Mais de 160 menores são vítimas de abuso sexual por ano no ABC

São Bernardo registrou 81 casos em 2010, o maior índice
Santo André observou 79 crianças e adolescentes vítimas de abuso em 2010 / Foto: Marciel Peres
No mínimo 162 menores de idade são vítimas de abuso sexual a cada ano no ABC. Em 2010, foram 79 casos em Santo André, 81 em São Bernardo e 2 em São Caetano, segundo as prefeituras. As vítimas são acolhidas pelos serviços sociais e de saúde oferecidos pelos municípios e encaminhadas para tratamento. Apesar de importante, o registro do Boletim de Ocorrência não é obrigatório para o atendimento na rede de saúde.
 
São Bernardo mantém ações de prevenção e enfrentamento das situações de abuso e de exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes na Fundação Criança, em parceria com o Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância). Em 2010, foram 81 atendimentos relacionados a abuso sexual em crianças ou adolescentes no município e três casos de exploração sexual envolvendo adolescentes, sendo duas meninas e um menino. 
 
Em 2010, São Caetano notificou dois casos de pedofilia, sendo que em um deles o abusador era o padrasto e no outro o vizinho – ambos pedófilos foram condenados. O município conta com dois programas de prevenção e assistência às crianças, jovens e adultos que sofrem abuso sexual: o Renascer e o Creas (Centros de Referência Especializados da Assistência Social). “Temos um serviço em rede, o que garante facilidade e agilidade na resolução dos problemas”, comenta Maria Aparecida da Silva, coordenadora geral do Programa Renascer.
 
Santo André observou 79 crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual em 2010. O acolhimento é realizado nos serviços de urgência e emergência e o atendimento médico e psicológico é realizado pelo ARMI (Ambulatório de Referencia para Moléstias Infecciosas de Santo André).  Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não forneceram dados em relação ao número de casos de abusos sexuais em menores de idade.
 
Diadema lança plano
 
Diadema lança neste ano o Plano Municipal de Enfrentamento ao Abuso Sexual, Violência Sexual, Comercial e Tráfico de Crianças e Adolescentes. Atualmente, o município conta com um Comitê Municipal de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, convênio com o Crami (Centro Regional de Maus-Tratos à Infância) e Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social), além da Ravis (Rede de Atenção à Violência Sexual) para o combate e tratamento da violência sexual.
 
Atendimento
 
Normalmente os casos agudos (até 72h da ocorrência) são encaminhados para hospital ou pronto-socorro para realização de procedimentos de contracepção de emergência e profilaxia de DST/AIDS. Depois, os casos são encaminhados aos centros de referência para tratamento. As ocorrências que ocorrerem depois do período de 72h e os casos crônicos, em que há violência sexual contínua, o encaminhamento da vítima é feito para a UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima.
 
Monitorar filho é a saída
 
Quando o assunto é segurança, a melhor maneira de proteger a criança dos conteúdos impróprios na Internet é estabelecer conversa quanto à visualização do material e se envolver ativamente das suas atividades na Internet, pelo menos até os 10 anos de idade. As instruções disponíveis na cartilha de segurança desenvolvida pela Microsoft Brasil.
 
A conversa franca com a criança é também defendida por Leandro Cruz, desenvolvedor do software Kidux – www.kidux.com.br – ,que monitora sites que as crianças utilizam na Internet. “Mas nenhum programa de computador vai substituir a conversa do pai com o filho”, defende.
 
Segundo Cruz, os pais devem tomar cuidado, principalmente, em três pontos: não deixar o filho usar sozinho a Internet, especialmente de madrugada, manter o computador num lugar comum da casa e prestar atenção se informações pessoais são divulgadas. “Os responsáveis devem prestar atenção se dados, como nome da escola, telefone e fotos que identificam o poder aquisitivo da família são divulgados pelas crianças”, ensina.
 
