Acessibilidade engatinha na região

Degraus em ruas e calçadas se tornam verdadeiros obstáculos para quem tem algum tipo de dificuldade de locomoção (Foto: Marciel Peres)

Calçadas esburacadas, lixeiras e orelhões mal posicionados, placas obstruindo a passagem. O cenário, que representa uma seleção de obstáculos para qualquer pedestre, torna-se um verdadeiro martírio para quem possui alguma deficiência física ou dificuldade de locomoção.

Apesar das recentes tentativas do poder público em tornar os passeios mais acessíveis à população com mobilidade reduzida, apenas Santo André possui legislação específica para acessibilidade em calçadas, ao criou ano passado o Programa de Recuperação de Calçadas.

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Enquanto isso, os mais de 246 mil moradores da região que possuem algum tipo de deficiência, ou seja, pouco mais de 10% de toda a população do ABC, sofrem para andar pelas calçadas, utilizar os ônibus e até mesmo entrar em prédios públicos. Apesar das regiões centrais dos municípios estarem mais preparadas para receber estas pessoas, as periferias ainda deixam muito a desejar. Nem mesmo as legislações de âmbito estadual e federal têm surtido efeito.  

O fato é que a grande maioria das calçadas na região é intransitável para os portadores de necessidades especiais. “São muitas barreiras, buracos, pisos soltos, declives, arbustos, árvores com raízes aparentes e galhos baixos, além de placas e cavaletes que dificultam muito a passagem”, relata Carlos Alberto dos Santos, deficiente visual e presidente da Acide (Associação pela Cidadania da Pessoa com Deficiência).

Embora os centros das cidades tenham calçadas mais acessíveis, com rampas e pisos táteis, a periferia está atrasada no assunto. “Percebemos que agora os imóveis em construção já são entregues com condições de acessibilidade, mas os antigos não têm esse cuidado”, avalia Carlos Alberto dos Santos.

O cadeirante José Carlos Rodrigues também reclama quando o assunto é andar pelos passeios públicos da região. “A cidade cresce sem planejamento urbano e muitas calçadas são intransitáveis até para os pedestres sem necessidades especiais. Para nós que temos mobilidade reduzida fica impossível. Temos de andar pela rua, dividindo espaço com os carros”, afirma.

Legislação exige passeio acessível em Santo André

Em vigor no município desde junho do ano passado, o Programa de Recuperação de Calçadas foi uma solicitação dos próprios moradores de Santo André, com fiscalização da Prefeitura, que visa melhorar a acessibilidade dos pedestres. Os moradores receberam um manual com orientações sobre reforma e conserto de calçadas, que é responsabilidade do proprietário da casa.

Degraus estão proibidos e a espessura da calçada deve ter no mínimo cinco centímetros, com inclinação de 2% entre a divisa do lote e a guia alta. Os materiais permitidos para a construção ou recuperação das calçadas são concreto com acabamento semirrústico e ladrilho hidráulico. Os pisos não podem ser derrapantes ou trepidantes. Os imóveis novos que não apresentarem na planta as especificações corretas não recebem o Certificado de Conclusão da Obra.

De acordo Fernando Luiz Rondina Guedes, diretor do Departamento de Vias Públicas, até agora a fiscalização é feita apenas em três áreas pilotos: Centro, vila Bastos e parte do bairro Casa Branca. “Notamos boa aceitação dos moradores. Queremos fazer uma campanha de conscientização na cidade toda e estamos estudando quais outros bairros serão fiscalizados”, adianta.

No centro foram feitas 212 notificações, com 77 regularizações e 32 multas aplicadas. Na vila Bastos, foram 195 notificações, com 63 regularizações e 16 multas. Já no bairro Casa Branca foram realizadas 70 notificações, mas ainda não foi fechada a quantidade de regularizações e multas. O valor da multa é de R$ 27,79 por metro linear de calçada.

Poder público tem de assumir, diz educador

Com quase 246 mil habitantes com algum tipo de deficiência, segundo as prefeituras, o ABC ainda está longe de ser uma região preocupada com a população com dificuldades de locomoção. Pisos escorregadios, ausência de corrimões e calçadas irregulares são apenas alguns dos obstáculos quase intransponíveis para essa camada especial da população.  

