Cultura do excesso estimula jovem a beber

Festas open bar e jogos com premiação com uso do álcool se tornaram comuns entre jovens (Marcos Santos/Fotos Públicas)

 O caso do estudante de engenharia elétrica de 23 anos que morreu em fevereiro, em Bauru, pela ingestão excessiva de álcool, ilustra o problema social que consiste no exorbitante consumo de substâncias psicoativas por jovens. Festas open bar e jogos que premiam quem consegue ingerir a maior quantidade de álcool sem desmaiar fazem parte da cultura do excesso compartilhada atualmente. Esse pensamento, que traz efeitos nocivos a uma geração inteira, é o foco de um problema que, apesar de gerar muito alarde, não faz parte do centro de atenção das políticas públicas.

O excessivo consumo de álcool traz consequências comportamentais e biológicas aos jovens. As preocupações causadas pela intoxicação alcoólica nessa faixa etária são distintas das causadas pela intoxicação adulta. “Os efeitos comportamentais são mais alarmantes por exporem os adolescentes a situações de risco”, explica Zila Sanchez, médica pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Dentre as circunstâncias de risco mais frequentes ocasionadas pela redução de percepção de perigo do jovem estão a realização de sexo sem proteção e o envolvimento em brigas.

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Biologicamente, o consumo de álcool por jovens também traz questões preocupantes. A intoxicação severa leva ao coma e pode gerar até morte. Além disso, o consumo abusivo recorrente pode prejudicar o desenvolvimento cerebral. “Na adolescência, são formadas habilidades cognitivas importantes a partir de conexões cerebrais, que podem ser lesadas pelo consumo do álcool”, esclarece. Outro problema biológico envolve a dependência. “Muitos estudos mostram que quanto mais cedo a pessoa ingere álcool, maiores são as chances de se tornar um dependente”, afirma. Apesar do uso ser visto apenas de maneira experimental durante a juventude, a dependência se instala na idade adulta.

Os últimos dados nacionais divulgados sobre o alcoolismo entre jovens são do 2º Levantamento Domiciliar no Brasil, que constatou que 54,3% dos adolescentes entre 12 e 17 anos consumem álcool, percentual que sobe na faixa etária de 18 a 24 anos, na qual 78,6% fazem uso da substância. Os números são alarmantes, mas, para Zila, o problema que mais cresce nos últimos anos é a quantidade de álcool consumida pelos jovens. “Essa cultura do excesso faz com que eles não bebam para se divertir, mas sim para cair”, comenta. E a questão, intensificada pelas festas open bar, por exemplo, não é contestada pelas prefeituras. “O problema está aí e não há política pública que o faça diminuir”, afirma Zila.

Motivação
As principais motivações para os jovens procurarem o álcool são a adaptação ao ambiente social, um estado de não consciência, uma luta contra a timidez e necessidade de descontração para tratar os problemas. “Os adolescentes procuram um grande remédio no álcool”, afirma Manuel Morgado Rezende, coordenador do grupo de pesquisa Promoção de Saúde e Consumo de Substâncias Psicoativasdo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo.

Para resolver o problema, o psicólogo afirma que qualquer movimento que esclareça os efeitos do consumo de substâncias psicoativas aos jovens é bem-vindo. Porém, é necessário que o diálogo permita o posicionamento dos adolescentes. “A palavra chave da campanha deve ser educação”, diz. Segundo Morgado, é preciso entender que a preocupação central deve passar da proibição do álcool para a orientação de como travar uma relação saudável com a substância.

São Bernardo faz campanha de conscientização sobre tema

A campanha Cidade Responsável, realizada pela Prefeitura de São Bernardo, tem como uma das frentes o trabalho de conscientização da população em relação ao consumo de álcool por jovens. O guia Falando Sobre Bebidas Alcoólicas Com Seus Filhos, distribuído pelos agentes de saúde da cidade traz argumentos e orientações para travar uma conversa sobre o assunto.

Fábio Souza, responsável pela Divisão de Educação Permanente da Secretaria de Saúde, explica que a iniciativa teve como principal motivação a prevenção. “Aproveitamos o material para discutir com a sociedade um tema de grande relevância que não é fácil de ser colocado em pauta”, diz. Ao longo da campanha, durante agosto, os agentes de saúde estarão focados na distribuição do guia e na realização de visitas que visam orientar a população.
 

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