Os golpes de rua, como o do bilhete premiado, as fraudes com cheques falsificados, já não fazem mais vítimas como os crimes virtuais, onde quadrilhas bem organizadas roubam dados bancários, para abrirem novas contas, fazerem compras com os cartões virtuais e até mesmo pedir dinheiro aos contatos da vítima. O atrativo geralmente são anúncios com ofertas imperdíveis, mas que direcionam as vítimas a sites maliciosos sediados muitas vezes fora do país. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no país, entre 2022 e 2023 o estelionato por meios digitais cresceu 13,6% enquanto que o crime cara a cara com a vítima cresceu 8,2%. No Estado de São Paulo não há informações sobre os crimes on-line e os crimes registrados como estelionato cresceram 22,7% no período.
Exemplos de pessoas que foram vítimas dos crimes virtuais não faltam. A corretora de seguros Sharlene Braz Viana, foi vítima de criminosos na última semana. Ao tentar fazer uma compra junto a uma loja conhecida, teve seu celular hackeado por uma quadrilha especializada em golpes. “Eu estava conversando com uma loja que eu compro suplemento e no momento que eu conversava com eles pelo whatsapp, recebi uma ligação do mesmo número e um rapaz com a voz muito parecida com a do dono da loja falou que estava fazendo uma promoção com o sorteio de um Iphone. Ele disse que ia abrir o sorteio agora e me mandou um link para que eu participasse. Eu cliquei e na mesma hora veio a mensagem de que meu whatsapp estava sendo transferido. Depois eu soube que ele clonaram o celular da loja e depois foram clonando dos clientes. É uma coisa muito rápida, eu queria sair da ligação, a voz era muito parecida com a do dono da loja, então eu cai. Depois foi uma burocracia muito grande para resgatar meu whatsapp, tive que mandar e-mails para conseguir minha conta de volta e demorou mais de um dia. Foi muito chato porque eles apagaram contatos e mesmo com o backup as imagens que eu tinha perdi tudo, foi um grande transtorno”, relata a moradora de Santo André. Vários contatos de Sharlene receberam mensagens dos criminosos se passando por ela e pedindo dinheiro emprestado alegando problemas com o PIX.
Nas vendas on-line estão os maiores perigos, seja para quem vai comprar, seja para quem quer vender. O casal Carla Ferreira e Edson Vieira, anunciaram no site de vendas OLX um drone para vender. Eles pediam R$ 2 mil pelo aparelho que foi comprado meses antes novo, na mesma plataforma. O dinheiro seria destinado à reforma da cozinha da família. Porém entregaram o aparelho e nunca viram o dinheiro. Através do anúncio o golpista entrou em contato com o casal, disse que seria possível pagar com cartão de crédito através da própria OLX, e o casal seguiu o passo a passo das orientações que julgavam receber da própria plataforma de vendas, de que após o pagamento o dinheiro ficaria retido até que um carro de aplicativo fosse pegar o aparelho e assim que entregue ao comprador o dinheiro seria liberado. O casal entregou o drone e nada do dinheiro. Carla e Vieira registraram o golpe no 4°Distrito Policial de Diadema. E processam a plataforma de vendas. “Estamos esperando a primeira audiência. O estranho é que toda a conversa que teve pela plataforma com o comprador foi apagada, pode ser alguém de dentro, mas não tenho certeza. A sensação é que realmente não tem ninguém por nós, se tem que pagar advogado para poder fazer alguma coisa, é porque sem isso não se não consegue nada”, lamenta Carla.
Outro tipo de golpe que começa no ambiente físico, mas tem origem no virtual é aquele que envolve os boletos falsos, de sindicatos, de prestadoras de serviços como a Enel, por exemplo. O RD noticiou em abril o caso do senhor Osvaldo Gomes, morador de Mauá que recebeu uma conta falsa da Enel. Ele não suspeitou de nada inicialmente pois seus dados estavam todos corretos só a média de consumo que estava mais alta. A desconfiança surgiu quando ele viu outro leiturista passando pela rua, aí percebeu que algo estava errado. Por sorte a vítima percebeu e não caiu no golpe.
