Quatro em cada dez moradores do ABC estão negativados por inadimplência

O boletim número quatro do Corecon ABC (Conselho Regional de Economia da Delegacia Regional do ABC) repercute a pesquisa feita pela CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de São Caetano que mostra 399 mil pessoas entre 18 e 65 anos negativadas em pelo menos um dos dois principais birôs do país. O número é semelhante à quantidade de habitantes de cidades, como Diadema ou Mauá, e significa também que quatro em 10 moradores da região estão com problemas de crédito.

O boletim traz ainda textos sobre a Reconversão Industrial, Cadeias Produtivas, o Perfil do Consumidor Superendividado e Dicas para uma Vida Financeira Saudável. O boletim completo está disponível no site do conselho. Para falar sobre o tema, o RDTv ouviu o professor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e delegado regional do Corecon, Antônio Fernando Gomes Alves, e doutor em economia, professor da USCS e economista do Grupo Euro 17, Lúcio Flávio da Silva Freitas.

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O delegado regional do Corecon chamou a atenção para a pesquisa sobre a inadimplência da CDL de São Caetano. “O que nos chamou muito a atenção nos últimos meses foi o crescimento da inadimplência e o endividamento das famílias ocasionado pela mudança que tem acontecido na estrutura industrial do ABC, que foi matéria dos boletins anteriores, e a retração do PIB (Produto Interno Bruto). O dado que trazemos é sensível, quatro em cada 10 trabalhadores estão negativados. Isso afeta psicologicamente as pessoas, afeta a projeção dos filhos, o futuro e obviamente traz para as organizações, para as empresas e os tomadores de opinião uma incerteza de como vai se comportar a economia nos meses seguintes, haja vista que precisamos de consumidores adimplentes fazendo suas compras e girando a economia”, analisa Gomes Alves.

Para o professor Lúcio Flávio da Silva Freitas, a inadimplência de 399 mil pessoas só no ABC reflete a situação do país que precisa de planejamento para o crescimento sustentável. “O ABC retrata uma situação que é do Brasil, até hoje a gente estava com os juros, inflação e desemprego acima de dois dígitos. E agora a gente vê também a inadimplência também subindo. A curto prazo é mais essa situação de uma economia que cresce, ainda muito lentamente. A mensagem principal é que precisamos retomar o crescimento, precisamos recuperar a nossa economia e aí a gente vai ver a inadimplência recuar, não só no ABC, mas no Brasil”.

Alves falou sobre os dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que soltou o mapa da fome. “Os dados são terríveis, nós temos 60 milhões de brasileiros vivendo com até R$ 500 e 30 milhões vivendo com até R$ 290. Estamos num quadro social conjuntural com aumento da taxa de juros, inflação e esse quadro de inadimplentes sem condições de prover crédito, com isso é impossível termos uma solvência na região de uma maneira mais tranquila. Essa transferência de renda precisa existir como uma maneira mais do que emergencial. A Caixa, o Serasa, o Procon fazem trabalhos para recuperar o crédito. É preciso repensar a distribuição de renda, um fluxo de capital monetário para as famílias de maneira mais distribuída e o poder público tem importância fundamental. Isso não é só um momento, isso é crônico na economia brasileira e na sociedade. Em momentos de asfixia, em momentos em que estão agonizando e elevando os indicadores como inflação, quem mais sofre são as famílias menos empoderadas no sentido de renda e de crédito. E o crédito também precisa ser pensado pelas instituições financeiras, que é algo fundamental para o empresário, para o empreendedor e também para as famílias. Temos outros tipos de crédito como o solidário e o microcrédito que possibilitam isso”, sustenta o delegado regional do conselho de economia.

Crédito

“Numa economia capitalista o crédito é fundamental. Ele é indutor, tem esse papel positivo tem capacidade de indução do crescimento”, sustenta Freitas. “Mas ele por si só, não vai solucionar o problema se a gente não tiver uma política e até uma utopia de transformar nossa sociedade em um pouco mais igualitária”, continua o economista.

