ABC - sábado , 3 de maio de 2025

Especialista diz que ABC não está preparado para enchente como a do Rio Grande do Sul


Enchente em Mauá. Prefeitura já está no meio de um plano de reestruturação da sua Defesa Civil e entregou nova sede para o órgão. (Foto: Reprodução)

As prefeituras da região afirmam que monitoram áreas de risco e mantém equipes de Defesa Civil em número adequado para o atendimento de catástrofes climáticas, tais como enchentes e deslizamentos, porém o terror vivido pelos moradores do Rio Grande do Sul nos últimos quinze dias e que resultou em mais de uma centena de mortos, mostra que se algo semelhante ocorrer na região não há estrutura de emergência suficiente para evacuação, abrigo e mitigação dos danos. Para o coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Fundação Santo André, Enrique Staschower, o ABC tem características específicas que poderiam levar, numa situação de muita chuva, além do normal, a tragédias humanitárias semelhantes à que cidades gaúchas vivem no momento e com danos maiores visto que o ABC tem população mais adensada.

A estruturação urbana do ABC se fez de forma irregular e muitos bairros estão em várzeas de rios, áreas que naturalmente são espaço para espraiamento de águas das cheias. Canalizações e retificação de córregos e rios não contribuíram para a drenagem e agravaram o problema. “Estamos em uma região de campina, no fim da Mata Atlântica que é muito úmida e com rios sinuosos, lentos e vagarosos que naturalmente extravasam em época de chuva. Ainda foram criadas as represas Billings e Guarapiranga. Com a urbanização, a retificação e o tamponamento dos rios a vazão mudou e o rio que era lento e com curvas agora é rápido chega mais rápido aos outros rios e causa alagamentos. Ainda criaram-se piscinões com a previsão de armazenamento baseada em histórico de cinco anos, mas a região está cada vez mais impermeabilizada e de repente o piscinão já não funciona mais”, explica o professor da FSA.

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Segundo o urbanista, as prefeituras estão atualizando seus planos diretores e não estão considerando as mudanças climáticas. “Não estamos preparados para isso. Veja, por exemplo em Santo André, na região da avenida Industrial. Lá está se incentivando a verticalização numa área muito próxima ao Tamanduateí e a córregos que alagam. Aí se constroem dois ou três subsolos e está feito o problema. Me preocupa quando chegar o fim da primavera e início do verão, em meados de setembro”, aponta.

Outro ponto crítico da região a que Staschower aponta com preocupação é o bairro Montanhão, em São Bernardo. “É uma região muito íngreme e vejo ali riscos de deslizamentos. Não sei como um caminhão de gás faz para subir e em que condições desce daquelas ruas. Por outro lado há na região habitação em áreas ribeirinhas. Na região da Paulicéia há obra no Corredor ABD, ao lado do Piscinão da Mercedes-Benz, que sempre transborda e com a obra pode ficar pior”, destaca.

“As cidades não interligam suas forças da Defesa Civil e os serviços públicos. Tem lugar que um lado do rio uma prefeitura faz um muro enorme para a água não invadir as ruas sem se preocupar com a cidade do outro lado. Não há soluções integradas. Seria preciso um fundo regional para atendimento em casos de catástrofes. Estima-se que Porto Alegre vai ficar dois meses pelo menos sem produzir um real em riquezas, será que o ABC tem dinheiro para aguentar isso? Se já param montadoras por aqui por falta de peças feitas no Rio Grande do Sul, se pararem as indústrias daqui, para a produção nacional de carros e aí se tem um problema para a economia nacional”, analisa o professor.

Profetas

O urbanista da FSA diz que as universidades da região como a própria fundação, a UFABC (Universidade Federal do ABC) e a USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) sempre produzem trabalhos importantes e oferecem estudos para os poderes públicos municipais, mas poucos são aproveitados. “O Consórcio do ABC tem o poder de reunir esses trabalhos e organizar as prefeituras, mas não tem o poder de fazer, e fica no meio do embate político. Não quero ser do grupo dos profetas da catástrofe, mas a gente busca soluções para um problema que não é só desta região, pois os córregos daqui impactam em Guarulhos, Suzano e Mogi das Cruzes, é tudo parte da região metropolitana. Em ano de eleição, não dá para fugir mais deste tema. Não é possível que a tragédia no Rio Grande do Sul não toque o coração dos políticos”, critica.

