Manifestações tomam Brasil e retratam insatisfação geral, diz especialista

Para a professora, toda vez que os movimentos sociais saem às ruas, trazem mudança e discussões para a sociedade.

O Brasil vem assistindo às inúmeras manifestações seguidas nos últimos dias. Por meio das redes sociais, uma geração se levanta em diversos estados, nas Capitais e nas regiões metropolitanas, usando o mote que começou pela tarifa do transporte público, em São Paulo, para reivindicar profundas mudanças na política nacional.

Segundo a professora Luci Praun, coordenadora do curso de Ciências Sociais da Universidade Metodista de São Paulo, esse comportamento revela a insatisfação generalizada por parte dos brasileiros e mostra a necessidade de profundas mudanças no país e que o sentimento de luta já está enraizado na sociedade. “No movimento tem se falado muito que não são apenas os 20 centavos da campanha.

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As manifestações têm os picos participação, não será todo dia que mais de 60 mil pessoas vão participar, e se conseguirem a redução da passagem, já será uma vitória, mas isso não significa que voltem para a casa. O sentimento de vitória pode fazer com que busquem outras conquistas. E eles precisam de várias vitórias”, explica.

Embora alguns setores afirmem que as manifestações têm prazo de validade pré-determinado, e que pode acabar, caso haja a redução nos valores da passagem, Luci, que participou da passeata na Capital Paulista, nesta segunda-feira, acredita que o Brasil entrou na rota dos movimentos. “A resposta já foi dada quando dizem o tempo todo que não é pelos 20 centavos. Isso mostra que existem outras demandas. Acho que outros setores vão se juntar a isso. Ontem, na manifestação, a gente já via isso. São jovens de 17 a 30 anos, mas também outras gerações, inclusive, mães com filhos, além da adesão e apoio das pessoas nos prédios, o que até os institutos de pesquisas e redes sociais apontam”, ressalta.

Para a professora, toda vez que os movimentos sociais saem às ruas, trazem mudança e discussões para a sociedade. “Uma delas é sobre as passagens e a má qualidade do transporte público. Esse foi o elemento detonador dos protestos, o mote que catalisou uma série de outras insatisfações, e talvez esteja aí a questão para entender porque esses movimentos crescem e se espalham tão rápido. Foi a gota da água. Havia uma indignação represada, um cansaço geral. A tendência é que as pessoas mostrem mais a indignação vão às ruas protestar, inclusive, nos grandes eventos, como a Copa do Mundo e Olimpíadas. São reclamações sobre o péssimo sistema de saúde, passagem de ônibus cara, com péssima qualidade, etc. É muito contraditório que se tenha dinheiro para investir em áreas de interesse privado e não em questões de interesse públicos”, avalia Luci.

O que fortalece o movimento, na visão da professora, é a diversidade de interesses que se complementam dentro da luta. “Participei, na década de 80, do movimento das Diretas, que também refletia isso. Várias demandas pontuais, onde se tem grupos diferentes representados. Cada vez mais, eles tendem a construir propostas em comum para manter a união. Nesse caso de São Paulo, por exemplo, existe uma agenda a ser cumprida com atos públicos até sábado. Não vai ter pico de participação todo dia, mas isso não quer dizer que o movimento enfraqueceu. Na verdade, ele se enraizou e o debate está posto na sociedade. O clima de mobilização já está presente entre as pessoas”, enfatiza.

Ocupações

Na outra ponta do movimento, as criticas são constantes sobre vandalismo e praticas de destruição do bem público e privado. Luci avalia que essa é uma discussão delicada. “O que a polícia fez com os manifestantes, semana passada, foi vandalismo. Atirar nas pessoas, perseguir como fizeram. O problema é que a mídia acaba sempre pegando uma ação mais radicalizada e transforma no total do movimento. Pode ser que tenha quem não saiba o que faz ali, mas, a maioria sabe e a dimensão que vem tomando prova isso”, ressalta.

A ocupação do Congresso Nacional, nesta segunda-feira, assim como os protestos diante do Palácio do Governo de São Paulo e da Assembléia Legislativa, no Rio de Janeiro, evidenciam, segundo Luci, o descontentamento com o sistema político. “A juventude está descontente com os políticos tradicionais, com os partidos que estão no poder há muito tempo e não fizeram efetivamente nada para melhorar. Essa juventude não se vê ou sente representada por eles. O que se discute é a negação dos partidos que estão no poder. Uma situação que não representa o jovem. Não é a toa que eles estão na rua. Parte desse público não consegue emprego, nem estágio. Muitos não terão carteira assinada. Em contrapartida, eles vêem partidos ligados a corrupção, dinheiro sendo gasto em determinadas obras que são vitrines e pouco investimento em Educação, Saúde e Lazer, por exemplo. É um despertamento geral”, explica.

A professora também vala da revolução por meio das redes sociais, que contribuíram pra espalhar o movimento no Brasil e no exterior. “Vivemos um momento interessante e contraditório. Parece com o período em que se fez o vídeo da guerra do Vietnã e as pessoas se deram conta das barbaridades praticadas pelos soldados americanos. De uns anos pra cá, a internet tem funcionado como espaço de contra-hegemonia da informação para alguns movimentos sociais. É uma comunicação alternativa. Isso é contraditório porque nunca vivemos uma situação de tanta vigilância. Pela internet se descobre até onde as pessoas estão, mas com as brechas, as pessoas estão usando isso para difundir as idéias aqui no Brasil, na Turquia, na Espanha e no mundo todo. Isso é bom. Que a gente saiba usar e ampliar isso”, finaliza. 

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