
Dia 1º de fevereiro de 1983, o ainda jovem Partido dos Trabalhadores, fundado quase três anos antes, assumia pela primeira vez o comando de uma prefeitura no Brasil. Em Diadema, Gilson Menezes (falecido em 2020) tomava posse como primeiro prefeito petista da história, episódio celebrado pela legenda na cidade nesta sexta-feira (10/02), data de aniversário de 43 anos do partido, porém, sob o desafio de recuperar o protagonismo regional.
A cerimônia realizada por meio de sessão solene na Câmara dos Vereadores de Diadema unifica as celebrações do aniversário do primeiro governo petista com o da legenda. “São duas datas que se sobrepõem. Aqui, o PT teve a oportunidade de implantar o modo petista de governar e é um momento propício de demarcação de espaço e debate na sociedade. Nossa ideia é fazer um paralelo do passado, presente e do futuro”, disse o vereador Josa Queiroz (PT), autor da homenagem.
Bem antes de ser prefeito, Gilson Menezes era um operário ferramenteiro que atuava no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. No dia 12 de maio de 1978, ele liderou cerca de 1,6 mil funcionários na fábrica da multinacional Saab-Scania, que cruzavam os braços, porque não receberam um adicional de 20% junto ao salário. Ainda eram tempos de ditadura militar, que começara em 1964 e persistiria até 1985.
Berço do petismo, o ABC acompanhou o nascimento do PT no dia 10 de fevereiro de 1980, em meio às greves dos metalúrgicos, lideradas pelo então líder sindical, Luiz Inácio da Silva, que mais tarde seria conhecido por todos como Lula. O partido surgiu como uma voz contra a ditadura militar e representação da classe trabalhadora. Seu registro oficial foi homologado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 1982, ano da vitória de Gilson Menezes em Diadema e mais 28 vereadores em seis das sete cidades da região.

Em 1988, o PT chegou a contar com 42 vereadores eleitos nas sete cidades, força que pouco oscilou por anos nas câmaras municipais. Após as eleições municipais de 2000, o partido teria outro recorde local, desta vez nas prefeituras, com cinco dos sete prefeitos da região: Celso Daniel (Santo André), José de Filippi Júnior (Diadema), Oswaldo Dias (Mauá), Maria Inês Soares (Ribeirão Pires) e Ramón Velasquez (Rio Grande da Serra).
Dois anos mais tarde, o PT alcançaria o seu ápice, com a vitória de Lula na eleição presidencial. O líder petista ainda seria reeleito em 2006, mesmo sob o fantasma do Mensalão. O presidente foi fundamental na eleição seguinte pelo ABC, principalmente em São Bernardo, pavimentando o caminho de Luiz Marinho para prefeito, passados 20 anos da última vitória do partido em sua cidade de origem com Maurício Soares.
Em alta, Lula conseguiu eleger sua sucessora Dilma Rousseff em 2010 na presidência da República, que posteriormente em um mar turbulento, alcançaria a reeleição quatro anos depois. Contudo, a petista assumiria o segundo mandato presidencial sob forte crise, que teria consequências ao futuro do PT em todo o país, e não seria exceção no ABC.
Do calvário à luz no fim do túnel
Na contramão de sua ascensão, o partido passou por um enfraquecimento vertiginoso nos últimos anos no ABC, desde os desdobramentos da Operação Lava-Jato e do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Naquele ano, circulava internamente entre prefeitos e vereadores petistas da região que era melhor a chefe da Nação sair o quanto antes para a crise em Brasília não respingar nas cidades, o que não adiantou muito.
O protagonismo do PT em seu reduto começou a desmoronar, em meio à maior crise da história do petismo. Em 2017, pela primeira vez na região, a sigla não tinha prefeito nas sete cidades. O número de vereadores também despencou de 29 para 16 cadeiras nos municípios, um cenário distante do apogeu petista em seu reduto histórico.
Em 7 de abril de 2018, Lula seria preso sob acusação de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal envolvendo um triplex no Guarujá e permaneceu na superintendência da Polícia Federal, em Curitiba (PR). A liberdade seria retomada passados 580 dias, após o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, por seis votos a cinco, que a prisão somente deve ocorrer após o trânsito em julgado, com o fim dos recursos.
Mesmo com a sua maior liderança em liberdade e articulando pelo país, a disputa eleitoral de 2020 deu um gosto ambíguo ao PT. Por um lado, a representatividade petista nas câmaras municipais cairia ainda mais, desta vez para 14 parlamentares eleitos. Por outro lado, o partido retomaria duas prefeituras: em Mauá, o então vereador Marcelo Oliveira surpreendeu e venceu o pleito, enquanto Filippi consolidava o favoritismo em Diadema.
Em momento de crise do partido, Diadema se mostrou novamente um reduto histórico do PT, alçando Filippi ao seu quarto mandato, recorde na região. “Diadema sempre foi lembrada como laboratório do modo petista de governar. Foi (aqui) a primeira vez que o povo se viu representado na Prefeitura. Ter um metalúrgico, um ferramenteiro, como Gilson Menezes, à frente da administração municipal trouxe uma inversão de prioridades, que os cidadãos diademenses estavam acostumados”, disse o prefeito.
Mudança de perfil no eleitorado do ABC

