
Se o projeto de lei que o prefeito Paulo Serra (PSDB), de Santo André, apresentou à Câmara esta semana for aprovado, a Prefeitura não irá mais devolver os cerca de R$ 80 milhões que foram retirados dos fundos municipais para o combate à pandemia da covid-19. Além disso, o projeto dá aval ao prefeito para retirar o dinheiro que não estiver sendo usado no momento pelos fundos, podendo usá-lo para outras finalidades, como o pagamento de dívidas da Prefeitura.
O projeto de lei 36/2024 chegou à Câmara na semana passada e iniciou o trâmite no dia 19/11, com prazo para ser votado até fevereiro de 2025, porém a oposição teme que o projeto entre na pauta na próxima terça-feira (26). A medida afeta 18 fundos municipais.
Integrante do Conselho Municipal de Cultura e professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), Sílvia Helena Passarelli, diz que não há justificativa para a retirada de dinheiro dos conselhos e afirma que é possível uma reunião dos conselheiros dos 18 fundos para debater o assunto e sensibilizar os vereadores para que não aprovem o projeto de lei. “Na época da pandemia existia uma emergência, coisa que ninguém questiona, foi legítimo, mas neste momento não se tem essa situação e há uma dívida municipal, porém não se pode parar um benefício social, isso tira toda a importância dos fundos municipais”, analisa.
Para a professora, os fundos municipais não têm dinheiro sobrando. “Como pode, por exemplo, tirar dinheiro do fundo de Paranapiacaba e Parque Andreense para fazer asfalto em outro lugar? O fundo tem seus objetivos e se há dinheiro parado é por falta de gestão. O dinheiro de um fundo está lá para usar em projetos, não tem isso de sobrar dinheiro. Podemos reunir os conselheiros e buscar amparo no Ministério Público e ainda, na audiência pública do orçamento falar com os vereadores sobre isso”, comenta.
O prefeito, em sua mensagem ao Legislativo que acompanha o projeto de lei, diz que o recurso será usado para pagar a dívida pública, mas sustenta que a medida não pode trazer prejuízo às políticas públicas. “Vale dizer que os recursos obtidos através da desvinculação do superávit financeiro serão destinados à amortização da dívida pública do município, inclusive dos precatórios e, na ausência de dívida pública a amortizar, o superávit financeiro desvinculado dos fundos municipais, poderá ser utilizado na garantia da sustentabilidade financeira do município, quando em situações de déficit ou necessidade emergencial de recursos. Por derradeiro, destacamos que a pretendida desvinculação do superávit financeiro dos fundos municipais ao Tesouro Municipal fica condicionada à obediência das normas constitucionais e legais pertinentes a aplicação dos recursos do fundo municipal e em não implicar em prejuízo às políticas públicas de criação do fundo municipal”, destacou Serra. As comissões de Justiça e de Finanças da Câmara deram aval ao projeto de lei.

Proposta revoga devolução de R$ 80 milhões aos fundos
O vereador de oposição, Ricardo Alvarez (PSol), considera que o prefeito está pedindo para a Câmara rever uma lei que o próprio chefe do Executivo propôs e que a Casa aprovou. “Quer revogar uma lei que ele mesmo propôs. Isso é um desrespeito monumental com os vereadores que aprovaram o projeto em 2021 que previa o retorno desse dinheiro para os fundos, agora quer que os vereadores voltem atrás”, disse o vereador sobre a parte da propositura que trata da não devolução dos R$ 80 milhões remanejados na pandemia.
Sobre o trecho da proposta que autoriza o Executivo a usar dinheiro que estiver nos fundos e que não chegou a ser utilizado, o parlamentar do PSol considera que a medida vai inviabilizar esses fundos. “Tem vários fundos que não são paritários, ou seja, a maioria dos conselheiros são do governo e eles mesmos podem decidir pelo fim de um projeto. E tem outra coisa, o dinheiro pode estar lá no fundo porque não deu tempo para ser usado no mesmo ano e ficaria para o ano seguinte”, aponta.