Segundo o pró-reitor de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas da Universidade Federal do ABC (UFABC), Joel Pereira Felipe, determinados obstáculos prejudicam qualquer cidadão, principalmente quem possui limitações. “Em algum momento, todos nós temos de andar pelas ruas e avenidas para desviar de postes, caixas de correio, orelhões, barracas de ambulantes e bancas de jornais instalados com a permissão e a licença do poder público e que reduzem a largura das calçadas”, lembra o professor.

Para Felipe, os governos municipais deveriam assumir a reconstrução de todas as calçadas das cidades, porque as declividades, os pisos escorregadios, os buracos e obstáculos só podem ser eliminados com projetos e investimentos públicos. “Antes de tudo, precisa haver entendimento de que as calçadas são públicas e não privadas”, completa.  

“O poder público se omite ou por economia ou irresponsabilidade. Seria um programa de longo prazo, indo de bairro em bairro”, afirma. Na opinião do professor, o sistema de transporte coletivo é o que está mais atrasado na adaptação para as pessoas deficientes e com mobilidade reduzida. “Temos conhecimento que os veículos têm prazo para a adaptação ou substituição com a renovação das frotas, mas as empresas sempre conseguem acordos com as prefeituras adiando a adaptação”, lamenta.

Idosos
Estima-se que a população com mais de 60 anos de idade no Brasil deva chegar a 30 milhões de pessoas em 2020. Só o ABC conta atualmente com quase 276 mil idosos. Para isso, a OMS (Organização Mundial da Saúde) produziu um guia global das Cidades Amigas do Idoso que indica quesitos de melhorias no transporte, na habitação e na participação social para garantir sua segurança e acessibilidade.

Para o diretor da Associação dos Aposentados do Grande ABC, Lourival Santos Silva, o ABC está longe de conquistar o título Amigas do Idoso. “Tem cidade que faz caminhada para o idoso, miss terceira idade, olimpíadas para o idoso, mas o idoso precisa de coisas concretas, que facilitem a vida deles, e não somente festas”, critica Lourival.

Além de problemas com a acessibilidade, o diretor aponta como os maiores problemas os letreiros muito pequenos dos ônibus, os pontos sem indicação de linhas, a falta de espaço para os idosos nas agências bancárias e o despreparo dos atendentes em diversas instituições públicas.

OAB critica desobediência

Não é por falta de legislação que os deficientes físicos e portadores de mobilidade reduzida ainda encontram obstáculos nas calçadas, nas vias, prédios públicos e setor de transporte. No âmbito federal, há a Lei 10.048/2000, que dispõe sobre o atendimento prioritário a essa camada da população, e a de número 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Apesar disso, as três esferas do governo, juntamente com a postura da sociedade, deixam muito a desejar.

Cássia Alexandra Candido, vice-presidente da Comissão das Pessoas com Deficiência da OAB de Santo André, salienta que de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), o Brasil é um dos países que mais se preocupam com a pessoa com deficiência no que tange à legislação. O que falta, segundo a especialista, é colocar em prática as leis.

“O descaso e o descumprimento destas legislações pelo poder público e sociedade civil são notórios, equivalendo à retroação de centenas de anos, sacrificando o exercício dos direitos dessas pessoas. Da análise das referidas leis, verifica-se que os prazos para a promoção do atendimento prioritário e da acessibilidade encontram- se, na maioria, expirados, sendo que os problemas persistem”, afirma.

 “Vale ressaltar que estes problemas não são apenas de cunho do poder público. Falta investimento sim, mas há também um problema cultural. A própria sociedade muitas vezes dificulta a mobilidade destas pessoas, colocando lixo na calçada ou parando carro em vagas destinadas a cadeirantes”, completa.

Segundo a vice-presidente da comissão, é por isso que se faz necessário apontar soluções jurídicas para impor a efetivação deste atendimento prioritário. “Neste sentido, são indicadas, dependendo de cada caso, as ações civis públicas, os termos de ajustamento de conduta e as ações individuais, como soluções hábeis à observância das normas”, completa.

