Por dentro da Cripta da Sé, ao som da música

Ontem (5) de manhã, um garoto entrou na Catedral da Sé e, em vez de rezar, tocou Asa Branca no violão. O pai estava do lado e não aplaudiu: tinha as mãos ocupadas na teorba, um instrumento raro, criado no século 16, que lembra um bandolim comprido e com muito mais cordas.

Na verdade, pai e filho faziam a passagem de som para uma série de concertos que, a partir de hoje (6), acontece em comemoração aos 100 anos da Cripta, salão 7 metros abaixo do altar-mor. Lá, descansam restos mortais de bispos, arcebispos e outras figuras históricas de São Paulo.

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Com acesso restrito, a Cripta é mais antiga do que a própria Catedral, inaugurada só em 1954. Normalmente, o espaço só recebe visitações guiadas (R$ 7), mas para celebrar o centenário será aberto às 16 horas dos sábados, com apresentações gratuitas de música clássica a MPB. A programação está prevista até março de 2020.

Cura da Catedral, o padre Luiz Baronto afirma que o objetivo é “estabelecer diálogo com a sociedade”. “Como foi a primeira parte da Igreja a ficar pronta, a Cripta tem uma relação mais antiga com a cidade. Ela guarda um pouco da história do Brasil e de São Paulo.”

Construído com arcos de tijolos e piso de pedra vulcânica e mármore, o espaço já chegou a abrigar o corpo de Santos Dumont (1873-1932), antes de ele ser enterrado no Rio. Hoje, tem 18 das 32 câmaras mortuárias ocupadas – a mais recente é do cardeal d. Paulo Evaristo Arns, símbolo de resistência à ditadura militar, que morreu em 2016.

Também está sepultado lá o Cacique Tibiriçá (1470-1562), primeira pessoa a ser registrada como paulistana. A Cripta abriga, ainda, Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), o “padre voador”, considerado precursor da navegação aérea, além do regente Diogo Antônio Feijó (1784-1843), o primeiro líder político a ser eleito no País, durante o Império.

“Entendemos que a Catedral tem o papel de promover cultura, guardando o devido respeito ao espaço sagrado”, afirma Baronto. “Naturalmente, o evento deve atrair pessoas que não virão por questão de fé, mas arte e cultura também são instrumentos que levam a Deus.”

História

Cerca de 30 concertos estão previstos na Cripta e em outros cinco locais da Catedral, incluindo a nave central e o salão do piano. A lotação varia entre 80 e 120 pessoas e os ingresso devem ser retirados com até uma hora de antecedência.

Para o diretor-geral do projeto, Camilo Cassoli, a história do local anda lado a lado com a da cidade. “A inauguração da Cripta coincide com São Paulo deixando de ser uma cidade de médio porte para se tornar uma metrópole”, diz. “Em fotos, conseguimos ver que a própria construção foi feita por imigrantes.”

Por isso, os concertos têm foco na relação da Catedral com a Praça da Sé, marco zero de São Paulo. Os temas vão tratar de quando a região era só Mata Atlântica, falar do período do café, descrever a chegada do Metrô e até das últimas ondas migratórias, com refugiados do Haiti e da Síria. “A Praça é o retrato de como a cidade vai mudando. Uma história que vivemos agora e também podemos influenciar.”

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