O Governo Federal tem reduzido a sua participação no financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) na última década e fazendo com que cada vez mais os municípios arquem com grande parte da conta da saúde. Segundo a Abres (Associação Brasileira de Economia da Saúde) em 2010 a União respondia por quase 60% do gasto público de saúde, hoje, está em 42%. A situação foi agravada com a Emenda 95, conhecida como emenda do teto de gastos, que reduziu ainda mais os repasses federais para estados e municípios. Para analisar os números e falar das propostas da associação o RDTv ouviu o economista, professor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e vice-presidente da Abres, Francisco Funcia.
Segundo o economista o grande problema está na retirada de recursos do SUS pelo Governo Federal à partir de 2017 quando passa a vigorar a emenda constitucional 95. “No caso da saúde a emenda congelou o piso da saúde, ou seja, da aplicação mínima federal na saúde no valor do piso de 2017, corrigido pela variação apenas do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Nós já alertávamos, lá atrás quando o Congresso aprovou essa proposta de emenda constitucional, que isso faria com que o SUS perdesse recursos na medida em que a população cresce 0,8% ao ano e a população idosa cresce 3,8% por ano. Então à medida que você vai congelando os recursos da saúde, a cada ano que passa fica menos recurso por habitante para atender as necessidades da população. De 2018 a 2022 nós perdemos R$ 37 bilhões de aplicação no SUS. Dois terços do orçamento do Ministério da Saúde, são transferências para estados e municípios”, explica Funcia.
Nesta fórmula de financiamento da saúde pública, os municípios estão abraçando uma parcela maior do gasto. “Os municípios, na média, já estão aplicando muito acima do piso de 15%, na média aplicam 25%, mas é só pegar cidades do ABC, como Diadema, por exemplo, que aplica 35%. Os municípios não têm mais espaço fiscal para assumir mais despesas para compensar a queda dos recursos federais. Então vemos uma situação muito grave, o Estado não coloca recurso adicional, coloca muito próximo do piso do Estado que é de 12% e o governo federal tira recurso”.
PEC Emergencial
Para o vice-presidente da Abres, a solução seria revogar a emenda 95, ou criar uma ementa emergencial com regras de transição para garantir o financiamento do SUS. “Revogar a emenda 95 é uma medida indispensável. O Governo Federal tem capacidade de gastar acima do piso e o teto é que impede. Precisaria de uma PEC emergencial que tratasse das contas públicas de outra forma e não essa da emenda 95 que acha que é congelando que resolve o problema das contas públicas. Não resolveu e desde 2017 continua o déficit público e ainda prejudicou as políticas sociais, dentre elas a da saúde. Então revogar a emenda é importante, mas enquanto não revoga o Governo Federal tem instrumentos para aplicar mais em saúde. Enquanto não sai a PEC Emergencial, o Governo Federal pode assumir uma realocação das despesas dentro do orçamento para priorizar a saúde que essa sim é uma prioridade máxima da população”, analisa.
As eleições trouxeram o assunto do piso da saúde para o debate. O Conselho Nacional de Saúde, através da Comissão de Orçamento e Financiamento realizou um seminário há uma semana do qual participaram representantes de três candidaturas à presidência; Lula (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). “Foi colocada a necessidade da revogação da emenda 95, a necessidade de se buscar um novo piso para a saúde que não fique condicionado nem a esse congelamento da emenda 95 e nem à variáveis que sofrem os efeitos da dinâmica cíclica da economia. Quando entra em crise, cai a receita, vai ter menos recursos, só que quando a economia entra em crise é quando a população acaba precisando de mais atendimento da saúde. Então é contraditório, no momento em que a população precisa de mais atendimento, que você tenha menos recursos. A Abres fez uma proposta que tem uma regra transitória em que parte do valor empenhado em 2020 e 2021, acrescenta um fator que é a variação do IPCA, um outro fator que leva em conta o crescimento da população idosa e por fim outro que corrige a iniqüidade , ou seja, o tratamento desigual que foi dado nesses últimos anos e que congelou o piso.As candidaturas assumiram o compromisso de que o SUS precisa de mais recursos e que há uma prioridade de alocação de mais recursos”, disse Funcia.
Ainda de acordo com o economista, se descontadas as despesas com a covid-19, em 2020 o Governo Federal não teria aplicado o piso. “A perda que o SUS vem tendo desde 2018 é de tal tamanho que estamos gastando hoje o equivalente ao que se gastou no início da década de 2010, ou seja, estamos num gasto de saúde per capita semelhante a 2010, que foi o pico e depois começou a cair e não dá mais para cair. É fundamental que seja reforçado o financiamento tripartite e isso não está acontecendo nos últimos anos”, destaca o vice-presidente da Abres.
Funcia também criticou a política adotada pelo governo federal que reduziu o preço dos combustíveis através do corte no ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). “A primeira decisão equivocada de política econômica foi trazer uma ideia de que a inflação dos combustíveis era provocada pelo tributo, ora o ICMS sempre foi cobrado. O aumento do preço dos combustíveis é decorrência da política equivocada de preços da Petrobras, que fez com que os preços internos ficassem nos níveis dos preços internacionais. Na hora que reduz a alíquota do tributo para isso, quando os preços voltarem ao normal – e já começou a cair o preço do petróleo- , vai se arrecadar menos ICMS e vai reduzir o investimento em políticas públicas, dentre elas a da saúde. E vai ter que tirar dinheiro de outras fontes para compensar a queda do ICMS e vai prejudicar o financiamento da saúde por um erro grosseiro de política econômica de associar a inflação à tributação”.
Segundo o vice-presidente da Abres o governo federal é responsável hoje por 42% do gasto de saúde no Brasil, municípios ficam com 38% e os estados em torno de 26%. No início dos anos 2000 a união era responsável por 60% do gasto em saúde. “A Abres coloca na sua proposta que precisamos, no mínimo, chegar a 50% do gasto de saúde pago pelo Governo Federal. O gasto total, público e privado é de 9,6% do PIB em saúde, o gasto público em saúde está em torno de 3,9% do PIB sendo que o federal é 1,6% do PIB, o que a gente quer, que o gasto público total tinha que ser de 6% do PIB. O Brasil hoje gasta mais com o privado do que com o público. O país gasta igual a países desenvolvidos, mas lá a maior parte é gasto público. A gente precisa inverter, ter 6% do PIB no gasto público sendo 3%, ou seja, metade do governo federal. Sem isso a gente não consegue dar o salto para que tenha um financiamento estável em termos de valores per capita. No Brasil, a união, estados e municípios gastam R$ 3,90 per capita por dia, isso é menos do que uma passagem de ônibus ou de metrô. O gasto é muito baixo pelo que se faz, o SUS não é ineficiente, é muito eficiente para, com menos de R$ 4 por dia, fazer vacinação, consultas, exames de imagem, transplantes e com o complexo industrial da saúde. Quando mais a gente produzir as vacinas nas empresas públicas, que foram desmontadas ao longo do tempo, a gente melhora a oferta dos produtos e contribui para os preços, faz a assistência farmacêutica para a população e consegue ter a soberania sanitária para não ficar dependente, como na pandemia, da procura exacerbada por produtos importados”, completou Francisco Funcia.