Atendimento
Os plantões da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB de Santo André ocorrem todas as terças-feiras, na Casa do Advogado, à avenida Portugal, 233, Centro. Para ser atendido basta comparecer entre as 8h e 9h, com RG, CPF, comprovante de renda e de residência em Santo André.

Nem 40% do transporte público está adaptado

A A locomoção de portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida por vias, prédios ou transporte público no ABC é precária. Da frota atual de 1,2 mil ônibus, menos de 40% são adaptados. Nos equipamentos públicos municipais, apenas os novos ou antigos que passaram por reforma após lei 10.098, de 2000, estão adequados. No comércio, a maioria dos estabelecimentos não está apta adaptada, de acordo com associações comerciais.

Alexandre Francisco, assessor de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência do Departamento de Humanidades da Prefeitura de Santo André, explica que a primeira ação do município, após criação do departamento, foi adaptar o transporte público em 2009. “Não havia ônibus adaptado, hoje são 90, entre os 402 da frota”, comenta. A expectativa é que até 2014 toda a frota esteja adequada à lei.

A capacitação dos profissionais do transporte coletivo também é necessária, já que motoristas e cobradores ainda precisam entender as peculiaridades de cada deficiência, segundo Francisco. Em relação aos prédios públicos, aqueles tidos como patrimônio histórico ainda são problema para receber adaptações. “Podemos dizer que em Santo André, 99% dos equipamentos públicos estão adaptados e os tombados já estão em processo para  adequação”, afirma.

Dos 365 veículos que operam em São Bernardo, 37% possuem acessibilidade universal. A expectativa da administração é que em 2 anos toda frota esteja adaptada. Em relação aos prédios públicos, as construções vêm adaptadas, enquanto as existentes a mudança ocorre na reforma.

Em São Caetano, 65% da frota de ônibus é adaptada (28 veículos) e, na próxima semana, serão entregues 10 táxis adaptados à população. O município, que criou em 2010 a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e/ou Mobilidade Reduzida, informa que todos os prédios públicos têm acessibilidade, inclusive teatros e parques, por rampas e/ou elevadores.

Mauá é o único município com 100% da frota (200 ônibus) acessível. Em Ribeirão Pires, 85% da frota de 45 veículos está de acordo com a lei da acessibilidade.

Comércio precisa se preparar

Marcio Tadeu Pereira, assessor da Presidência da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André), destaca que alguns comerciantes ainda não se deram conta do tamanho do mercado de portadores de deficiência e com mobilidade reduzida. “Ainda observamos valet em cima da calçada, calçadas desapropriadas”, lamenta. Segundo Pereira, 90% do comércio de Santo André precisa se adaptar.

A mesma observação é feita por Gildo Freire Araújo, presidente da ACE (Associação Comercial e Empresarial) de Diadema. De acordo com Araújo, apesar de nunca ter recebido denúncia por causa da falta de espaços acessíveis no município, os pequenos comerciantes ainda precisam investir em rampas, pisos específicos e calçadas adaptadas.

Para Maria Celia Salles Ferreira, diretora do Ciesp São Bernardo, as empresas estavam mais focadas na questão das cotas, mas depois se adaptaram fisicamente. “Acredito que o problema maior é externamente, com a deficiência no transporte coletivo e as calçadas. Os locais (empresas e indústrias) estão preparados, mas chegar ao posto de trabalho é difícil”, observa.

Fala Povo
“O ABC tem todos os problemas de acessibilidade possível. Quando precisei de cadeira de rodas tive problemas, porque os motoristas estacionavam em frente às guias rebaixadas”. – Waldemir Fernandes, advogado.

“Acho que os estabelecimentos não são acessíveis para as pessoas que usam bengalas ou cadeira de rodas. O mesmo acontece com os ônibus. Isso precisa ser cuidado”. – José Davi Alves, aposentado.

“A praça do Carmo, em Santo André, está cheia de buracos. A Prefeitura arruma, arruma, mas nunca fica bom. Fora os ônibus que não respeitam as pessoas que usam bengala como eu”. – Luiz Romano, aposentado.

“As calçadas estão horrorosas, complicadas para a gente andar; cheias de buracos, não têm como andar direito”. Acho isso um absurdo. – Maria Pisoni, pensionista.

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