
O neurocirurgião Wagner Malagó Tavares e sua equipe realizaram no Hospital e Maternidade Brasil, da Rede D’Or São Luiz, em Santo André, dois procedimentos de altíssima complexidade inéditos no ABC. O primeiro deles foi uma cirurgia para remoção de um tumor cerebral de cerca de três centímetros num paciente de 50 anos de idade. Detalhe: a operação aconteceu com o paciente acordado. Isso porque o tumor estava localizado numa região do cérebro ligado à fala.
A neurocirurgia com o paciente acordado é conhecida como craniotomia acordada. Essa abordagem, que lança mão de um mapeamento funcional intraoperatório, é utilizada em casos em que é necessário identificar áreas específicas do cérebro que estão relacionadas a funções vitais como fala ou movimento.
”Há alguns anos, muitos desses tumores eram considerados inoperáveis devido ao alto risco de sequelas, como o paciente deixar de mexer um braço ou perder a capacidade de falar”, explica Wagner Malagó Tavares.
O objetivo da craniotomia acordada é maximizar a retirada do tumor preservando a função neurológica.
Na cirurgia, o paciente é sedado e recebe anestesia local na área do couro cabeludo. O cérebro em si não possui receptores para a dor – por isso o paciente pode ficar acordado enquanto a equipe faz a intervenção. A cirurgia é realizada com o auxílio da neuronavegação intraoperatória. Essa tecnologia utiliza os dados da ressonância magnética do paciente em tempo real.
A neuronavegação funciona como uma espécie de GPS proporcionando uma delimitação mais precisa, possibilitando um corte menor na pele e uma abertura menos invasiva do osso craniano.
Após a abertura do crânio, o médico eletrofisiologista aplica estímulos elétricos suaves diretamente no cérebro para identificar áreas que controlam funções específicas. Na cirurgia feita no Hospital Brasil, uma determinada região do córtex cerebral era estimulada ao mesmo tempo em que o neurocirurgião conversava com o paciente.
“Enquanto o paciente falava, usávamos uma caneta especial que libera uma pequena descarga elétrica e simula uma lesão cerebral. Se mesmo com a ‘lesão’, a pessoa continuava falando eu sabia que aquela parte do cérebro ou tumor podia ser ressecado sem causar danos”, diz Tavares.
Após a ressecção, o anestesista voltou a sedar o paciente e o cirurgião fechou a incisão no crânio. Ao todo, o procedimento durou cerca de quatro horas e o paciente recebeu alta depois de quatro dias.
Vale ressaltar que nem todos os casos requerem a neurocirurgia com o paciente acordado. A decisão é tomada em conjunto pela equipe médica e pelo paciente considerando os benefícios e os riscos envolvidos no procedimento.
Robótica e neurocirurgia para a retirada de um tumor
O segundo procedimento foi realizado de forma multidisciplinar, também em maio, pelo neurocirurgião Wagner Malagó Tavares e o urologista Arie Carneiro, que participou da cirurgia utilizando a plataforma robótica Da Vinci.
Foi a segunda vez no mundo, baseando-se na documentação em literatura médica, que se utilizou essa abordagem combinada para se tratar um ganglioneuroma retroperitoneal. A primeira também foi coordenada pelo neurocirurgião Wagner Tavares há dois anos em São Paulo.
Ganglioneuroma é um tumor benigno raro, que se origina das células do sistema nervoso simpático, responsável pelo controle involuntário de vários órgãos e glândulas do nosso organismo.
Na maioria das vezes são detectados ocasionalmente e os sintomas estão relacionados com a localização e o tamanho do tumor, que comprime órgãos vizinhos podendo causar principalmente dor.
O retroperitônio, por sua vez, é uma área localizada na parte de trás do peritônio, membrana que reveste os órgãos abdominais. Os principais órgãos retroperitoneais são os rins, as glândulas supra-renais, o pâncreas, o duodeno, parte do cólon e os grandes vasos sanguíneos, como a aorta abdominal e a veia cava inferior.
“Optamos pela abordagem combinada de neurocirurgia e cirurgia robótica para termos mais sucesso na ressecção total do tumor e reduzir os riscos pós-operatórios”, conta Wagner Malagó Tavares. “Trata-se de uma região com estruturas delicadas.”
Segundo ele, uma cirurgia tradicional, aberta, seria muito mais invasiva e mórbida para o paciente, resultando na necessidade de se usar doses mais altas de analgésicos no pós-operatório, maior perda de sangue, na permanência mais longa no hospital além de um atraso significativo no retorno às atividades normais.
A paciente era um jovem de 16 anos com um tumor de nove centímetros de comprimento e seis centímetros de largura. A intervenção durou cerca de 12 horas.
A equipe de neurocirurgia iniciou o procedimento com o intuito de descolar e afastar o tumor das raízes nervosas da coluna. Na sequência, a equipe de urologia utilizou a plataforma robótica para atingir a região anterior do tumor e ressecá-lo por completo.
“Ambos os procedimentos foram bem-sucedidos”, afirma Tavares. “A paciente recebeu alta depois de 7 dias e não vai precisar de nenhum outro tratamento oncológico complementar.”