Outro meio é limitar o uso do computador num horário estipulado com a criança e restringir o uso a apenas sites considerados apropriados. “A criança não está preparada para o conteúdo que vai acessar, o papel dos pais é auxiliar nessa atividade”, conta.Os pais que desejam filtrar o conteúdo acessado pelo filho através do computador de casa podem utilizar recursos já existentes, como o Windows Live Proteção Para a Família, disponível no Windows 7- www.microsoft.com. O programa de segurança criado pela Microsoft foi desenvolvido em parceria com a AAP (Academia Americana de Pediatras) e visa orientar os pais de acordo com a faixa etária dos filhos.
 
Internet camufla ação
 
Por meio de sites de relacionamentos, o pedófilo cria laços / Foto: Marciel Peres
Apesar de a maioria dos crimes relacionados à pedofilia e pornografia infantil acontecer no ambiente doméstico, a pedofilia na Internet tem alcançado parâmetros preocupantes. De acordo com Thiago Tavares, diretor-presidente da ONG Safernet, especializada na rede, a Internet não inventou os crimes sexuais, mas evidenciou o problema.
“A Internet facilitou o acesso ao tipo de conteúdo e aproximou adultos e crianças. Antes, o adulto precisava se inserir no contexto da criança para chegar até ela. Hoje, por meio de bate-papos, o  indivíduo se passa por uma criança para chegar até ela”, afirma Tavares.
 
Por meio de sites de relacionamentos e bate-papos, o pedófilo cria laços de amizade com a vítima até chegar ao ponto de marcar um encontro. Embora o tipo de crime esteja mais ligado ao sexo masculino, cerca de 20% dos casos são praticados por mulheres, segundo a ONG. “Cerca de 80% são homens, como idades e classes sociais variadas, o que dificulta a identificação”, explica o executivo.
 
O combate ganha eficiência com as denúncias realizadas diariamente. De acordo com Thiago Tavares, cerca de 60% das denúncias de usuários da internet são referentes a crimes de abuso infantil. “A população tem uma participação cada vez mais efetiva, mas a ação protecionista para alguns sites ainda precisa ser melhorada”, destaca.
 
Orkut registra queda
 
A Internet também facilitou o acesso a conteúdos ilegais. De acordo com a ONG Safernet, nas décadas de 1970 e 1980 já havia troca de imagens de sexo explícito com crianças e adolescentes, mas de forma mais fechada. “Atualmente, em apenas cinco segundos é possível ter acesso ao tipo de conteúdo, principalmente trocas de vídeos”, diz Tavares.
Com a troca de informações cada vez mais intensa, as empresas começaram a adotar medidas rígidas para a proteção de sites e redes contra essas ações. Hoje, como rede social mais popular no Brasil, o Orkut é o site do qual se tem hoje o maior número de casos confirmados de comercialização de imagens e pedofilia. “Felizmente, nos últimos tempos temos observado queda no número de casos, em razão das medidas tomadas pelo Google”.
 
Terapia ameniza trauma
 
Vítimas de abuso sexual têm dificuldades de superar o trauma. Quando a ação atinge crianças e adolescentes as consequências podem ser ainda maiores, pois podem desencadear problemas no desenvolvimento cognitivo, comportamental e emocional. É o que aponta a doutora em Psicologia, Luísa Fernanda Habigzang, coordenadora do Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (Cep-Rua), programa de pesquisa e atendimento psicológico para vítimas de violência sexual. “O abuso sexual pode ocasionar problemas de atenção, memória, baixa concentração e rendimento escolar, crenças de desvalor e culpa, assim como fugas de casa, agressividade, mudança nos padrões de sono e alimentação, abuso de substâncias, isolamento social, entre outros”, diz.
 
De acordo com Luísa, alguns podem desenvolver quadros psicopatológicos graves, como transtornos de humor, ansiedade (principalmente do estresse pós-traumático) e de conduta. “As consequencias podem se manter até a vida adulta, com problemas conjugais, interpessoais e baixo rendimento no trabalho”, avisa.
A especialista defende o acompanhamento psicológico das vítimas. “É fundamental que a criança compreenda a violência sofrida, reestruture pensamentos decorrentes da experiência, integre e organize fragmentos da memória traumática”, ensina.
 
