ABC - terça-feira , 30 de abril de 2024

Aguapé cobre Rio Tietê, impede navegação turística e muda festa de 150 anos no interior de SP

A grande quantidade de aguapés que cobre trechos do Rio Tietê impede os passeios de barcos e prejudica o turismo, em Barra Bonita, no interior de São Paulo. O deslocamento das “ilhas” de plantas aquáticas rio abaixo afeta a navegação pela hidrovia Tietê-Paraná. Pescadores relatam perdas de petrechos e mortes de peixes. Em Anhembi, o ritual da Festa do Divino, tradição de 150 anos, está ameaçado: as canoas usadas pelos festeiros já não conseguem navegar em meio aos aguapés.

Oito navios de cinco empresas operam a navegação turística na região. Juntas, as embarcações têm capacidade para levar três mil passageiros por dia, mas o movimento maior é nos finais de semana. Antes da pandemia de covid-19, ao menos 250 mil turistas faziam os passeios de barco anualmente. Uma das atrações dos passeios é a passagem pela eclusa da Hidrelétrica de Barra Bonita, vencendo um desnível de 26 metros para chegar ao reservatório de Anhembi, formado pelo represamento das águas do Tietê.

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O jornalista Carlos Nascimento (ex-Rede Globo, ex-SBT), que se tornou armador fluvial e possui um navio de turismo em Barra Bonita, conta que a eclusa opera de forma muito irregular há meses devido ao excesso de plantas aquáticas. “As embarcações entram na eclusa, sobem, descem e saem à ré, pois não é possível, salvo um dia ou outro, sair à montante. O lago de Barra Bonita ficou bastante comprometido e, no município de Anhembi, a navegação é impraticável”, disse.

O problema dos aguapés se estende às eclusas de Bariri, Ibitinga e à região de Araçatuba, em uma extensão de mais de 350 quilômetros. Nascimento integra um grupo de trabalho criado para discutir o problema das plantas aquáticas. O grupo, que tem também outros armadores, representantes das prefeituras da região, da AES Brasil e pesquisadores de universidades, se reúne mensalmente no Homero Krähenbühl, o barco de Nascimento, para tratar deste assunto.

Conforme Hélio Palmezan, presidente da ONG Mãe Natureza e também armador, as empresas estão sendo obrigadas a retirar do roteiro turístico a passagem pela eclusa, uma das atrações mais esperadas. “A grande quantidade de aguapés e capim braquiária vem impedindo a saída das embarcações à montante. Nenhum barco consegue atravessar a imensidão das plantas que a cada hora, a cada dia vêm se acumulando à montante”, disse. Segundo ele, as comportas são abertas todas as semanas para verter os aguapés rio abaixo, mas não tem sido o suficiente.

O grupo denominado GT Macrófitas (plantas aquáticas) fará sua quinta reunião até o final do mês para avaliar os impactos e propor soluções que serão encaminhadas ao governo estadual. “Estamos tentando definir como e quem deverá providenciar um controle biológico das plantas e uma forma de acelerar a retirada mecânica, que não está dando conta de reduzir o problema”, disse Palmezan.

A Colônia de Pescadores Z-20, de Barra Bonita, a Federação dos Pescadores do Estado de São Paulo e a Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA) vai pedir a abertura de ação civil contra a AES Brasil devido aos prejuízos causados à pesca pelos aguapés. “Como operadora da barragem e responsável pelo reservatório, a empresa tem o dever de manter a represa livre dos aguapés”, disse o presidente da CNPA e da colônia de Barra Bonita, Edivando Soares.

Segundo ele, em grande parte do rio Tietê as plantas aquáticas tornaram a pesca inviável. “Além da dificuldade para se deslocar com o barco, o pescador arma a rede e, quando volta, ela está totalmente tomada pelos aguapés que são empurrados pelo vento. Ele não consegue recuperar a rede e perde também o peixe, que acaba morrendo preso à malha”, disse. O problema, segundo ele, já afeta 15 mil pescadores do Tietê. “O aguapé chega na barragem e é empurrado rio-abaixo, por isso todo o rio está prejudicado.”

