
Os holofotes se voltaram para a Medical Health nos últimos dias diante do elevado número de demissões que a companhia realizou e o não pagamento das rescisões, dos dias trabalhados e nem do 13° salário. A empresa alega que as demissões e a crise financeira foram causadas pela perda dos contratos que tinha com as prefeituras de Mauá e São Caetano e encerrados em setembro e dezembro, respectivamente. Porém, as dificuldades da empresa com prestadores de serviços e na assistência aos pacientes não é coisa tão recente, sendo que os contratos com as duas cidades foram rompidos justamente por causa do grande número de queixas dos servidores municipais.
Nem com uma liminar expedida pela Justiça, que obrigava a Medical Health a fazer um procedimento cirúrgico, a fez resolver o problema do servidor de São Caetano, Valdir Soares da Silva. O servidor sofreu uma fratura grave no ombro esquerdo em um acidente de trânsito. Desde junho do ano passado, tentava a cirurgia e o convênio primeiramente negou a necessidade, depois reconheceu, mas nunca a realizou. Hoje, com a calcificação errada do membro, Soares está com uma séria limitação dos movimentos e as perícias médicas já constataram que essa é uma sequela permanente. O servidor moveu um processo contra a operadora de saúde por erro médico. Diz que tentará também a abertura de inquérito policial por negligência. “A audiência será em março, tenho uma nova perícia agendada. Agora não adianta mais fazer a cirurgia, já calcificou errado e estou com os movimentos prejudicados”, lamenta.
O servidor ficou afastado do trabalho até o início de janeiro. É servente e trabalha na Educação em São Caetano. Para continuar na ativa, Silva tenta junto à Prefeitura a readaptação da sua função, para outra que seja mais compatível com a sua limitação física.

Multa
Em dezembro de 2021, um ano antes do encerramento do contrato com a Prefeitura de São Caetano, a Medical Health foi multada pelo município em R$ 2,2 milhões por descumprimento do contrato. A Prefeitura alegou na época que o convênio não cumpria com as obrigações contratuais por conta dos sucessivos descredenciamento de hospitais e laboratórios. Já naquela época a Prefeitura já avisou que a renovação do contrato que estaria prevista para abril de 2022 não seria feito.
A advogada da Medical Health, Ana Lia Rodrigues de Souza, diz que a empresa sofreu com a pandemia da covid-19 quando os custos hospitalares e os insumos tiveram grande alta de preços e isso desequilibrou contratos com instituições credenciadas. A Medical tinha cerca de 55 mil vidas seguradas, em 2022, enquanto vigoravam os contratos com as duas prefeituras do ABC e hoje, segundo a advogada, são cerca de 8 mil.
Problema por 13 anos
Os casos de clientes não atendidos são inúmeros. Uma moradora de São Bernardo, que preferiu não ser identificada, contou ao RD que viveu mais de um ano com inúmeras reclamações à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). A paciente foi cliente da Medical Health em um plano familiar que manteve por 13 anos e atendia também as duas filhas. A moradora teve diversos problemas de saúde dentro do período de um ano e esbarrou em muitos obstáculos. Primeiro foi uma cirurgia bariátrica remarcada na última hora, em setembro de 2021; depois do procedimento não conseguia retorno com o gastroenterologista para acompanhamento; na mesma época descobriu um tumor no cérebro, fez uma cirurgia em novembro daquele ano, mas depois teve dificuldade de fazer o acompanhamento porque a clínica não estava recebendo da Medical.
Os problemas com a paciente de São Bernardo não terminam por aí. A paciente precisou de uma cirurgia para corrigir o estrabismo, sequela da cirurgia cerebral, e também não conseguia especialista ou local para fazer os exames. O último problema aconteceu em setembro deste ano quando a filha sentiu dores abdominais e foi parar no pronto atendimento da operadora, em Mauá. A suspeita era de apendicite, mas, mesmo com os pedidos médicos de urgência, não conseguiu fazer um simples exame de sangue, porque todas as unidades próprias da Medical não faziam o procedimento e também não conseguia rede credenciada. Todas essas situações foram relatadas pela paciente à ANS. “Eu fiquei 13 anos com um convênio a quem confiei a minha vida e a das minhas filhas e quando eu mais precisei não tive retorno”, lamenta a usuária que, em novembro deste ano, resolveu trocar de plano de saúde. Disse que pagava à Medical mais de R$ 600 mensais. “Eu queria muito relatar essa minha indignação, a Medical precisa tratar as pessoas como vidas e não como plantas”, reclama.
Cobrança indevida
A aposentada Irene Menarbini, de 85 anos, infartou em fevereiro de 2022 e precisou do atendimento médico de urgência da Medical, convênio que paga há muitos anos. A primeira dificuldade da paciente, moradora de Santo André, é que foi encaminhada para o hospital Santa Rita, na Vila Mariana, Capital. Depois a paciente fez o procedimento cateterismo e permaneceu durante 14 dias em Unidade de Terapia Intensiva, outros dois em quarto até que foi para casa. Praticamente um ano depois o hospital passou a fazer cobranças para a família, alegava que o procedimento não tinha sido autorizado pelo convênio. “Depois de muita discussão admitiram que o convênio autorizou, mas agora voltaram a cobrar a gente de novo porque a Medical não pagou o hospital. Essa semana chegou outra carta de cobrança”, explica a professora Tatiane Menarbini Cazeri, neta da paciente. “Estão nos cobrando quatro dias de internação mais o cateterismo que dá cerca de R$ 20 mil”, reclama.
Em nota, a Medical Health diz que ainda este mês uma nova rede de atendimento estará em funcionamento para dar conta do fluxo de exames e consultas. “A Medical Health lamenta os últimos acontecimentos que têm impactado no atendimento dos seus beneficiários e tem trabalhado para uma reestruturação em busca da normalidade dos serviços prestados. A partir da segunda quinzena de fevereiro uma nova rede deve estar disponível”.
Sobre o caso da dona Irene, a operadora de saúde disse que “vai apurar o caso relatado pela beneficiária, uma vez que pelas regras contratuais o hospital não pode cobrar do usuário nenhuma glosa”. A Medical Health não se pronunciou sobre o caso do servidor Valdir Soares da Silva.