22 de maio – por Eu, Daniel Blake -, Ken Loach definiu o festival como um espaço de resistência. Daniel Blake é sobre a privatização dos serviços públicos e o sistema de humilhação e controle social que, cada vez mais, atingem a base da pirâmide. Esse tipo de discurso político contrasta com o que, para o público, faz o sucesso do maior festival do mundo – o glamour do tapete vermelho, os astros e estrelas. Tudo isso já estivera, de certa forma, em xeque quando Stéphane Brizé e Vincent Lindon apresentaram seu longa La Loi du Marché, no ano passado. O filme é sobre um desempregado que, a despeito de sua alta qualificação, termina indo trabalhar como segurança num supermercado. E vive um dilema – até onde ele irá para manter o cargo duramente conquistado?

Com o título de O Valor de Um Homem, o filme estreou na quinta, 26, nos cinemas brasileiros. Vincent Lindon ganhou o prêmio de interpretação em Cannes e, na sequencia, o César, o Oscar francês, de melhor ator. Não apenas faz o desempregado como contracena com não profissionais, porque o diretor Brizé queria manter o filme no registro do naturalismo. “Stéphane e eu tínhamos o projeto de outro filme, que seria sobre a delação. Como um homem, colhido numa situação limite, chega a esse extremo? Tivemos alguns acidentes de percurso e as coisas evoluíram muito até chegarmos a La Loi du Marché, A Lei do Mercado”, explicou o ator na coletiva em Cannes. E Brizé continuou: “Pela própria natureza do projeto, que fala de desemprego e questões éticas, sempre estivemos de acordo, Vincent e eu, que a produção não poderia ser convencional. De resto, até tentamos, mas, embora Vincent seja muito respeitado e tenha seu público, percebíamos que nenhum produtor encampava de verdade nossa ideia. Foi assim que O Valor de Um Homem tomou sua forma.”

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E que forma é essa? “Roteiro, produção, filmagem, financiamento, tudo tinha de tomar um formato mais alternativo. Produção quase sem orçamento, equipe reduzida, rodagem de apenas 18 dias e uma urgência na execução e no acabamento que tinha tudo a ver com o que estávamos contando”, resume Brizé. E Lindon: “Todo mundo se admira que eu seja o único ator profissional em cena, mas Stéphane e eu queríamos dar voz a outros tipos de profissionais. Na verdade, profissionais somos todos, só que eles não são atores. Temos gerentes, caixas de supermercados, encanadores, embaladores, cada um no seu papel, repetindo diante da câmera o que faz no dia a dia. Stéphane armou um sacré bordel ultra organizé, uma confusão dos diabos, mas muito bem organizada. Todos nos afinamos muito bem e essas quase três semanas se passaram muito bem. Todos queríamos o melhor para o filme e eles (os não profissionais) acharam importante que o filme fosse construído do seu ponto de vista.”

Ao agradecer o prêmio, Vincent Lindon dedicou-o ao pai trabalhador. “Toda a vida ele deu duro para a família. Quero acreditar que estou retribuindo, levando meu ofício de ator com a mesma integridade com que meu pai foi um profissional. Criei esse personagem com toda emoção e intensidade. Lamento, sinceramente, que não exista. Ou melhor, colocou nele um pouco de todos nós.” Em Cannes, O Valor de Um Homem foi recebido como o que é – um novo modelo de produção, e uma obra de arte, não apenas um panfleto político e social. Pode-se dizer o mesmo do Ken Loach deste ano. A confusão veio depois. Brizé e Lindon foram acusados de plágio. Em 2011, o diretor Patrice Deboosère enviou ao ator seu curta Lundi CDI, sobre um segurança de supermercado, com uma proposta – e se transformássemos o filme num longa?

Deboosère nunca recebeu resposta, até saber que o ator filmava com Brizé a história do segurança de um supermercado. Mesmo decepcionado, o diretor de Lundi CDI nunca levou adiante o processo por plágio. O próprio Brizé reconheceu: “O curta dele me permitiu descobrir o personagem do segurança, mas é como um policial. Não é porque o personagem seja um tira que um filme é plágio dos milhares de thrillers que já foram feitos.” No seu Facebook, Deboosère insistiu: “O personagem pode ser uma coincidência, mas o dilema moral, até onde ir, isso não é coincidência. De qualquer maneira, me alegra que meu curta anônimo tenha servido de inspiração para uma obra premiada, com um ator que admiro.”

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