De principal liderança da “onda azul” de 2016 a dúvida para a eleição de 2022. O ex-prefeito da Capital e ex-governador paulista, João Doria, vive um momento de tensão dentro do PSDB. Sem o apoio político dentro do partido e até mesmo dentro da chamada terceira via, o empresário pode ver seu nome retirado da disputa presidencial deste ano e ruir todo o trabalho feito nos últimos dois anos. O RD conversou com especialistas para entender quais chances Doria ainda tem para manter o seu nome e quais caminhos o fizeram derreter politicamente em seis anos.
Doria x PSDB: a judicialização
A Executiva Nacional do PSDB se reuniu na última semana e definiu que fará um encontro do João Doria para tentar convencê-lo de desistir da campanha eleitoral e prol da união da terceira via (ou centro democrático). O deputado federal Aécio Neves (PSDB/MG) chegou a dizer que, para alguns integrantes do partido, o nome do empresário “prejudicava” no cenário de alguns estados.
A busca por um entendimento pacífico também é justificada pelo entendimento dos apoiadores de Doria de que as prévias realizadas em novembro do ano passado precisam ser respeitadas, o que é colocado pelo estatuto do partido, em seu artigo 152. “Os candidatos vencedores em eleições prévias terão seus nomes homologados nas Convenções convocadas para este fim”. Tal fato é usado para uma possível judicialização da situação.
Por outro lado, PSDB e Cidadania aguarda a homologação do pedido de federação. Caso ocorra, há o entendimento de que todas as decisões anteriores não vão valer e assim as prévias de novembro seriam “anuladas”.
“Se o PSDB sair com uma candidatura única, eu não tenho nenhum medo de dizer que o candidato tem que ser o Doria. Se for uma chapa pura do PSDB, ou seja, candidato a presidente e candidato a vice do mesmo partido, não tenho como não dizer que será o Doria por causa do estatuto do PSDB, sem controvérsia. Uma controvérsia só vai surgir por causa da federação, que é uma nova pessoa jurídica, pois tem um tempo maior do que uma coligação para uma eleição, então me parece que essa nova figura jurídica ainda não decidiu a respeito de uma candidatura, então penso que aí sim seria uma possibilidade de mudar a escolha do candidato com a federação e não mais o PSDB”, explicou o advogado especializado em Direito Eleitoral, Leandro Petrin.
“As decisões do passado não vão continuar. As decisões do passado das duas legendas que estão formando da federação, caso essa federação ocorra mesmo, ela não vai vincular questões do passado de ambos os partidos, então as prévias perderiam esse objeto, pois não falaríamos apenas da escolha de um partido, mas também de outro que se soma e que constrói um terceiro com a federação”, completou o advogado especializado em Direito Eleitoral, Renato Ribeiro de Almeida.
Outro ponto de uma possível judicialização do caso é o processo contra o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, para que devolva os cerca de R$ 10 milhões gastos com as prévias do ano passado. Neste ponto os especialistas não apontam qualquer possibilidade de que isso siga em frente, pois tal situação teria que ser analisada na prestação de contas do partido e não em relação a confirmação do resultado das prévias.
Doria e a política: do não político ao não apoio
Em 2016, uma expressão inglesa virou moda entre os políticos: “outsider”. A tradução literal é “estranho”, mas na política definiu as figuras que não tinham uma relação histórica com partidos, que não eram definidos como “políticos profissionais” e que passaram a ganhar força com os eleitores. Nos Estados Unidos, tal fato credenciou Donald Trump a se eleger presidente. No Brasil, João Doria conseguiu emplacar essa imagem, que foi replicada até mesmo por aqueles que estão no meio político-partidário há anos.
A mistura da figura do empresário com a do anti-PT deu a Doria a chance de governar a principal cidade do País e depois de vencer de maneira apertada a disputa pelo comando do Palácio dos Bandeirantes. Ao mesmo tempo, afastou figuras históricas do tucanato como Geraldo Alckmin e aproximou parte do partido para o discurso defendido por Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Hoje, Doria está afastado do bolsonarismo e não consegue mais emplacar a figura do não político.