O professor dá exemplo de São Caetano, que tem bairros afetados pelas cheias do Córrego dos Meninos. “Em 2019 uma grande enchente que atingiu São Caetano levou o bairro Fundação a ficar três metros submerso, veja, em 2019, e só agora estão com um projeto para tentar resolver a situação. É tudo muito lento quatro anos depois e só agora começam obras. A Defesa Civil das cidades deve ser mais valorizada equipada e integrada com as demais cidades”, completa.

Prefeituras começam a reestruturar seus departamentos de Defesa Civil

Coincidência ou não, com as enchentes no Rio Grande do Sul, parte das prefeituras da região informa que está em processo de reestruturação dos departamentos de Defesa Civil. Mauá iniciou esse processo em abril com a entrega da nova sede da corporação. O novo espaço é quase três vezes maior do que o anterior. Em 2021 a Defesa Civil deixou de ser uma coordenadoria para ser uma secretaria; a de Proteção e Defesa Civil.

Enchente em São Caetano onde a água chegou a três metros em 2019. Especialista critica que ações demoraram muito. (Foto: Banco de Imagens)

Além do status administrativo e da nova sede a equipe de Mauá foi aumentada de seis para 33. Na época, só existiam quatro equipamentos de monitoramento em operação, atualmente são 22. Há três anos, não havia nenhuma ferramenta para atender emergências e operações de maior complexidade. Agora estão disponíveis holofotes, enxadas, pás, tendas e gerador. O secretário de Proteção e Defesa Civil, Sérgio Moraes, ressaltou o quanto o trabalho de reestruturação tem evoluído e trazido resultados. “Estávamos apertadamente distribuídos, em 121 metros quadrados e agora tivemos esse aumento de quase 300%. Mesmo assim, nosso trabalho foi feito com muita responsabilidade e dedicação. Dessa forma criamos o Plano de Contingência Municipal, inclusive com a realização de um simulado no último mês de outubro e que se tornou uma referência para a região, criamos e ampliamos para cinco o número de NUPDECs (Núcleos de Proteção e Defesa Civil), implantamos o Conselho Municipal de Defesa Civil e reativamos o Programa Defesa Civil Mirim, este de orientação às crianças, nas questões de risco. E pretendemos fazer ainda mais após essa ampliação e um espaço mais adequado”, destaca.

Diadema também quer aumentar o número de servidores da Defesa Civil. “A reestruturação da Defesa Civil de Diadema está na pauta do governo, por meio de ampliação do quadro de servidores. As áreas de risco de Diadema são monitoradas constantemente, sobretudo no período de chuvas de verão. As áreas sujeitas a deslizamentos são as maiores preocupações. O Plano de Monitoramento de Diadema contempla 10 áreas de risco com referência R4 (muito alto), além de outras áreas com menor potencial de risco que também são acompanhadas pelas equipes da SHDU – Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano”, diz a prefeitura.

O paço diademense diz que o monitoramento das áreas é presencial e também com o auxílio de pluviômetros e sensores de movimentação de massa, os quais podem aferir alertas emitidos pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). “Diadema conta com uma rede de entidades conveniadas e próprios municipais, como os  Ginásios Ayrton Senna e João do Pulo, que podem receber eventuais desabrigados em caso de desastres. Em conjunto, esses locais podem abrigar cerca de 150 famílias (aproximadamente 600 pessoas)”, diz nota do paço.

O Centro de Gerenciamento de Emergência da prefeitura de São Bernardo conta com viaturas e agentes e a prefeitura garante que tem ações permanentes para prevenir acidentes e minimizar os impactos das fortes chuvas, como limpeza de piscinões, estações elevatórias, bocas de lobo e córregos. “A Defesa Civil promove, ainda, trabalho contínuo de qualificação dos profissionais, bem como o aparelhamento das equipes e já atua em consonância com a Defesa Civil estadual e defesas civis dos municípios vizinhos. O Plano Municipal para Redução de Riscos, atualizado em 2021, especifica que o município possui 126 setores classificados como de risco, que são monitorados constantemente. São Bernardo elaborou estudo técnico para subsidiar suas políticas climáticas. Além disso, encontra-se previsto no Plano Diretor vigente, diretrizes para implementação da Política Municipal de Meio Ambiente como incentivo à adoção de técnicas inovadoras e ambientalmente sustentáveis na indústria para a conservação da energia e de combate às mudanças climáticas e implementação de ações de prevenção e adaptação às alterações produzidas pelos impactos das mudanças climáticas”, informa a administração.

Recursos

Em Rio Grande da Serra a prefeitura informa que são seis áreas consideradas de risco de deslizamento: Vila Lopes, Vila São João, Vila Guiomar, Vila Monte Alegre, Biquinha Matarazzo e Sítio Maria Joana. Áreas com risco de alagamentos são três: Santa Tereza (Córrego dos Ipês), Estrada do Rio Pequeno (Córrego do Paiolzinho) e Vila Santo Antônio. O monitoramento delas é feita com visitas técnicas preventivas.  A prefeitura sustenta que tem quadra municipal que pode servir de abrigo temporário, mas diz que não tem materiais em estoque para atender os desabrigados. Por fim a prefeitura sustenta que tem estudos para contratar mais pessoal para a Defesa Civil.

A prefeitura de Ribeirão Pires não informou se pretende reforçar a sua Defesa Civil. “A Defesa Civil Municipal de Ribeirão Pires tem sido estruturada e equipada para atuar em ações preventivas, com emissão de alertas permanentes para os moradores, monitoramento das previsões climáticas e níveis de chuva e o monitoramento de áreas mapeadas de risco. Nessas comunidades, há o trabalho de conscientização. Além disso, anualmente, o município estabelece planos de prevenção e atuação para situações de emergências. Pontos como remoção de famílias, abrigo, auxílio moradia, atendimento em saúde, entre outras, estão previstas neste plano”, resume a administração, em nota.

Santo André tem o seu  Centro de Resiliência às Emergências de Defesa Civil e conta com câmeras de monitoramento, fluviômetros e bueiros inteligentes, como equipamentos para enfrentamento aos desastres climáticos. “São 7 equipes de plantão para serem acionadas no caso de alguma ocorrência. E estamos nos preparando para enfrentar os efeitos adversos das mudanças climáticas, com centrais meteorológicas, sensores dos fluviômetros e câmeras de monitoramento com acesso diretamente da população para acompanhar imagens para monitorar tanto o clima quanto os efeitos das tempestades para agir mais rápido. Santo André passa por atualização do PMRR – Plano Municipal de Redução de Riscos – que está sendo elaborado pelo IPT/SP. Existe um contrato com o IPT em andamento para a revisão deste plano, que vai identificar a situação atual dos pontos com risco de alagamentos e deslizamentos de terra. São realizados periodicamente vistorias com sobrevoo de drone para atualizações das informações. As imagens são enviadas aos setores responsáveis para acompanhamento e intervenções, caso necessário, como interdições de unidades habitacionais e posterior demolição e remoção. O monitoramento conta com 125 câmeras e 78 fluviômetros.

Ocorrências com desabrigados são atendidas por 13 unidades escolares de Santo André que podem ser utilizadas para abrigo ou refúgio em caso de emergência. “Estas unidades são vistoriadas anualmente e contam com estrutura para esta finalidade. A Defesa Civil conta também com estoque estratégico para atendimento de Assistência Humanitária. Itens como: colchão, cobertor, lençol, kits de roupas higienizados, embalados e classificados por tamanho e gênero, material de limpeza e higiene pessoal, entre outros. É oferecido ainda cartão auxílio alimentação”, completa informe do paço andreense.

São Caetano não respondeu até o fechamento desta reportagem.

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