O alto adensamento populacional resultante do acelerado processo de verticalização dos últimos anos em São Caetano tem impactado de maneira significativa na oferta de serviços públicos e do transporte coletivo, assim como na mobilidade urbana. A observação é da arquiteta e urbanista Airlana Polzatto, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos da cidade.
Airlana diz que a construção de edifícios tem mudado não apenas o cenário de um território de apenas 15 km², mas no aumento populacional, está no Censo Demográfico de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – não foi realizado em 2020 –, que registrou crescimento de 11% em relação a 2010: passou de 149 mil para cerca de 165,6 mil, o que significa 10.805 pessoas por km², um dos índices mais elevados do País, com média de 2,6 pessoas por moradia.
Segundo os dados divulgados recentemente pelo instituto, São Caetano é a terceira cidade do Brasil com o maior número de moradores em apartamentos, com 32.578 pessoas, número que representa 52,55% de sua população que ocupa o tipo de residência. À frente do município estão Santos, com 63,4% de seus habitantes em apartamentos, e Camboriú, em Santa Catarina, com 57,2%.
Airlana diz que São Caetano tinha pouco mais de 149 mil habitantes, e no período de 14 anos (desde 2010) houve um crescimento de quase 17 mil habitantes. Atualmente mais de 50% da população vive em edifícios residenciais, o que resulta no alto adensamento populacional em razão de ser um município pequeno e totalmente consolidado. “Essa ocupação acelerada por meio da verticalização resulta num impacto significativo na oferta e qualidade dos serviços públicos e de transporte coletivo, que não se adequam no mesmo ritmo (dos novos edifícios e aumento da população)”, argumenta a especialista.
A verticalização de São Caetano, no rastro de mudanças nas leis de uso e ocupação do solo, está relacionada ao aumento da procura por moradias na cidade, sobretudo de interessados da Capital, que veem na proximidade e na qualidade de vida do município vizinho, apontada como uma das melhores do País.
Bruno Perez, analista do IBGE, afirma que São Caetano possui uma área relativamente pequena, com população de porte médio e muito inserida na Região Metropolitana de São Paulo e próxima dos principais pontos da Capital, como o Centro. “Tem características semelhantes à área do chamado Centro Expandido de São Paulo: bastante adensado e de verticalização considerável”, explica o técnico da área de coordenação de população e indicadores sociais do IBGE durante a divulgação dos dados, realizada recentemente em Diadema.
Impacto no trânsito
Diante de cenário no qual a verticalização de São Caetano se mostra constante e irreversível, Airlana não esconde preocupação com o impacto que esse processo terá na qualidade de vida dos moradores, sobretudo no trânsito. “Esse crescimento tem um impacto imediato na mobilidade urbana, com o aumento da circulação de veículos particulares e na lotação do transporte coletivo. Também pressiona o poder público a ampliar a rede de saúde e educação, o que não pode ser feito de uma hora para outra, ocasionando uma demora no atendimento à população”, opina.
Outro ponto abordado pela especialista é o risco que a verticalização representa para a ocorrência de enchentes e alagamentos, recorrentes em pontos da cidade a cada vez que chove com mais intensidade, como na avenida Guido Aliberti, principalmente no verão. Mas, para além das ações do poder público em tentar minimizar esse tipo de problema, Airlana alerta que construtoras, e mesmo a população, precisam adotar medidas que possam contribuir para reduzir a ameaça.
A impermeabilização do solo é um dos principais fatores que aumentam os riscos de enchentes e alagamentos, diz Airlana. Afirma que atualmente a Prefeitura trabalha com o Saesa para ampliar e melhorar a infraestrutura de drenagem do município e investir em sistemas de combate a enchentes, como a construção de piscinões. “Mas também cabe à população (e construtoras) adotar medidas que possam contribuir para reduzir esse impacto, uma vez que a legislação edilícia exige que no mínimo 15% da área do terreno seja permeável ou que seja construído um reservatório de águas pluviais para retardar o volume de água despejado nas vias no momento da chuva”, diz.
