
A cirurgia oftalmológica é cada vez mais demandada e mesmo com mais cirurgias o SUS demora a atender casos urgentes e aumenta chance de perda permanente da visão. Na região há apenas dois centros especializados, em São Bernardo e São Caetano, mas a demanda crescente aumenta a espera. Casos como descolamento de retina, cuja cirurgia deve ser realizada preferencialmente em até 48 horas, levam meses e assim pacientes do sistema público de saúde têm grandes chances de não voltarem a enxergar mesmo após serem operados.
A janela temporal entre o descolamento da retina e a cirurgia de reparação vai influenciar diretamente o resultado. “O descolamento de retina deve ser tratado com urgência. Quanto mais tempo a retina fica descolada, maior o risco de sequela visual. O principal fator que determina a necessidade da urgência é o risco do descolamento atingir a mácula, que é a área central da visão. Desta forma, se o descolamento ainda não atingiu a mácula, a cirurgia deve ser realizada com a máxima urgência possível, de preferência no mesmo dia ou dia seguinte, para que não haja comprometimento da visão central”, explica o médico Oswaldo Ferreira Moura Brasil, presidente da SBO (Sociedade Brasileira de Oftalmologia).
Caso em Ribeirão Pires
O RD acompanha, desde o ano passado a situação do motoboy morador de Ribeirão Pires, Wellington Rodrigues, de 34 anos, que sofreu um acidente de moto que resultou no descolamento da retina no olho direito, agravado com catarata. Desde o acidente o rapaz tem feito uma verdadeira peregrinação, passando de hospital em hospital tentando que sua cirurgia seja agendada, sempre há um problema de agenda, um pedido de encaminhamento para passar com outro especialista e nisso já se vão quase oito meses.
No dia 5 de fevereiro, o jovem finalmente chegou ao Hospital das Clínicas, na Capital, referência nacional em várias especialidades médicas, mas saiu de lá com um novo agendamento de consulta com especialista. O agendamento foi feito para o dia 6 de março de 2026, ou um ano e nove meses depois do descolamento da sua retina.

Somente após o contato do RD com o Hospital das Clínicas, a consulta foi remarcada para 23 de maio deste ano, mesmo assim ainda não há garantias da operação, já que será uma consulta de avaliação cirúrgica. O HC não respondeu se houve erro na marcação da data ou se a espera de um ano para casos urgentes seria normal para aquela especialidade.
De acordo com Moura Brasil, a demora neste caso diminuiu as chances de um resultado satisfatório. “Após um período de sete meses, as chances de recuperação visual diminuem muito. Ainda mais em um caso de trauma, como o descrito, que costuma ser mais complexo. Mas não é só isso. Descolamentos por períodos prolongados são mais difíceis de serem tratados, requerem cirurgias maiores e, dependendo do quadro, podem até ser inoperáveis. O resultado das cirurgias de descolamento de retina costuma ser excelente na maioria dos casos, principalmente aqueles diagnosticados e tratados precocemente. Caso a mácula não tenha sido atingida, existe uma grande chance de recuperação completa da visão”, diz o presidente da SBO.
Demanda
As cirurgias de retina e outras cirurgias no olho, em geral, são encaminhadas para hospitais de referência no Estado. A Secretaria de Estado Saúde afirma que de 2022 para cá o número de cirurgias oftalmológicas, que englobam não apenas as de retina, mas também outras doenças do olho, aumentou em mais de 5 mil procedimentos considerando só os pacientes encaminhados pelas cidades do ABC via Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), mesmo assim há fila de espera.
“A Secretaria de Estado da Saúde informa que, no ano passado, foram registradas 19.555 cirurgias oftalmológicas ambulatoriais no SUS na região do ABC, no estado de São Paulo. Em relação ao período de 2023, foram registradas 14.155 cirurgias ambulatoriais do aparelho da visão no SUS na região; em 2022, foram registradas 14.120. Atualmente, as filas de espera para consultas, cirurgias, exames e procedimentos são descentralizadas. A regulação e distribuição de vagas para os serviços de saúde são realizadas pela Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross), conforme pactuado na Comissão Intergestores Regional (CIR), composta pela Secretaria e os municípios”, diz nota da pasta estadual.
Região
No ABC há dois hospitais com capacidade para as cirurgias oftalmológicas, o Hospital de Olhos Dr. Jaime Tavares, em São Caetano, e o HO – Hospital de Olhos, inaugurado em dezembro, em São Bernardo.
Em São Caetano a espera por cirurgias no olho é de aproximadamente 40 dias, segundo a Prefeitura, que informa ainda que seis pacientes estão na fila para serem operados. O número de atendimentos revela a alta da demanda. “O Hospital de Olhos realizou 47.124 atendimentos em 2023 e 57.333 atendimentos em 2024, entre ambulatoriais, pronto atendimento, exames e centro cirúrgico. Desse total de atendimentos em 2024, 2.666 foram cirurgias (45% de catarata)”, detalha a administração.
Dada a infraestrutura e amparo do governo do Estado para a sua construção, o HO de São Bernardo foi cogitado para atender pacientes também de outras cidades do ABC, com isso ajudar a reduzir a fila e o tempo de espera por cirurgias, mas a Prefeitura não confirma essa possibilidade e segue com atendimento apenas da demanda local. “A Prefeitura de São Bernardo informa que o Hospital de Olhos é um equipamento público municipal, que atende pacientes regulados pelo município e referenciados pelas UBSs, UPAs e hospitais da rede municipal”, diz nota da administração que não informou quantos pacientes já atendeu ou quantas cirurgias fez desde a inauguração.
O Hospital de Olhos de São Bernardo consumiu uma verba estadual de mais de R$ 5 milhões. O prédio conta com oito consultórios, três salas de exames, sala de laser, área de preparo do paciente, três salas para pequenos procedimentos, uma sala de cirurgia, salas de espera principal, ambulatorial e de diagnóstico, além de recepção em uma área construída de aproximadamente 2.000 m², em dois pavimentos.
As demais cidades, no caso de indicação cirúrgica, encaminham os pacientes para o Estado através da Cross. Caso de Diadema que no ano passado encaminhou 126 pacientes. Considerando todos os atendimentos na área de oftalmologia, é também evidente o aumento dos problemas na saúde ocular. “No ano de 2023, foram atendidos 12.352 pacientes no serviço municipal de oftalmologia e, em 2024, 13.775 pacientes, sendo que, dentre esses atendimentos, o maior número de consultas realizadas, foi para tratar catarata senil nuclear”, informa o município
Rio Grande da Serra também não opera e encaminha para o Estado. De fevereiro de 2024 até fevereiro agora foram 1.224 encaminhamentos, pela cidade. As prefeituras de Mauá, Santo André e Ribeirão Pires não responderam.