“Eu acho que o Doria errou quando foi para o rompimento muito cedo, em 2019, com o Jair Bolsonaro. Acho que ele apostou que o Bolsonaro seria um presidente com uma série de deficiências, como foi, com um certo limite de articulação política, de montagem de grupo de gestão. Ele (Doria) apostou que era o dono do corredor da direita, que era o mais qualificado e que seria candidato a presidente em 2022. O eleitor que tinha votado nele e no Bolsonaro achou o movimento exagerado e ficou com o Bolsonaro nessa briga. Quando veio a pandemia a rede bolsonarista conseguiu incutir no Doria a culpa pelo fechamento do comércio, o problema econômico. Acontece que a gestão da vacina foi um fato muito importante, mas analisando as pesquisas esse é um fato que agrada muito um eleitor da esquerda, que não tem identidade com o Doria”, aponta Renato Dorgan, especialista em pesquisas quantitativas e qualitativas do Instituto Travessia.
“Eu justificaria essa queda do Doria em três pontos. O primeiro é o indivíduo Doria, que foi um outsider, mas que não era como o Bolsonaro, por exemplo. O Bolsonaro tinha um discurso muito destinto da política tradicional e foi lançado assim. Mas o Bolsonaro tem uma trajetória longa na política e sabe como funciona. O Doria se desenvolveu em outro ambiente, o empresarial, pensando de uma maneira diferente, de maneira pragmática e racional, e excesso de pragmatismo na política é muito perigoso, pois na política tudo muda rapidamente. O que me parece é que o Doria sempre tenta ler o contexto para dar o próximo passo. Foi prefeito, rapidamente foi governador e já queria ser presidente, querendo tudo muito rápido. Ele é vítima dele próprio, ele não é da política. Hoje ele está em um contexto bastante desfavorável para o centro. Os polos da esquerda e da direita estão hipertrofiados, e o centro está muito apertado, e esse é um problema para todos da terceira via. O último ponto é que o fato do centro está muito apertado faz com que a popularidade dele e de todo o candidato de centro fique apertada. O Bolsonaro tem uma base sólida, o Lula tem uma base sólida e o centro tem essa dificuldade, o que gera desgaste dentro do próprio partido, local em que ele também é um outsider, pois o Doria tem uma trajetória destinta de outras figuras do partido”, justificou Diego Sanches, professor de Ciência Política da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Doria e o ABC: da influência a divisão
João Doria iniciou sua trajetória com o ABC ainda em 2016. Vencedor da eleição para prefeito da Capital e principal expoente da chamada “onda azul”, o empresário veio apoiar seus colegas de partido que disputavam o segundo turno, principalmente o então candidato a chefe do Executivo de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB). O então deputado estadual replicou a campanha do partido em São Paulo e conquistou a vitória, assim como Paulo Serra (PSDB) em Santo André e José Auricchio Júnior (PSDB) em São Caetano.
A segunda fase desta relação seguiu em 2018, quando Doria venceu Márcio França na disputa eleitoral no ABC. Apesar da vitória no Estado, na região o tucano obteve menos votos que o socialista. Foram 662.441 contra 691.427 no segundo turno. Doria venceu apenas em Santo André e São Caetano. Nos bastidores houve quem tentasse emplacar que Serra e Auricchio não se dedicaram tanto na campanha tucana, o que foi deixado de lado pouco tempo depois.
Como governador João Doria teve que lidar com duas situações sobre as sete cidades. A primeira foi a forte chuva de março de 2019, que fez com que o Governo do Estado tentasse tirar do papel o projeto do Piscinão Jaboticabal. O segundo ponto foi sobre a linha 18-Bronze, do Metrô. Mesmo como projeto pronto e o consórcio aprovado para a obra, a proposta foi esquecida e trocada pelo BRT-ABC e a mudança do projeto da linha 20-Rosa. O primeiro teve as obras iniciadas em março de 2022, com direito a visita de Doria em São Bernardo. O segundo ainda carece de avanços no projeto.
O momento de divisão ocorreu nas prévias tucanas. Paulo Serra foi um dos coordenadores da tentativa do então governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para ser o pré-candidato a presidente. Orlando Morando entrou na base de apoio de Doria. Durante todo o processo o clima esquentou e a divisão de opiniões chegou nos debates regionais, o que causou uma cisão entre os prefeitos.
João Doria venceu as prévias, mas o atual cenário na região é bem diferente. Seu nome não é mais citado e o foco principal do tucanato do ABC é tentar emplacar o nome de Rodrigo Garcia para a reeleição ao comando do Palácio dos Bandeirantes.