
Março tem campanhas de conscientização sobre a endometriose, doença silenciosa e dolorosa que pode provocar sérias dificuldades na vida da mulher se não diagnosticada e tratada. É caracterizada por uma modificação no funcionamento normal do organismo em que as células do tecido que reveste o útero (endométrio), em vez de serem expulsas pela menstruação, se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal, onde voltam a multiplicar-se e a sangrar. Um dos sintomas é a cólica intensa durante a menstruação, que pode ser constante e progressiva.
De acordo com o Ministério da Saúde, a estimativa é de que uma a cada 10 mulheres sofra com os sintomas da doença e desconheça a sua existência. Em 2021, mais de 26,4 mil atendimentos foram feitos no Sistema Único de Saúde (SUS), e 8 mil internações registradas na rede pública de saúde. O exame ginecológico é o primeiro passo para a identificação da doença, em especial o exame de toque, fundamental no diagnóstico em casos de endometriose profunda. Exames laboratoriais também podem complementar a confirmação do caso clínico.
As unidades básicas de saúde (UBSs) oferecem atendimento e exames de diagnóstico, para evitar o agravamento da doença e, caso haja a necessidade de cirurgia, a paciente é encaminhada para um hospital. Os tratamentos para endometriose variam de acordo com a idade da paciente.
O cirurgião ginecologista Roberto Carvalhosa, que atua na rede pública de saúde do município do Rio de Janeiro, no Hospital da Piedade, fala sobre os primeiros sintomas da doença. Normalmente essas pacientes vão apresentar cólicas menstruais que se iniciam de uma forma mais branda até que se tornam severas. Muitas vezes as cólicas começam logo na primeira menstruação, sendo que 90% dessas dores correspondem ao primeiro e principal sintoma, a chamada dismenorreia. “A mulher pode apresentar, com a evolução da doença, dor pélvica crônica durante a relação sexual, e uma das características mais importantes é quando quer e não consegue engravidar, que é a infertilidade, vinculada à evolução da doença”, explica.
Fertilidade comprometida
Com 44 anos de profissão, Carvalhosa diz que, muitas vezes, a mulher procura os centros de saúde quando já está com dor. “Muitas das vezes, a paciente apresenta algum sintoma, às vezes por dificuldade numa relação sexual, e o que a gente vê muito em endometriose é que ela tem um tempo muito longo do diagnóstico, desde o primeiro sintoma. Às vezes essa paciente apresentou o primeiro sintoma logo nas primeiras menstruações e essa dor não foi valorizada. Em casa, ela escuta, quando você casar e tiver relação, isso vai passar. Aí quando passa aquele período mais longo, a doença continua evoluindo, com dor no período menstrual e, quando deseja engravidar, vai ver que já está com um quadro evolutivo muito severo, por vezes, comprometeu a fertilidade”, explica o cirurgião ginecologista.
A estudante universitária Mônica Vieira, 25 anos, convive com a endometriose desde os 14 anos, logo após a puberdade. Entre os sintomas mais frequentes da doença, ela cita cólicas menstruais intensas e dor durante a relação sexual. Conta que causa da endometriose não é bem conhecida pela literatura atual, existem várias hipóteses e linhas de estudo. A que segue considera importante pensar na mudança do estilo de vida, na alimentação, prática de exercícios pélvicos que estimulem a diminuição dos sintomas.
“A endometriose é comum entre as mulheres, em parte porque temos uma cultura social de menosprezar a dor, adiar, dizer que é comum sentir esse desconforto todo mês durante toda a vida, mas não deve ser assim e esse pensamento atrasa o diagnóstico”, diz Mônica.
A estudante também falou sobre os cuidados que toma para levar uma vida normal. Busca práticas por meio da ginecologia natural, remédios manipulados com substâncias anti-inflamatórias naturais como a cúrcuma, também conhecida como açafrão-da-terra. “Eu também não uso hormônios e mudei meus hábitos de vida, porque entendo a saúde de forma integrada. Mas é fundamental dizer que esse tratamento não é igual para todas as mulheres. A endometriose tem graus variáveis de dor e localização, nem todas apresentam os mesmos sintomas, cada caso é único.”, afirma.
Segundo o cirurgião Roberto Carvalhosa, o tempo médio de diagnóstico da endometriose é de sete a nove anos. O diagnóstico da doença é clínico. A entrevista médica é conhecida como anamnese. Se houver uma anamnese rigorosa, o médico pode chegar a uma suspeita quase correta da doença, em torno de 78% a 80%. “Se você complementar a sua anamnese precisa, com um exame clínico rigoroso, você pode chegar praticamente de 95% a 98% de suspeita correta do diagnóstico. Então, a gente pode afirmar que o diagnóstico da endometriose é feito na clínica, com anamnese e exame físico. Atualmente, o que a gente vê são os profissionais tendo uma tendência maior aos chamados exames complementares, que são ressonância, ultrassonografia, tomografia, em vez de fazer inicialmente um exame clínico adequado. Muitas vezes, o profissional não usa os critérios necessários ao exame clínico”, comenta.
O médico disse que as mulheres chegam ao hospital, muitas vezes, com sintomas avançados da endometriose. “Uma paciente chega ao serviço médico e fala: ‘olha toda vez que eu fico menstruada eu tenho a sensação de que estou com uma alteração na minha urina ou tenho diarreia.’ Esse é um sinal muito importante para o médico suspeitar de endometriose. Porque se ela tem uma dor na menstruação crônica, sensação de inflamação na bexiga ou então diarreia ou tendo uma constipação no período menstrual, provavelmente essa endometriose já evoluiu a ponto de comprometer a bexiga e comprometer o reto”, afirma.
O cirurgião diz que às vezes essa queixa não é valorizada, porque a coisa é feita no sentido muito rápido. “Isso é o que eu observo. Não só no serviço público. Atualmente na conduta profissional o que tem mais é exame complementar do que exame clínico”, acrescenta.
Carvalhosa ressalta que a doença não afeta apenas a saúde física da mulher. “É um sofrimento psicológico, ela perde a capacidade de trabalho, perde a capacidade de ter um filho que ela tanto desejou. É uma doença muito grave, apesar de ser benigna. E é na minha opinião, a cirurgia mais complexa que eu faço, de todas as cirurgias que eu realizo”, completa o médico.
(Douglas Corrêa/Agência Brasil)