A tentativa de implementar o modelo cívico-militar em escola que leva o nome do jornalista assassinado durante a ditadura militar gerou forte reação de familiares, entidades de direitos humanos, comunidade escolar e do Sindicato dos Professores.
Uma onda de repúdio e indignação tomou conta da comunidade escolar da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog, em São Bernardo, após a instituição manifestar interesse em aderir ao programa de escolas cívico-militares do governo de São Paulo.
A unidade de ensino, que carrega o nome de um dos símbolos da resistência contra a ditadura militar, viu-se no centro de um debate que extrapola os muros da escola e reacende as discussões sobre a presença de militares na educação e a importância da memória histórica.
A proposta, que inicialmente partiu da direção da escola, foi recebida com forte oposição por parte de familiares de Herzog, entidades de direitos humanos, membros da comunidade escolar e também pelo sindicato dos professores (Apeoesp). O Instituto Vladimir Herzog, organização dedicada a preservar o legado do jornalista, se manifestou publicamente, ao classificar a iniciativa como”afronta inadmissível” à memória de Herzog, brutalmente assassinado em 1975, durante a ditadura militar, dentro das instalações do DOI-CODI, em São Paulo.
“Em nenhum país verdadeiramente democrático, teríamos a associação – ainda que simbólica –, de um nome como o do jornalista Vladimir Herzog, a uma escola de ensino cívico-militar”, declarou o Instituto em nota, ao reforçar a incompatibilidade do projeto com os valores democráticos defendidos por Herzog ao longo de sua vida e reiterar que a militarização do ambiente escolar representa um retrocesso para a educação pública, ferindo princípios fundamentais como a pluralidade e a liberdade de ensino.
A indignação ecoou na fala de Ivo Herzog, filho do jornalista, que classificou a proposta como um desrespeito à memória do pai. “Lugar de militar é nos quartéis, não nas escolas”, declarou ao demonstrar a posição da família em relação à militarização do ensino e reforçar o sentimento de repúdio à tentativa de vincular o nome de Herzog a um programa que, segundo críticos, evoca um período obscuro da história brasileira.
A APEOESP também se posicionou fortemente contra a iniciativa, argumentando que a implementação do modelo cívico-militar na escola seria um “desrespeito à memória de Herzog e a todos que lutaram pela democracia durante a ditadura”. O sindicato reforçou a importância de preservar o caráter democrático e plural da escola pública, livre da ingerência militar.
Diante da pressão da sociedade civil e da comunidade escolar, a Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog anunciou a desistência de aderir ao modelo cívico-militar. Em nota, a instituição afirmou que, após “nova análise”, decidiu “não dar continuidade à consulta”, ao reconhecer a importância de uma educação pautada na democracia, pluralidade e inclusão social.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por sua vez, afirmou que a decisão final sobre a adesão ao modelo seria tomada após a realização de três audiências públicas com a comunidade escolar. Entretanto, a forte mobilização contrária à medida parece ter sido decisiva para a mudança de postura da escola.
O caso da Escola Estadual Jornalista Vladimir Herzog, contudo, coloca em evidência um debate que se estende para além da instituição. O projeto de escolas cívico-militares do governo paulista, que pretende implementar o modelo em 45 escolas estaduais a partir de 2025, tem sido alvo de críticas contundentes por parte de educadores, especialistas e entidades ligadas aos direitos humanos.
A principal crítica reside na contestação à constitucionalidade do projeto e na incompatibilidade do modelo com os princípios da educação pública. A Advocacia-Geral da União (AGU), inclusive, já se manifestou a respeito, ao classificar a iniciativa como inconstitucional. O Ministério Público e a Defensoria Pública também entraram com uma ação civil pública pedindo a suspensão do programa.