Contrato Social: Para muito além da padronização

A necessidade de rapidez e agilidade nos negócios não pode, e nem deve, pactuar com o descuido no momento da contratação entre sócios. A fácil disponibilidade de “modelos” certamente contribui ao descaso com que os contratos sociais têm sido tratados até mesmo por profissionais que conduzem a constituição de uma pessoa jurídica, preferindo a “padronização” oferecida indiscriminadamente pelas Juntas Comerciais e pelos milhares de sites na internet. A facilidade do “copia e cola” tem um preço caro e amargo.

Se para o leigo, o contrato social pode não aparentar relevância ou representar nada mais que um dos muitos documentos exigidos numa extensa cadeia de formulários e autorizações conhecidos pela tão decantada burocracia do meio empresarial, ao profissional não é digno portar-se da mesma maneira, pois seu dever é o de instruir e alertar o futuro empresário sobre a importância superlativa desta espécie contratual.

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Bom que se diga, a importância do contrato social independe e tampouco se relaciona ao “tamanho” do empreendimento. Em palavras mais claras, não por ser uma microempresa, um negócio familiar ou um investimento que envolva alguns milhares de reais, em nenhum destes casos o contrato social terá maior ou menor relevância porque seu mérito não se confunde com grandezas de valor ou com o aporte em dinheiro que empresário irá dispor do seu patrimônio.

Outro ponto que merece reflexão: numa compra e venda ou na locação de um imóvel (para ficarmos entre as espécies contratuais mais conhecidas e rotineiras), o interessado invariavelmente busca auxílio e consultoria do seu advogado de confiança, por ser este o profissional tecnicamente habilitado para elaboração do contrato dado que próprio da profissão conhecer as nuances que mantém o equilíbrio da contratação.

Se é assim numa compra e venda, por qual razão o contrato social é elaborado em âmbito dos escritórios de contabilidade? Se o contrato social é uma das tantas espécies contratuais previstas na legislação brasileira, por qual razão efetivamente sua elaboração é relegada a um profissional cuja expertise seja outra que não a do Direito? Por qual razão se exige especialização profissional na elaboração de um contrato de locação e o mesmo não é exigido na constituição de uma pessoa jurídica?

Uma resposta possível à falta de importância que, infelizmente, é dada a tão essencial instrumento societário necessitará de desprendida autocrítica dos profissionais do Direito e da Contabilidade. Pessoalmente, acredito fortemente que uma boa saída será encontrada na intersecção destes dois importantes ramos, tendo de um lado o profissional capaz de “traduzir” juridicamente o que os sócios pretendem explorar e de outro o profissional que conhecerá a melhor maneira e método de valorar o empreendimento segundo normas contábeis hoje globalmente exigidas.

A resposta da questão anterior também poderá ser uma via para entender a razão da pobre padronização dos contratos sociais como mero documento obrigatório da pessoa jurídica: o uso de “modelos” sem adequação à realidade e individualidade de cada pessoa jurídica é subproduto da mistura e confusão entre estes profissionais, vez que de um lado, advogados alegam que o contrato social “é coisa de contador” e de outro, o profissional da contabilidade tem funções das quais o ramo jurídico não lhe pode ser imposto. O que não pode de nenhuma maneira é expor o futuro empresário às fragilidades de um instrumento contratual que em nada ou pouco lhe protegerá no exercício empresarial.

E aqui faço o esforço da autocrítica para que entre profissionais do Direito e Contabilidade as tais “reservas de mercado” não desmereçam um assunto que é de suma importância, pois creio que esta é uma via que, na verdade, só levará ao desmerecimento profissional de ambos os lados, e para que não restem dúvidas, o contrato social deve servir mesmo ao seu usuário – o empresário – e é este o foco que não deve ser ofuscado.

Em última análise, é o empresário que deve refletir sobre algumas simples questões. Por exemplo: as quotas de capital da sociedade e o patrimônio da pessoa jurídica geram direitos hereditários. Imagine um empresário que, ao constituir sua pessoa jurídica, incluiu como sócio, aquele primo ou cunhado distante e que não exercerá nenhuma função, somente para formar sociedade e cumprir as exigências de registro do contrato social. Em caso de falecimento daquele sócio que nunca exerceu a atividade empresarial, a participação societária será levada a inventário e seus herdeiros terão todos os direitos (e deveres, claro) garantidos por lei. O empresário que efetivamente empreendeu sabe se os herdeiros poderão ou não participar da sociedade? Está de fato preparado para vivenciar esta situação? Sabe quanto, quando e como deverá pagar aos herdeiros do ex-sócio? O profissional que lhe atendeu explicou antecipadamente que existem formas seguras de constituição empresarial que dispensaria a figura do outro sócio?

As respostas para estas questões de relevo dependem exclusiva e intimamente de um contrato social elaborado com técnica e conhecimento inerentes ao profissional habilitado, o advogado. Afinal, um contrato social “padronizado”, registrado sem ressalvas pelas Juntas Comerciais, não significa que tenha substância e seja positivamente útil aos sócios. Por fim, se as empresas que atuam num mesmo ramo têm suas peculiaridades que as diferenciam umas das outras, é correto afirmar que o contrato social também deve refletir obrigatoriamente esta à individualidade e particularidade, o que é impossível com o uso daqueles “modelos” padronizados.

Alexandre Pantoja é advogado, especializado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
 

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