Única alternativa
Questionada pelo Repórter Diário se a cidade de 15 km², e já com alto número de habitantes por km², tem condições de suportar o crescimento da verticalização, sem que isso comprometa ainda mais a infraestrutura, a arquiteta avalia que São Caetano não tem para onde crescer devido ao tamanho de seu território, de modo que a construção de edifícios é a única alternativa para suprir demanda por moradias. E argumenta que os responsáveis pelos empreendimentos têm obrigação de respeitar a legislação que trata do uso e ocupação do solo.
Airlana comenta que a sua percepção como profissional é a verticalização depende em grande parte do modelo dos novos empreendimentos do que da infraestrutura, pois estes devem apresentar contrapartida para adequação do existente e mitigação dos impactos provenientes da sua implantação.
São Caetano não tem para onde crescer, mas não se pode impedir a construção de novos edifícios. O ponto é cumprir o estabelecido na legislação urbanística a partir do plano diretor que define os parâmetros de ocupação e direciona para onde e como a cidade se desenvolverá. A cidade é um ser vivo em constante transformação, e precisamos estar atentos às questões de sustentabilidade, acessibilidade e atividade econômica para garantir a qualidade de vida e a oferta de oportunidades para o desenvolvimento de todos os cidadãos”, acrescenta.
Promessas dos candidatos a prefeito
O RD buscou nos planos de governo dos candidatos à Prefeitura se em alguns dos eixos a verticalização de São Caetano mereceu algum destaque, mas apenas o Professor Rafinha (Psol) dedicou espaço à questão, que classificou, em determinado ponto, como ‘especulação imobiliária’.
De todo modo, a equipe procurou os principais postulantes ou assessorias para saber o que pensam e se pretendem adotar alguma medida, caso eleitos. Fabio Palacio (Podemos) afirmou que vai revogar a lei que abriu caminho à verticalização mais intensa, enquanto Jair Meneguelli (PT) disse que a situação será analisada quando for realizada a atualização do Plano Diretor em eventual governo. Tite Campanella (PL) não se posicionou.
“A cidade foi verticalizada de forma irresponsável nos últimos anos, e o único objetivo da Prefeitura foi ampliar exponencialmente o lucro do setor imobiliário. Não foi feito planejamento de oferta de serviços, de mobilidade urbana e, principalmente, a cidade nunca pensou em ser mais resiliente ao colapso climático. Também nunca teve um plano de habitação popular, pelo contrário, adota uma política de gentrificação, expulsando as pessoas da cidade de modo a atender aos interesses do setor imobiliário. Não há como falar em cidade conectada com as necessidades impostas pelas mudanças climáticas, que ofereça qualidade aos munícipes e propicie condições de as pessoas mais pobres permanecerem na cidade, sem enfrentar a especulação imobiliária e o lucro de meia dúzia. A construção do novo Plano Diretor, com ampla participação popular, vai nos permitir fazer este enfrentamento”, disse o Professor Rafinha.
Nome escolhido pelo Podemos para disputar a sucessão do Paço, Fabio Palacio também fez críticas ao processo de verticalização que ganhou força nos últimos e tem impactado a mobilidade e serviços básicos, como saúde e educação, na medida que houve crescimento populacional. “Vamos revogar a lei que permitiu essa segunda onda de verticalização da cidade. O aumento populacional da primeira onda gerada pelo atual prefeito, anos atrás, ainda não foi totalmente suportado pelo aumento da oferta de serviços de saúde e educação. Temos de conter esse novo ciclo imediatamente, sob pena de continuarmos assistindo à perda da qualidade dos serviços básicos e o aumento considerável do trânsito”, comentou .
O petista Jair Meneguelli, caso eleito, afirma que vai incluir a população na discussão de mudanças do Plano Diretor para mitigar os impactos que ainda podem ser causados pelo acelerado processo de verticalização. “Deverá ser analisado na atualização do Plano Diretor, e que vamos fazê-lo ouvindo a população e entidades que estudam este assunto, como o BRCidades, a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, a USCS (Universidade Municipal de São Caetano), bem como nosso técnicos de carreira. Nas nossas propostas no plano de governo, nas áreas saúde, educação, segurança e mobilidade urbana, temos ações que virão contemplar e amenizar o caos nesses segmentos devido à falta de planejamento da atual administração”, disse Meneguelli.