Gestão ruim prejudica a Represa Billings

Represa Billings completou 88 anos neste dia 27 de março sem identidade definida / Foto: Rodrigo Lima

Responsável por abastecer residências de mais de 1,8 milhão de pessoas, a represa Billings completou, nesta quarta-feira (27/03), 88 anos. Margeada por cinco das sete cidades que compõem o ABC (Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), além do Sul da Capital, a represa ganhou uma regulamentação específica, chamada de Lei da Billings, em 2009, e foi regulamentada pelo então governador José Serra (PSDB) em 2010. À época, especialistas avaliaram que a norma, na teoria, promoveria avanços em questões como a regularização fundiária. Mas, na prática, o processo de desenvolvimento no entorno de um dos maiores reservatórios de água do planeta tem acontecido com velocidade baixa.

O entrave seria a fragmentação na gestão da represa. Na avaliação de João Ricardo Guimarães, secretário de Meio Ambiente de São Bernardo e ex-secretário executivo do Consórcio Intermunicipal Grande ABC, a criação da lei não contemplou uma ação conjunta entre municípios e Estado, para que o excesso de trâmites burocráticos regredisse, em detrimento da elaboração de projetos regionais.

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“Hoje, as ações estão diluídas em vários setores. O Estado não auxilia no ordenamento do processo”, apontou. Após o decreto, o licenciamento de lotes passou a ser de responsabilidade da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), enquanto a fiscalização das áreas ficou a cargo das prefeituras. “O licenciamento por parte do Estado ainda é um processo moroso. Falta um órgão gestor para articular essas questões da represa”, definiu o titular.

Em termos gerais, a Lei da Billings cria condições para que a represa seja recuperada, com direito a instalação de esgoto, asfalto em ruas, programas de combate ao assoreamento do leito e recuperação de loteamentos. Entretanto, o secretário reconhece pelo menos três falhas em relação à lei: além da lentidão no processo de licenciamento, o titular aponta a falta de planejamento para edificações em áreas de manancial e a falta de fiscalização.

“Antes, nós precisávamos investir e não tínhamos orçamento. Hoje, tem recursos do governo federal, mas a dificuldade burocrática e a lentidão no licenciamento ainda entravam a implantação dos projetos de recuperação pelas prefeituras”, pontuou.

Ainda de acordo com o titular, o Consórcio Intermunicipal Grande ABC, entidade criada por Celso Daniel no início de 1990 para debater demandas regionais, também tentou dar encaminhamento à questão, sem sucesso. “Ainda dependemos muito de ações do Estado”, apontou Guimarães, que ocupou o cargo de secretário executivo da entidade até o início deste ano, quando foi convidado pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), para gerir a pasta de Meio Ambiente.

Desafios

Na avaliação de Guimarães, o grande desafio que o poder público deve enfrentar, nós próximos anos, em relação à Billings passa por dois eixos principais. No tocante à habitação, recuperar regiões onde a construção de morarias se deu de forma irregular, ao mesmo passo em deve combater a ocupação irregular em áreas protegidas. Além disso, uma avaliação em relação à qualidade da água.

São Bernardo

De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente, João Ricardo Guimarães, a Prefeitura de São Bernardo projeta intensificar as ações de proteção ambiental e desenvolvimento da região da represa Billings durante o segundo mandato do petista Luiz Marinho, que se encerra em 2016.
“Estamos organizando medidas para estimular o turismo e outras atividades de maneira sustentável. Para a gestão ser completa, é necessário perseguir a ocupação adequada, o uso correto da represa”, apontou o titular. O esporte náutico e ecoturismo são prioridades da Pasta, definiu.

Ambientalista critica Sabesp

Para o engenheiro civil Ricardo de Sousa Moretti, professor da Escola Politécnica da USP e da Universidade Federal do ABC, a falta de atenção do poder público com a represa Billings é caso de polícia. Utilizada para controle das águas de enchentes em São Paulo e como manancial de água potável para cerca de 2,2 milhões de pessoas, apenas 15% da potência instalada da usina hidrelétrica é utilizada.

“Em um contexto em que o Brasil investe bilhões na construção de novas usinas é surpreendente que uma hidrelétrica de cerca de 900 MW opere com apenas 15% da capacidade instalada”, afirma ao criticar, ainda, o bombeamento dos rios Pinheiros e Tietê para o manancial de água potável.

Para Moretti, é necessário ampliar os esforços e os investimentos em saneamento e melhoria da qualidade das águas na região metropolitana de São Paulo. “Há recursos para isso, basta ver os balanços da Sabesp, que apresentou lucro líquido de R$ 9,2 bilhões entre 1995 e 2009”, afirma. “Precisamos transpor os interesses setoriais no momento de efetivar a política pública”, completa o professor.


Revitalização da Prainha gera reclamações

Às margens da Billings, muita gente tira proveito da represa para garantir o sustento da família. Na Prainha do Riacho Grande, em São Bernardo, a última preocupação dos trabalhadores é com as obras de revitalização do local, iniciada em junho de 2011 e que prevê, entre outras mudanças, a transferência dos 20 trailers, que vendem peixe e bebidas, da orla da represa para o calçadão, que fica bem perto.

Segundo a Prefeitura, a intenção é a qualificação do espaço e dos comerciantes do local, principalmente a regularização da situação dos trailers que ocupam a área de areia da represa. Com relação ao custo que as mudanças trazem à população que trabalha no local, a Prefeitura informa que vai auxiliar na busca de alternativas para concessão de crédito junto ao Banco do Povo.

As reclamações são as mais diversas. “Teremos de comprar barracas novas, que custam em média R$ 8 mil, por padronização exigida pela Prefeitura e isso gera dúvidas com relação ao nosso futuro aqui na Prainha, pois ficaremos endividados para cumprir um projeto deles”, reclama Antônio Sulpino de Sá Neto, comerciante no local há 16 anos.

Maria José Queiróz, mais conhecida como Dona Maura, afirma que o desestímulo aos banhos na represa é outro motivo de preocupação dos comerciantes, já que a Prainha traz aos frequentadores a sensação de estar numa praia do Litoral. “Com essa chamada urbanização, fica incerto se teremos o mesmo movimento e o nosso patrão é o povo. Se as pessoas não vierem, acabou nosso trabalho”, comenta.

Apesar das reuniões já realizadas entre os proprietários dos trailers e representantes da Prefeitura, muitos dizem que não sabem para onde vão e quando deixarão o local. Segundo a Prefeitura, o prazo de transição fica diretamente vinculado com o processo de produção dos novos quiosques de fibra.

Ao citar as melhorias feitas no Estoril, Luciano Canassa Soares, pescador nas horas de lazer, reclama da cobrança para entrar no parque. “Lá (no Estoril) costumava ser uma área de lazer aberta para a população, mas depois das reformas tudo é pago e isso afasta naturalmente o público”, diz.

Por outro lado, um dos funcionários responsáveis pela construção do deck central em frente à praça da Figueira, aponta o desafio de conscientização de cada cidadão para preservar o local. “Em geral, a obra é positiva, pois facilita o acesso de pessoas com algum tipo de deficiência e pode atrair mais público. Porém é um espaço cedido que deve ser bem aproveitado e isso depende de cada pessoa”, diz Marcos Paulo, armador civil e frequentador da represa.

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