Adolescentes em busca de um modelo adotam os super-heróis japoneses

Há pelo menos duas razões que explicam o êxito dos mangás fora do Japão: a descentralização da cultura na era global e a estreita relação entre culturas pós-modernas e a indústria cultural. No Japão, a popularidade dos mangás após a 2.ª Guerra cresceu principalmente pela necessidade de entretenimento de um povo castigado pela derrota, tentando uma compensação por meio dos quadrinhos. Mas, usado inicialmente como diversão, o mangá serviu depois para educar crianças e transmitir mensagens positivas.

Há exemplos que fogem a essa lógica, como Machiko Hasegawa (1920-1992), pioneira na publicação desses quadrinhos nos jornais com a série Sazae-San, que contestou a ordem patriarcal ao criar a figura da dona de casa fora do eixo, liberada, uma extensão de seu caráter antissocial.

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A exemplo de Machiko Hasegawa, o mais popular entre os artistas criadores de mangá, Osamu Tezuka, também começou a publicar seus quadrinhos em jornais e tinha, como ela, certa desconfiança de que a humanidade é uma invenção sem futuro. Tezuka era pessimista e, curiosamente, um tipo pouco disposto a aceitar as diferenças, ao contrário dos mais modernos desenhistas de mangá.

Um traço característico do mangá é a figura humana tipicamente desenhada com traços exagerados e proporções nada simétricas, notadamente os olhos arredondados, que traduzem mais diretamente as emoções dos personagens. É um gênero etnicamente ambíguo, o que facilita seu trânsito entre orientais e ocidentais (o mangá, no auge de sua popularidade, 1996, chegou a responder por um terço de todo o mercado editorial do Japão, rendendo fortunas no mercado americano).

Esse tipo de identificação com personagens japoneses tem a ver sobretudo com a criação de uma nova identidade por meio do mangá. Estudos foram feitos e descobriu-se que leitores adolescentes americanos usam os quadrinhos para forjar uma nova persona com base no que lhes falta – eles desejam, sobretudo, o poder dos heróis dos mangás.

FORA DO RADAR

Como se sabe, o conceito de cultura vem amalgamado com o conceito de civilização. Se, antes, o “outro” (o japonês) era o inimigo, hoje é o modelo a ser adotado: gênero e raça são desmontados pela lógica do mangá. Tal modelo híbrido pode não ser visto como uma combinação de identidades autênticas, mas como uma “nova” identidade, observaram estudiosos do assunto. Há quem diga que esses jovens ocidentais buscam identidades alternativas fora de seu ambiente social. Pode ser. Afinal, o mundo ocidental anda carente de modelos. É animador ver algo fora do radar da homogeneização cultural. Não se deve esquecer, porém, que os mangás criados no Japão são limitados pela autocensura. Os quadrinhos ocidentais há muito exploram a sexualidade. No Japão, pelos públicos são considerados uma ofensa (até nas telas).

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