Por Volney Aparecido de Gouveia
Em primeiro de julho de 2024, comemorou-se o fim do longo ciclo de hiperinflação na economia brasileira, depois de o País ter assistido à maior inflação de sua história em 1993. Foi 2.477% medida pelo IPCA (IBGE)! No período 1980-1993, a inflação média havia ficado em 303% ao ano; enquanto, no período 1993-2023, foi de 5,9%!
A crise de credibilidade dos governos impedia o êxito de qualquer plano, exatamente porque tais governos ou evitavam custos políticos e sociais das medidas restritivas (Sarney), ou porque impunham medidas drásticas do tipo “jogar a água do banho com a criança junto” (Collor), ou seja, diminuir a inflação por meio de confiscos da poupança e limitar o crédito ao extremo até asfixiar financeiramente os agentes econômicos. Reduzia-se a inflação rápida e temporariamente, mas a um custo socioeconômico elevado.
Mas o “pulo do gato” para eliminar a hiperinflação foi a criação da Unidade Real de Valor (URV). Esta significava convergir todas as expectativas para um único indexador. Ao contrário dos planos anteriores, não haveria congelamentos de preços e nem de salários; não haveria reajustes de salário mínimo e nem facilidades de crédito. Haveria contenção de demanda e estímulos à oferta. Em fevereiro de 1994, os preços em URV e em cruzeiro real conviveram simultaneamente. Os agentes econômicos tinham de estabelecer seus preços nas duas “moedas” (URV e cruzeiro real).
Se antes os agentes tinham seus preços congelados, desta vez a estratégia era deixar todos remarcarem seus preços à vontade, o que, consequentemente, refletia na própria cotação da URV, que era usada, na sequência, para converter todos os preços.
Na sua primeira fase (1994-1998), o plano real uso e abusou da âncora cambial. Vinculou o real ao dólar, o que obrigou o Banco Central a garantir a compra e venda da moeda americana a quem quisesse fazê-lo, mas exigia a disponibilidade de reservas cambiais que o País não tinha.
A ideia da âncora era simples: dólar barato facilitava as importações, aumentava a oferta de produtos e barateava os custos de produção internos, impactando positivamente na composição dos preços e diminuindo as pressões de reajustes de preços.
Mas sustentar esta política exigia a existência de reservas em dólar, o que o País não tinha. A alternativa foi elevar estratosfericamente a taxa de juros básica (a Selic) como forma de atrair capital estrangeiro para financiar este aumento das importações, além de recorrer a empréstimos junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
O resultado foi o aumento do custo das dívidas pública interna e externa. Trocamos a hiperinflação pelo endividamento. Em 1993, a dívida líquida do setor público era 19% do PIB, saltou para 44%, em 2002, e 68% em 2024. Mas as contas do País com o Exterior tinham piorado seis vezes em relação à média do início dos anos 1990 (de -0,25% do PIB no período 1990-1993 para -2,8% no período 1994-1998).
Adicionalmente, a carga tributária como proporção do PIB saltou de 25%, em 1993, para 28% em 1998, e 33% em 2022, e se mantém neste patamar até os dias atuais.
Em resumo, o Brasil “virou a página” da hiperinflação, mas ainda convive com uma lógica de controle da inflação que impõe custos excessivos em termos de crescimento econômico e geração de melhores empregos (maior remuneração).
É preciso se desvencilhar da lógica dos juros altos, ampliar nossa complexidade econômica – com a produção de bens e serviços de maior teor tecnológico -, melhorar a qualificação dos trabalhadores, distribuir melhor a renda como forma de expandir o mercado interno e buscar a construção de uma classe média uniforme e participativa, mais produtiva e participativa. Temos avançado na consolidação da estabilidade. A obsessão agora deve ser a de consolidar o desenvolvimento socioeconômico.
Volney Aparecido de Gouveia é economista, professor, gestor-adjunto e coordenador do curso de Ciências Econômicas da Escola de Gestão e Negócios da Universidade Municipal de São Caetano (USCS). Autor do livro “A economia do transporte aéreo no Brasil: novos ares para o desenvolvimento da aviação”.