Para Alvarez, a situação financeira da Prefeitura não é boa e essa teria sido uma forma de estabilizar os cofres municipais. “Eu vejo que essa medida tem duas vertentes, a de retirar a funcionalidade dos fundos e a de possibilitar que o governo continue dizendo que o orçamento vai bem, quando não vai. O orçamento para 2025 é 10% menor e esse governo já pediu R$ 1,6 bilhão em empréstimos e vai endividar os próximos prefeitos”, completa.

Medida pode ser considerada inconstitucional
Para o professor de Direito, membro permanente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP e escritor jurídico, Frederico Afonso, o prefeito de Santo André pode não estar descumprindo norma legal, mas pode ferir o princípio da moralidade. “Talvez tenha uma possível violação da vinculação constitucional, pois os fundos municipais têm recursos vinculados a finalidades específicas, conforme previsto no art. 167, IV, da Constituição Federal. A desvinculação proposta pode ser considerada inconstitucional se comprometer essas finalidades.
A questão de praxe da revogação de disposições anteriores, precisamos lembrar que tais dispositivos que previam a devolução das verbas transferidas pode configurar aquela violação ao princípio da moralidade ou da boa aparência da administração pública – não estou dizendo que o prefeito está sendo desonesto no sentido de ilícito, mas no sentido do que afirmou e não cumpriu. Ainda sobre o princípio da moralidade, temos a questão do retrocesso em políticas públicas com a transferência de superávits financeiros que, na prática, pode comprometer a execução de projetos fundamentais para áreas como saneamento, defesa civil e habitação, que dependem de recursos dos fundos municipais”, analisa.
Afonso falou também da mudança de rumo do governo que quer revogar trecho da lei de 2021 que previa a devolução dos valores subtraídos dos fundos para atender à emergência de saúde na pandemia da covid-19. “A quebra de compromissos públicos assumidos, para quem está no final do mandato e fez o sucessor, pode não ser tão relevante, mas o não cumprimento de prazos de devolução previamente acordados com a sociedade, compromete a confiança na gestão pública e pode ser interpretado como má-fé. Esses fundos têm governança e participação social e com essa centralização do poder decisório na gestão dos recursos desvinculados, acaba enfraquecendo a participação social e a fiscalização pelos Conselhos Gestores, contrariando princípios de transparência e descentralização administrativa.
O PL apresenta como justificação a necessidade de equilibrar as contas públicas, com a destinação dos superávits financeiros para amortização de dívidas, mas isso não garante benefícios diretos à população, especialmente em áreas carentes de investimentos”, completa
Prefeitura diz que não se posiciona sobre ‘factóides’
Em resposta ao questionamento feito pelo RD, a Prefeitura de Santo André diz que as alegações da oposição não são reais e que, portanto, não iria responder. “A Prefeitura de Santo André não se posiciona sobre factóides produzidos pela oposição”, diz o posicionamento.
A Prefeitura não detalhou quais serão os fundos municipais afetados caso o projeto seja aprovado, mas segundo Alvarez são 18 áreas. Desta vez, 18 fundos municipais serão afetados: Habitação, Iluminação Pública, Trânsito, Transporte, Segurança, Proteção e Defesa do Consumidor, Gestão do Patrimônio Histórico da Vila de Paranapiacaba e Parque Andreense, Saneamento Ambiental e Infraestrutura, Promoção da Igualdade Racial, Fundo do Trabalho, Desenvolvimento Econômico, Emprego e Turismo, Proteção e Defesa Civil, Desenvolvimento Urbano, Apoio ao Esporte, Preservação da Arborização Urbana, Conservação Viária, Proteção dos Animais e Gestão dos Parques Públicos e Unidades de Conservação.
Veja a íntegra do projeto: