Problemas estruturais atrapalham atuação feminina na política, diz doutoranda

As mulheres formam a maioria da população, independente se o recorte é nacional, estadual, regional ou municipal. No caso do ABC, até formam a maioria dos filiados nos partidos políticos. Porém, o número de mulheres eleitas ainda está longe da proporção existente na sociedade. Para a doutoranda do Programa de Ciências Humanas e Sociais da UFABC (Universidade Federal do ABC), Maria Angélica Fernandes, ainda existem problemas estruturais que criam fortes barreiras para a participação feminina na política.

Primeiro ponto: estrutura aocial

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“As pessoas precisam entender que uma mulher sente um homem tem que levantar”, diz Maria Angélica Fernandes (Foto: Reprodução/RDtv)

A especialista dividiu o cenário em três pontos. O primeiro está na estrutura da sociedade no dia a dia. Apesar do número de mulheres nas universidades e no mercado de trabalho ter subido nas últimas décadas, o trabalho doméstico e com os filhos, sem que o homem ajude, gera barreiras para que a participação feminina nos partidos ocorra de maneira incisiva.

“Tem um problema que é pouco discutido, o movimento das mulheres discute, mas a sociedade tem discutido pouco que é a divisão sexual do trabalho, ou seja, o uso do tempo por homens e mulheres. Hoje as mulheres, mesmo trabalhando fora (de casa), elas são responsáveis pelos cuidados dos filhos, responsáveis por cuidar da casa. Têm estudos que apontam que as mulheres gastam a maior parte do seu tempo na reprodução social do trabalho”, iniciou.

“Quando as mulheres estão em casa cuidando dos filhos, elas não têm tempo para participar da reunião do partido, por exemplo, que normalmente acontece à noite, em horários em que ela não pode, às vezes não tem condição de levar o seu filho. Então essa condição estrutural, dessa subordinação das mulheres, também condiciona a sua participação política”, completa Angélica durante entrevista ao RDtv.

Segundo ponto: cenário político

Atualmente o ABC conta com 2.097.654 eleitores, sendo que 1.139.697 são mulheres. Entre os filiados, a região conta com um total de 194.386 militantes em partidos políticos, sendo que 98.257 são mulheres. Apesar deste cenário, majoritariamente os homens comandam as prefeituras e os legislativos.

Apesar das histórias de Tereza Delta, que foi prefeita de São Bernardo entre 1947 e 1948, após nomeação do governo do Estado, e de Irinéia José Midolli, primeira prefeita eleita na região e que comandou Rio Grande da Serra entre 1973 e 1977, o ABC não conta com uma mulher eleita para comandar uma prefeitura desde Maria Inês (PT), que liderou a Prefeitura de Ribeirão Pires entre 1997 e 2004 (dois mandatos).

Tereza Delta foi a primeira mulher a ser prefeita, vereadora e deputada estadual no ABC (Foto: Divulgação/CMSBC)

De lá para cá, duas mulheres tiveram a oportunidade de comandar alguma prefeitura. Alaíde Damo (MDB) chegou a ser prefeita de Mauá entre abril e setembro de 2019. E Penha Fumagalli (PSD) comanda Rio Grande da Serra desde 2022. E se levar o cenário pré-eleitoral, apenas duas mulheres são citadas para uma futura disputa: Penha e a atual secretária de Saúde de São Caetano, Regina Maura (PSDB).

Nas 142 cadeiras nos legislativos da região, apenas nove foram destinadas para mulheres em 2020. Na história do ABC, apenas 65 mulheres ocuparam uma cadeira em alguma Câmara. Tereza Delta foi a primeira entre 1948 e 1951 (chegando a ser presidente do Legislativo de São Bernardo). A que mais passou tempo como vereadora foi Cida Ferreira (MDB), que ocupou uma cadeira na Câmara de Diadema entre 1989 e 2016 (somando sete mandatos).

Apesar da atual lei eleitoral garantir que 30% da chapa de vereadores seja formada por um gênero, isso não criou um hábito de se eleger mulheres para as câmaras. “Como esse percentual não é nos eleitos, mas nas candidaturas, você não vai conseguir reverter esse quadro, ou seja, você não está falando das eleitas ou dos eleitos, você está falando dos candidatos, então é fácil botar essa mulher para preencher essa chapa, ela não vai ter nenhum voto. Então você legalmente cumpriu a lei. Acho que a nossa regra eleitoral também permite que os partidos possam burlar a legislação”, afirma Angélica.

Em 2020, 14 candidatos a vereador no ABC ficaram sem votos. Destes, 10 eram mulheres. “Para uma mulher sentar é preciso que um homem levante. Os partidos ainda não tiveram a capacidade de enxergar o potencial das mulheres”, critica.

Terceiro ponto: conteúdo

Sueli Nogueira (morta em 2021) foi uma das principais representantes das mulheres negras na política da região. Foi eleita vereadora em São Caetano por quatro oportunidades (Foto: divulgação)

A doutoranda aponta que não basta apenas que o homem aprenda a dividir as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos, o que permite maior participação das mulheres em reuniões partidárias ou mesmo em campanhas. E não adianta manter um cenário de cotas em chapas para cargos no Legislativo.

Outro ponto em que é necessário algum avanço é o olhar feminino na política, ou seja, que o conteúdo das pautas ligadas às mulheres seja defendido realmente pelas eleitas e que elas evitem ser apenas uma repetição do pensamento masculino ou mesmo um pensamento de domínio que leve em conta outras características.

“Mulher é um coletivo muito diverso e plural. As mulheres têm classe social, têm raça, têm etnia, têm orientação sexual, têm território, as mulheres são de uma geração, as mulheres têm ou não falta de capacidade, enfim. Quando falamos de mulheres é um coletivo muito maior do que pensamos de representação. O que temos hoje na representação das mulheres são de maioria branca, universitária e de classe média. A grande base das mulheres tem muito mais dificuldade de se tornar viável uma eleição, de se eleger”, explica Angélica.

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