Nascido dos períodos das grandes greves, o PT de hoje enxerga um ABC muito diferente dos anos de 1980. Segundo Paula Brito Agliarti, professora de Sociologia da Fundação Santo André, a população regional está mais envelhecida, ao mesmo tempo que o segmento conversador no eleitorado brasileiro se expressa de forma mais contundente. Tal cenário, segundo a docente, é atrelado à mudança do perfil econômico da população.
“Na própria composição das cidades (do ABC), a gente percebe que houve um envelhecimento da população e existe tendência de decair mais a proporção de jovens, além da mudança no perfil de trabalho, com atuação maior em serviços e menos no setor da indústria. E há um polo mais conversador, que durante décadas não conseguia ter uma expressão mais pública e a tendência é se expressar mais nas urnas”, pontuou a professora.
Por sua vez, o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT) afirma que o PT segue com força de dialogar tanto com trabalhadores da indústria e comércio. “Ambos são trabalhadores. São Bernardo é altamente industrializada, há o polo petroquímico em Mauá e Santo André, temos metalúrgicas em Diadema, além de multinacionais, indústria de cosméticos na região. O trabalhador é sempre trabalhador e o PT representa toda essa gama”, considerou.
Segundo Josa, porém, o PT precisa entender o novo perfil da classe trabalhadora e dos jovens a fim de traçar o futuro da legenda. “Mesmo hoje, aquele trabalhador ligado à área da indústria não tem o mesmo entusiasmo a partir do partido e do sindicato. Existe um distanciamento de parte da população da política em geral. Isso que precisamos discutir e debate”, destacou o vereador diademense.
Josa adicionou o crescimento da religião na política e a necessidade do partido se adaptar a esses novos tempos: “O setor evangélico é praticamente um terço da população (brasileira). Como a gente enfrenta esse debate em um segmento conversador e que não tem disposição de debater os problemas reais, que vivenciam no dia a dia, como a miséria, desemprego e falta de oportunidades? Precisamos enfrentar esse debate nesse meio”.
A volta de Lula à presidência

O retorno de Lula à presidência da República, após a eleição mais apertada na história do país contra o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) em outubro de ano passado, serve como uma nova luz ao partido na região. “O momento é de reconstrução, e ninguém melhor do que o presidente Lula para conduzir esse processo. Em um mês, a sociedade já tem percebido a diferença em contar com um presidente de verdade, preocupado com seu povo e disposto a fazer o Brasil novamente ser respeitado mundialmente”, avaliou Filippi.
Luiz Fernando segue a mesma opinião, citando o laço de Lula com o ABC e a presença de Luiz Marinho no comando do Ministério do Trabalho. “Creio muito na retomada dos investimentos do governo federal no ABC. Durante os governos (dos presidentes Michel) Temer (PMDB) e Bolsonaro, (a destinação de recursos federais) foi praticamente zero. O presidente Lula é daqui e ama a região, da mesma forma, o ministro Luiz Marinho”, discorreu o deputado estadual.
As eleições de 2022 dão esperanças aos petistas, por meio da vitória de Lula em quatro das sete cidades da região. Ao todo, o atual presidente teve a aceitação de 843.120 eleitores (51,97% dos votos válidos), ao mesmo tempo que Bolsonaro obteve a adesão de 779.197 votantes (48,03%). Mesmo derrotado na corrida pelo governo paulista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), recebeu a maioria dos votos na região sobre o hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos): 803.658 sufrágios (52,20%) a 735.676 (47,80%).
Entretanto, o futuro do partido ainda parece nebuloso, principalmente em Santo André, onde o PT teve menos votos nas eleições para presidente e governador. Na cidade histórica para o partido, sequer há a certeza de um nome para encabeçar a chapa própria, diferentemente de Diadema, Mauá e em São Bernardo. Tal cenário incerto se repete em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, enquanto em São Caetano, o partido jamais governou e desde 2012 não elege um único vereador.