Na época do ocorrido com Gomes, a Enel disse que não tinha informação de outras vítimas deste tipo de golpe, porém a moradora do bairro Vila Libanesa, na Capital, viu a reportagem e contestou a concessionária e disse que foi vítima. “A empresa disse que eu teria que pagar para não ter a energia cortada. Então eu paguei. No mês seguinte duas contas, com valores diferentes para o mesmo mês, então deixei de olhar e pago somente a que verifico no aplicativo. Como na empresa de energia nada funciona a favor do cliente não solicitei o valor e não fiz boletim de ocorrência para não passar nervoso”, lamenta a consumidora.
Para Mario Gazziro, professor de Engenharia da Informação da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisador em Computação Forense, a internet é um ambiente fértil para os criminosos e de muito risco até para quem tem experiência em segurança digital. Ele conta que também foi vítima de um golpe, que teria sido cometido por uma falsa advogada e pagou por uma petição. Ele verificou os dados da advogada e fez outras checagens também, mas acabou caindo no golpe que foi muito bem organizado. O professor conta que os criminosos fazem ofertas atrativas oferecem descontos e isso seduz o consumidor.
“Quanto ao recebimento de boletos com dados verdadeiros, isso é decorrência do vazamento de dados do Serasa. O cuidado principal é ter controle de suas contas, e saber se o valor é incoerente ou não. Nas vendas se deve evitar clicar em links externos que vem nos e-mails. Ao passar com o cursor sobre o link, sem clicar, vai aparecer o endereço verdadeiro deste site na barra inferior do navegador, se não for o mesmo da loja, ou se for de um endereço no exterior (sem a extensão “.com.br”) é golpe. Anúncio de produtos muito baratos também são suspeitos; Tvs de 65¨ a R$ 1.500 não é promoção, é golpe. Numa compra em um site criminoso você dá todos os dados bancários para ele e para prevenir isso existem os sites certificados, mas quando se recebe o link por whatsapp, telegram ou e-mail, não tem como verificar se provem de um site certificado. A recomendação é comprar apenas em lojas que você mesmo entrou no site e nunca acreditar em links que se recebe por redes sociais”, orienta o professor.
Gazirro diz que os estelionatos digitais têm crescido vertiginosamente e ele aponta dificuldades da polícia em atuar neste campo. “Vejo que nem a Policia Civil e nem o Judiciário têm como impedir, talvez só a Polícia Federal, que só atuam contra grupos grandes que desviam milhões. Os peixes pequenos estão dando golpes à vontade e sem qualquer punição”, analisa. A falta de uma estatística sobre os estelionatos digitais é um ponto que dificulta o entendimento do tamanho que representam. “Não fazem levantamentos, tratam como informação critica, sigilosa, e assim não criam políticas para resolver o problema. Quando pedimos via lei de acesso à informação eles, simplesmente não entregam. A maior polícia do país, vive em um apagão de dados”, comenta o especialista e segurança digital.
Às vésperas da Black Friday, o consumidor deve ficar atento já que a tradicional data de descontos é mais voltada para as vendas on-line. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, um golpe é registrado no país a cada 16 segundos, isso considerando os dados do ano passado. Além de evitar os links que chegam por redes sociais e e-mail outra dica do professor da UFABC é não pagar por boleto ou PIX, o ideal é escolher uma forma de pagamento que pode ser contestada, como o cartão de crédito. E comprar em plataformas é outra dica. “Por mais que essas plataformas não estejam livres de problemas, quando se percebe o golpe há alguém a se recorrer. O importante é também evitar o frenesi do desconto no PIX; esses super descontos fazem o consumidor cair no golpe. É bom sempre lembrar do ditado que diz que o barato quase sempre sai caro”, completa.
A Secretaria de Segurança Pública não se manifestou sobre os dados dos crimes digitais, informa que não há disponibilidade de dados regionais e também não disponibilizou fonte para comentar a situação.