Segundo a psicóloga, estima-se que 80% dos casos acontecem na família. “Existe na literatura referência de que a proximidade afetiva e de cuidado entre agressor e vítima potencializam os efeitos negativos. Os danos tendem a ser graves e requerem intervenção psicológica”, adverte. A especialista conta que os pais e padrastos são os principais agressores.
 
Pedófilo é indefinido
 
Mesmo com diversosos estudos e análises, ainda é difícil traçar o perfil do pedófilo. “O abusador pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, hetero ou homossexual. Tem comportamentos sociais aceitáveis, o que dificulta o crédito ao relato da criança. Demonstram ser bons cuidadores e são atenciosos”, destaca a psicóloga Luísa Fernanda Habigzang. “Porém, muitos apresentam diagnósticos para pedofilia ou transtorno de personalidade antissocial”, completa.
 
O artigo A criança na visão de homens acusados de abuso sexual: um estudo sobre as distorções cognitivas, elaborado pelas psicólogas Andreina da Silva Moura e Silvia Helena Koller, mostra que os abusadores têm visão destoada das crianças quando comparada com a que é aceita e compartilhada pelo restante da sociedade, como as noções de pureza e inocência.
 
Além disso, as distorções cognitivas sobre a visão que possuem sobre as crianças geralmente se associam a fatores como a visão que o abusador possui sobre si, sua visão sobre o papel que ocupa na sociedade, seus valores éticos e as características do contexto social.
 
Para Luísa, os pedófilos devem ser tratados como doentes. “Agressores sexuais necessitam de tratamento. O problema é que não temos intervenções comprovadamente efetivas e dispomos de poucos profissionais capacitados para tratamento”, diz. Entretanto, Luisa defende que sejam responsabilizados criminalmente. “Acredito que o cumprimento de pena e a participação em programas de reabilitação são necessários”, destaca.
 
Promotor critica projeto
 
O promotor de Justiça, José Carlos Blat, conhecido pela atuação no combate à pedofilia, recomenda cautela na infiltração policial prevista no projeto de lei aprovado recentemente pelo Senado. A iniciativa elaborada pela CPI da Pedofilia altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para prevenir e reprimir o Internet grooming, processo pelo qual o pedófilo, protegido pelo anonimato, seleciona e aborda, pela rede, as vítimas, e as prepara para aceitarem abusos.
 
“A minha preocupação com o novo modelo para investigação é que o policial em momento algum poderá instigar o pedófilo a realizar condutas criminosas”, alerta. “No caso de infiltração de agentes policiais, o trabalho deverá ser feito com muita cautela e a partir da conduta do pedófilo contra a vítima real e, aí sim, esta última ser substituída pelo policial para receber as mensagens”, sustenta.
 
Segundo Blat, a legislação existente é suficiente para coibir a pedofilia. O problema, diz, é que os artigos 213 e 217 do Código Penal aglutinaram no mesmo crime à prática de atentado violento ao pudor e à prática de estupro. “Um artigo acaba beneficiando o acusado, que responderá como se fosse um só crime”, diz. O promotor atuou no caso do médico hebiatra Eugênio Chipckevicht, que abusava de adolescentes no consultório de alto padrão, em São Paulo. O médico atendia crianças e adolescentes e pedia que os pais aguardassem numa sala de estar enquanto aplicava injeções de pré-anestésicos para abusar dos menores. Tudo, segundo Blat, foi registrado pelo médico em vídeo. “O que mais me choca é que os autores estão em todas as camadas sociais e  são imperceptíveis”, diz.
 
Segundo a Campanha Nacional de Combate à Pedofilia na Internet, de cada cinco crianças que navegam na rede de computadores, uma recebe proposta de pedófilo. Em média, a cada 33 crianças, uma já se comunicou pelo telefone,  com agressor. Em 10 anos de campanha, o site da campanha – www.todoscontraapedofilia.com.br – recebeu mais de 150 mil denúncias. O cidadão pode utilizar o disque 100 para denúncias ou informações sobre abusos ou exploração sexual. A ligação é gratuita e sigilosa. 

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