Conforme o diretor de Meio Ambiente da prefeitura de Anhembi, Daniel Zacharias Zago, o excesso de fósforo na água, mais o assoreamento do Rio Tietê e seus afluentes, como o Rio do Peixe, favorecem a proliferação das plantas aquáticas. “Os aguapés de deslocam e quando entram na calha do rio vão se acumular na barragem, depois saem pelas comportas e seguem rio-abaixo. Além do turismo, bastante afetado, temos 600 famílias de Anhembi que vivem da pesca.”

Segundo ele, a prefeitura usa dragas para retirar as plantas, “mas é como enxugar gelo”. Além do aguapé, as margens do Tietê e afluentes estão infestadas pela gramínea braquiária, mais resistente e que, quando levada pelas águas, entope as turbinas da hidrelétrica e enrosca nas hélices das embarcações. “Os portos de areia de Anhembi estão impedidos de operar devido ao acúmulo de plantas, que também nos obriga a mudar a tradicional Festa do Divino. Ficou difícil o encontro de barcos dos festeiros no rio, ponto alto da festa, devido ao excesso de aguapés.”

Conforme o gestor, o governo do Estado tem projeto de retomar a hidrovia e a expectativa é de que os recursos sejam usados também para melhorar essa situação do rio. “Vamos entrar com pedido de autorização para o uso emergencial de um herbicida específico que elimina o aguapé, mas não afeta a vida aquática. A aplicação pode ser feita com drone, mas ainda falta a licença para uso. Claro que a limpeza mecânica tem de continuar, assim como o saneamento do rio.”

Para a ambientalista Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlânticas, o problema do acúmulo de plantas e algas pode ser amenizado com a diminuição no lançamento de nutrientes que vêm da agricultura no Tietê e afluentes. “Com a mecanização da cultura de cana-de-açúcar, foi mudado o sistema de terraceamento para que as máquinas gigantescas pudessem passar. Sem as curvas de nível, os fertilizantes são carreados para os reservatórios. Quando há variação de temperatura, formam-se mais algas que competem com o oxigênio para os peixes, além de se tornarem tóxicas”, explicou.

Uma das saídas é diminuir o carreamento dos defensivos ricos em fosfatos para que não se acumulem nos reservatórios. “Hoje, o grande vilão dos reservatórios não é, tanto, mais o esgoto doméstico, mas essas cargas inorgânicas provenientes da agricultura que alimenta, as plantas aquáticas. É preciso recuperar as matas ciliares para evitar que esses defensivos sejam carreados para os rios. Muitas vezes a cana-de-açúcar chega até a margem do rio. É isso que está matando essas águas.”

A AES Brasil informou que o aguapé faz parte de um conjunto de plantas aquáticas que surgem ao longo dos cursos dágua, incluindo os reservatórios. “Quando há o acúmulo dessas plantas próximas às barragens, a empresa realiza a transposição da vegetação, por meio da abertura das comportas dos reservatórios para permitir que a vegetação siga o fluxo natural do rio.”

A AES possui programação aprovada pelo Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS) para a transposição da vegetação aquática. Segundo a empresa, esse tipo de manobra é feito periodicamente pela AES, sempre mediante autorização do ONS. “A empresa ainda reforça que a operação de transposição da vegetação também depende de condições climáticas favoráveis (vento a favor) para que o resultado da manobra seja efetivo”, disse, em nota.

O governo do estado informou que a Companhia de Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) monitora trimestralmente a qualidade das águas do reservatório de Barra Bonita em dois pontos: um após a junção do Rio Piracicaba com o braço do Tietê e outro no corpo central, a 9 km da barragem. Na amostragem de janeiro de 2023, os resultados de fósforo apresentaram concentrações que propiciam o crescimento das plantas aquáticas.

Os resultados da medição de abril ainda estão em processamento nos laboratórios. “O fósforo no reservatório é proveniente, especialmente, das duas maiores regiões metropolitanas do Estado, por onde passam os rios Tietê e Piracicaba, formadores desse reservatório. O uso e ocupação atuais do solo contribuem para o aumento desse nutriente, vindo de fontes difusas e pontuais”, disse, em nota.

Com relação ao controle e fiscalização dos lançamentos de efluentes domésticos e industriais, a Cetesb informou que vem trabalhando a nível estadual, exigindo o atendimento à legislação ambiental. “Nos últimos anos, o índice de tratamento de esgoto no Estado de São Paulo vem aumentando”, disse.

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