Para Freitas, uma sequência de acontecimentos econômicos culminou com o aumento da inadimplência. Quanto ao endividamento, a economia se recuperou da pandemia muito em função do crédito. O juro ficou baixo para justamente induzir a recuperação e o nível de crédito cresceu, a economia cresceu e o endividamento subiu. Depois veio da desarticulação das cadeias produtivas, a inflação, a crise que trouxe o aumento do preço do petróleo que aí pressionou novamente a inflação, que rouba poder aquisitivo das famílias. A política reage aumentando a taxa de juros para combater a inflação e isso faz com que a família que está endividada enfrente uma situação diversa; agora ela tem um juro mais alto e uma economia que cresce menos então tem mais dificuldade para gerar renda. “Esse endividamento, que num primeiro momento viabilizou a recuperação da pandemia, agora passa a ser um fator de risco na medida que a inadimplência começa a subir”, analisa.

Para o economista do Grupo Euro 17, o mercado de trabalho mostra sinais de melhora, mas ainda está muito aquém de trazer efeitos positivos, dado o tamanho do exército de desempregados. “A gente entende o mercado de trabalho como ele está se comportando porque é dali que virá uma resposta mais positiva. Os dados do mercado de trabalho mostram que caiu um pouco o desemprego neste último trimestre, o que é bom. No entanto como o estoque de desempregados ainda é muito grande, são mais de 10 milhões, e subempregados são mais de 20 milhões. Como o estoque de desempregados ainda é muito alto o salário de admissão caiu. O mercado de trabalho então está reagindo, mas lentamente, por isso é motivo de apreensão esse endividamento”, diz.

Superendividamento

Alves, autor do texto que trata do perfil do superendividado no ABC, fala do chamado PAS (Programa de Apoio ao Superendividado) do Procon que considera um programa de educação financeira importante. “Você se cadastra e recebe uma orientação sobre como equacionar isso. Importante nós olharmos isso; o Procon faz um trabalho de educação financeira e se a empresa olha isso, observa o perfil, ela também pode encontrar alternativas de como oferecer crédito e como articular com organismo dessa natureza que presta um serviço essencial à população. Importante que as pessoas busquem orientação para não entrar em negociatas que não vão tirá-las do endividamento, ao contrário vão prolongar esse endividamento e às vezes até aumentar. Infelizmente há essas situações que mais desorientam, do que orientam”, diz.

Reconversão

O delegado do CoreconABC destaca ainda texto artigo sobre a reconversão industrial de autoria de da professora Anapatrícia Morales Vilha, e dos doutorandos  Daniel de Andrade Fontoura e Fabio Danilo Ferreira, ambos da UFABC (Universidade Federal do ABC). Segundo o delegado, o ponto principal e a diversificação industrial da região. “Precisamos criar uma cadeia produtiva mais diversificada e com agregado inovativo e ver de que forma isso vai compor o preço do bem – produto – para ir para o mercado competitivo e trazer rendimento. Para isso não podemos ficar só na retomada da capacidade ociosa das indústrias, mas precisa rediscutir política tributária, inclusive uma política tributária regional de alguns produtos. O Fórum da Indústria (iniciativa da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC) nos traz essa oportunidade de pensar com todos os agentes; colocar todos juntos e entender que o poder público municipal e que leva também ao estadual uma política que favoreça essa reestruturação ou a reconversão para o momento de fomento à região. É uma discussão que não é fácil, mas é necessária. Todos precisam conversar para essa reconversão sair do papel”, completa.

Freitas completa o raciocínio sobre a reconversão. Acha que essas discussões são apenas o início. Você tem o fórum onde reúne universidades, o poder público e o setor produtivo, todo mundo sentando para conversar e planejar o longo prazo. É preciso essa disposição, esse desejo, essa vontade de criar uma região forte ou de recuperar a força que a região já teve economicamente. É preciso planejamento. Não vai haver uma reindustrialização do ABC sem uma política de médio e longo prazo, sem o apoio do governo do Estado e, quem sabe do governo federal. Não há improviso que vá corrigir isso. “Tem que começar daí, desse fórum e outras iniciativas da região que têm o condão de puxar esse tema, de elaborar propostas”, finaliza.

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